quarta-feira, 30 de setembro de 2020
Os olhares silenciosos
Aonde se viu? Algo consumia o seu declínio. A vida se confundia com a rua de Santana e as ruas perpendiculares. Nessa rua viveram Gonçalves Dias e sua musa. Não compete o olhar nostálgico para o século XIX e seus amores românticos. Gonçalves Dias sobe a rua de Santana, assim o escritor Geraldo Iensen intitulou um dos seus poemas. O poeta caxiense vivia à e subia a rua de Santana. Andava-se devagar ou apressado? Os portões dos casarões se fechavam para os atrevidos. O amor aprisiona os olhares silenciosos.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
A Liga da Justiça da literatura universal
As bancas de revista, quase sempre, desobedecem o que se espera de uma banca de revista que seria apenas vender revista. Deveriam escrever um tratado sobre o que norteia a criação das bancas de revistas pela cidade. Uma banca de revista não é simplesmente um local em que se vende revistas. Ela expõe revistas e outros produtos gráficos cujas existências se voltam para o consumidor que comprará aquele produto que lhe interessar mais ou apenas o admirará pelo seu visual e pelo seu conteúdo. As bancas de revistas, em muitos lugares, dispensavam apresentações do tipo a banca de não sei quem na rua não sei aonde. Sabia-se que em algum lugar do bairro elas se faziam presentes porque, sem elas, os bairros ficavam a dever a seus moradores algum tipo de vida social e cultural numa época em que ter vida social era frequentar igreja e as festas de aniversário dos vizinhos. Aqueles consumidores que buscavam revistas com conteúdo diferenciado só as encontravam em bancas do Centro ou de Shopping Centers. As bancas de revista do subúrbio de São luis recebiam apenas as revistas de grande circulação. Para as empresas que distribuíam (e distribuem) revistas, o centro requeria diversidade e o subúrbio requeria homogeneidade. Contudo, a realidade prega peças para aqueles que a assistem como um mero culto religioso. Tantas vezes ele, antes de viajar, curtia a banca de revista da rodoviária de São Luis em todos os seus aspectos pitorescos de vender revistas e...livros. Um desses livros que ele não se cansava de admirar era “O Homem sem qualidades”, livro escrito pelo austrieco Robert Musil, um dos escritores e intelectuais que fugiram da ascensão do nazismo na década de 30. Ele comprou esse livro por um valor baixo e comunicou a conhecidos do ramo da livraria que acharam inacreditável alguém comprar um livro de Robert Musil numa banca de revista da periferia de São Luis. Essa compra de Musil foi um pouco depois que se interessou por Walter Benjamin e Adorno e bem antes que lesse Elias Canetti e outros escritores de língua alemã. Na sua cabeça, os escritores de língua alemã e os escritores que os reverenciavam como os italianos Claudio magris e Roberto Calasso formavam a Liga da Justiça da literatura universal que removeria o entulho autoritário que subjazia na historia cultural da linguagem humana.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
O rio que cortava a rua do Alecrim
Os jornalistas pararam em frente ao portão da capela Bom Jesus dos Navegantes, que se situa ao lado da igreja Santo Antonio. O jornalista mais velho advogava a tese que a Bom Jeus dos Navegantes era construção recente e que a Capela do Bom Jesus da Coluna era mais antiga. O jornalista mais novo discordou da crença do amigo. A convite da diretora do Museu Historico e Artistico se fizera presente a uma palestra no interior da capela Bom jesus dos Navegantes, onde fora informado da cronologia de construção das capelas. A Capela Bom Jesus dos Navegantes data do século XVII e a Capela Bom Jesus da Coluna data do século XIX. O jornalista mais novo intencionava mostrar a Capela para o jornalista mais velho e para o filosofo que fotografava o casario histórico e os monumentos históricos como o busto em homenagem a Antonio Lobo, escritor e intelectual maranhense do começo do século XX. A discordância entre os jornalistas a respeito de qual era a capela mais antiga só perdurou até o instante em que o mais novo pesquisou no google, pai dos burros, em que ficou demonstrado o seu acerto. A rua do Alecrim um dia fora quintal da Capela e na atualidade segue independente por boa parte do Centro de São Luis. O jornalista mais velho revelou a existencia de um rio que cortava a rua do Alecrim e que seu sobrinho banhou nesse rio nos anos setenta. Com certeza, pois o lado esquerdo da rua do Alecrim se configurava como uma baixa. Do alto de um muro, pode se vê um rio que nasce nas imediações da rua Grande, desaparece nas canalizações e assoma no quintal de uma casa abaixo da rua do Alecrim. Quem saberia contar a historia dos rios de São Luis como esse rio da rua do Alecrim ou o rio que deu origem a Fonte do Ribeirão? Quem saberia contar o porquê do nome rua dos Afogados, rua paralela a rua do Alecrim? Reza a lenda que na rua dos Afogados se afogavam macacos e que isso marcou a historia dessa rua.
