quinta-feira, 20 de agosto de 2020
A luta pela terra em Gostoso’: Empresa ameaça comunidade tradicional no Maranhão
Os moradores da comunidade do Gostoso, localizada no município de Aldeias Altas (MA), que vivem há décadas na região, estão sendo ameaçados por supostos funcionários da empresa Costa Pinto. Segundo relatos locais, tais funcionários derrubaram cercas, que dividiam as roças e proibiram os moradores de colherem a safra plantada. As comunidades de Pati/Gostoso são as principais produtoras de alimentos agrícolas, no município de Aldeias Altas, apesar de serem comunidades pequenas. Aldeias Altas está entre os municípios com menor taxa no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), ocupando a 5490ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros listados, segundo dados de 2010 do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil.
(Texto e fotos: CPT - Maranhão / Arte: Mário Manzi - Secretaria de Comunicação CPT Nacional)
Acompanhe esta série dividida em dois capítulos:
“Eu sou Edite, sou moradora aqui do Gostoso, sou lavradora, quebradeira de coco. O que eu preciso muito é da terra pra eu plantar, ter moradia digna pra mim, meus filhos e meus netos. Aqui a gente planta, colhe o feijão, a melancia, o milho, a mandioca... por isso a gente tá precisando da terra pra gente plantar, ter nosso próprio alimento sem depender de ninguém. Aqui temos uma terra muito rica pra nós, daqui que tiramos nosso sustento, tiramos nosso babaçu pra fazer nosso óleo, da casca nós faz o carvão. Aqui nós levamos nossos filhos pra brincar na areia, nos riachos. Vamos pescar. Aqui nós temos nosso legume, nosso arroz, feijão. Aqui é uma riqueza para nós. Pra isso nós precisamos que o governo e as autoridades maiores, vejam que nós tamos sendo ameaçados. Que a gente não pode nem ir mais para tirar nosso feijão que os capangas estão aqui para mandar nós parar e nós não vamos parar de trabalhar, porque se nós parar de trabalhar nós vai morrer de fome”. Maria Edite moradora da Comunidade do Gostoso
Diante de duas grandes ameaças à vida da comunidade Gostoso ocorridas no dia 17 de julho deste ano, dois agentes da CPT Regional Maranhão, a convite da comunidade e obedecendo os protocolos de distanciamento e segurança, por conta da pandemia do novo coronavírus – Covid19 –, estiveram na comunidade para ouvir os camponeses/as sobre as últimas ocorrências de conflito.
1. Trata-se de ameaças direta de quatro homens em um veículo Renault Sandero, pertencente à Localiza e que se diziam funcionários da empresa Costa Pinto. Segundo membros da comunidade, os homens foram até às roças dos camponeses/as para impedir a colheita a partir daquele dia (melancia, feijão, mandioca, entre outros). Segundo relatos e vídeos feitos pela comunidade, os funcionários da empresa teriam determinado que parassem de trabalhar naquela área alegando que a área é parte da Barriguda (fato que não procede porque Barriguda está para outro lado e não limita com Gostoso). Essas ameaças têm sido constantes nos últimos meses, mesmo nesse período de pandemia. Funcionários da Costa Pinto tem cortado arame das roças dos trabalhadores por diversas vezes, ocorrências sempre registradas na delegacia de polícia;
2. Trata-se da decisão do Desembargador Ricardo Dualibe contra um Agravo de Instrumento da comunidade que pedia a suspensão da reintegração de posse. O desembargador desqualificou a posse das 24 famílias que vivem há décadas na área denominada Pati/Gostoso. Segundo o desembargador, não ficou comprovado a existência de conflito coletivo e que por falta de um decreto de interesse do Incra pela área, assim decidiu a favor de uma empresa do Rio de Janeiro que diz deter mais de 75 mil hectares de terra que abrange os municípios de Aldeias Altas, Caxias, Codó e Afonso Cunha. Essa ameaça foi entendida como um atentado à vida de uma comunidade inteira porque destrói a esperança de quem ainda acredita na justiça. A justiça quando coloca a vida humana como direito mais relevante que o direito à propriedade privada ou ao direito à acumulação da renda e da terra em detrimento ao direito à vida.
Ao saber da decisão do desembargador houve um sentimento de profunda tristeza na comunidade. Luís, pai de 7 filhos, sendo uma portadora de necessidades especiais, com os olhos transbordando em lágrimas e o coração aos prantos, riscando o chão com um pequeno galho, perguntava:
“O que é mesmo um desembargador, é o mesmo que juiz? Como ele pode decidir sobre nossas vidas se nunca esteve aqui? Nunca olhou a gente, nunca viu nossos filhos, nossas roças, nossas casas, nossas criações. Como pode decidir a favor de quem não precisa dessa terra pra viver se já tem tanta terra? O desembargador não sabe que se a gente for expulso daqui o nosso destino vai ser morrer? O que a gente saber fazer é cuidar de roça e é de lá que a gente tira nosso sustento. Ninguém aqui é empregado de ninguém, todo mundo aqui trabalha em suas roças. Ninguém tem pra onde ir”. Luís Rodrigues
O território denominado Pati/Gostoso é antigo, anterior à vinda da Costa Pinto para o Maranhão. Parte das 24 famílias que resiste ao conflito com a empresa já havia sido expulsa pela mesma no povoado Pitombeira que foi varrido do mapa com a expansão da cana na década de 1980, essas famílias foram acolhidas pelos antigos moradores de Pati/Gostoso que há muito tempo viviam ameaçadas pelos criadores de gado da região que soltava o gado nos pastos naturais situados no território, segundo os moradores a área chegou a ter cerca de 800 cabeças de gado que destruíam roças e os quintais. Inúmeras denúncias foram feitas na época.
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