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
Os flaneurs
Eles não tinham endereço certo. Pousariam num café, num sebo de livros, num restaurante, quem poderia saber? O almoço de um deles transcorreu em dos vários restaurantes da Feira do reviver. Ele cobiçava um cozidão. O dono do restaurante respondeu que faltava o cozidão e que se quisesse podia servir um mocotó. Os dois aprovaram o mocotó servido. É bom relembrar que o mocotó virou iguaria sofisticada e cara recentemente. Antes, os negros escravizados e os brancos pobres comiam o mocotó. As famílias aristocráticas do Maranhão desprezavam as vísceras do gado que iam para o lixo. O que provocava desprezo em alguns, provoca em outros gulodice. O amigo, que não almoçara cedo, deleitou-se tanto com o Mocoto que só deixou um pedaço de línguiça para o companheiro. Os dois aguardavam um amigo jornalista que encerrara seu expediente e encaminhava-se para o restaurante onde eles estavam. O amigo jornalista caminhou rápido pelas ruas singelas do centro histórico de São Luis e decidiu não comer no restaurante do mocotó. Não tinha aptidão para o mocotó. Acalentava um restaurante self service recém aberto de frente para a praça João Lisboa. Eles (dois jornalistas e um filosofo) pararam o seu périplo gastronômico alguns minutos com a intenção de perguntarem a um espanhol se era verdade que desejava vender a sua casa ou parte dela. O espanhol botou o preço da parte de baixo do sobrado em tanto. O sobrado do espanhol comportara um bar alternativo (rock, anarquistas e quadrinhos) o qual desativara por dar muito trabalho para administrar. “Como viviam os antigos moradores dos sobrados do centro histórico de São Luís?”. Enquanto flanavam pela rua de Nazaré, perguntavam-se. Walter Benjamin, filosofo judeu-marxista, apegou-se muito ao termo flaneur em suas analises sobre a obra do poeta francês Charles Baudelaire e sua relação com a cidade de Paris que se modernizava violentamente na segunda metade do século XIX. Flaneur é aquele que vaga sem objetivo pelas ruas da cidade. O filosofo trouxe a baila esse termo para explicar a eles próprios o que faziam no centro. O centro é o casario histórico do século XIX e as casas modernistas do século XX e os personagens que as construíram e que nelas viveram. Uma breve parada em um sebo de livros, revistas e discos à rua Santo Antonio pode desencadear compras imprevistas como o livro “Neurose do medo e 100 artigos” do escritor modernista maranhense Nascimento Moraes, desafeto do intelectual Antonio Lobo, homenageado com um busto na praça da igreja Santo Antonio. O centro também é homenagens (bustos) e brigas literárias (artigos) que ninguém mais se lembra como e porque nasceram.
Paris capital da modernidade
Os melhores escritos teóricos sobre a Paris do século foram escritos por estrangeiros, não por franceses. A segunda metade do século XIX foi o momento de melhor produção cultural e artística dos franceses e o Impressionismo ratifica esse posicionamento. Houve artistas e movimentos artísticos interessantes nas décadas seguintes ao Impressionismo, mas não produziram nada equiparável. A imagem de uma Paris de várias manifestações artísticas e culturais permaneceu principalmente para os estrangeiros. Walter Benjamin escreveu sobre Charles Baudelaire, Dolf oehler escreveu sobre a França pós repressão de 1848, David Harvey escreveu sobre a cidade de Paris e TJ Clark escreveu sobre Manet. Todos com influencia marxista. Por outro lado, os melhores escritos literários sobre Paris são dos próprios franceses só que do ponto de vista dos marginalizados ( Charles Baudelaire e Celine).
domingo, 20 de setembro de 2020
Uma vitoria da comunidade de Gostoso municipio de Aldeias Altas
O morador Antonio Almeida compartilhou fotos no facebook em que demonstrava receio pelo destino da comunidade de Gostoso, município de Aldeias Altas. Esta comunidade sofre pressão da empresa Costa Pinto para que desista da luta pela posse do seu território. A pressão não é so da Costa também é exercida pelo poder judiciário e pela prefeitura de Aldeias Altas, onde a empresa detem e planta cana de açúcar em grandes extensões de terra. No começo de setembro, o juiz de Caxias Diego Duarte de Lemos assinou um despacho em que pedia a policia militar do Maranhão um plano de reintegração de posse contra a comunidade de Gostoso e estendia esse despacho como forma de comunicado para outras instituições publicas que acompanham a questão agraria no Maranhão. O advogado Diego Cabral, que representa a comunidade de Gostoso contra os interesses da Costa Pinto, entrou com um pedido de liminar no Tribunal de Justica para manter a comunidade na posse do seu território e os recursos ainda não foram esgotados. O juiz de Caxias se apressou em uma decisão de despejo que favoreceria a empresa sendo que não foi o resolvido o conflito, numa área em que os documentos da empresa tem indícios de fraude e numa área em que comunidade visa produzir para sua sovrevivencia e para fornecer alimentos para os moradores de Aldeias Altas. Entretanto, as ultimas informações dão conta que o juiz de Caxias suspendeu a reintegração de posse. É uma vitória da agricultura familiar e dos moradores de Gostoso e uma derrota da Costa Pinto.
O Bolsonarismo e as lutas populares
Após o fim da segunda guerra mundial e o fim do nazismo, muita gente pela europa e pelo mundo se surpreendeu com o fato de que os crimes contra a humanidade foram cometidos por alemães de formação superior, bem educados, ouvintes de musica clássica e etc. As classes dominantes alemães utilizaram o nazismo assim como o nazismo utilizou as classes dominantes para justificar a ideia de arianismo, de uma raça pura e superior em relação aos outros povos. Devido ao anti semitismo histórico incrustado nos países europeus, não foi difícil ao nazismo e as classes dominantes alemães que os judeus seriam o povo escolhido para sofrerem os piores golpes desferidos pelo regime nazista. O Brasil vivencia um arremedo do nazismo na figura do Bolsonarismo e um dos apoios desse governo vem de segmentos que reelaboram a cultura popular e suas construções poliiticas e estéticas em favor do atual governo, dando um viés nacionalista, personalista e militarista. Parece impossível, mas há pessoas que leem Paulo Freire, votaram em Jair Bolsonaro e votarão nele na próxima eleição. É preciso analisar os porquês de setores ligados as lutas populares terem aderido ao projeto bolsonarista.
sábado, 19 de setembro de 2020
A mitologia em torno da "fundação" de São Luis
Quem assistia televisão em São Luis nos anos 80 deve se recordar do programa Zé Raimundo, transmitido pela tv Difuora. Ele encerrava o programa com o dito “São Luis, a única capital brasileira fundada pelos franceses”. Ze Raimundo exclamava essa frase e soltava ela pelo ar do estúdio como um grande final para seu programa. No imaginário popular, falava-se o melhor português em São Luis e a razão provável era a influencia francesa na historia e na cultura ludovicenses. “A única capital brasileira fundada pelos franceses”, “o melhor português falado no Brasil” e “Atenas brasileira” foram representações socioculturais construídas ao longo da historia conhecida do Maranhão (império e republica). Essas representações, que tem no discurso verbal e no discurso escrito os seus principais meios de reverberação, consolidaram-se em momentos de decadência socioeconômica por que passava o Maranhão. Veja o caso do dito “A única capital brasileira fundada pelos franceses. Ele consiste numa exceção, São Luis é francesa. E a regra, o Brasil é português. Se o Brasil é português como São Luis que fica dentro do Brasil é francesa? A coroa portugesa, no século XVI e parte do século XVII, desprezava o Maranhão completamente. Nem os portugueses que tinham negócios vinham ao Maranhão. Em contraposição, os franceses enviam missões e estabeleceram um povoamento em São Luis no começo do século XVII. Temendo perder o Maranhão, os portugueses envidaram esforços para expulsar os franceses o que ocorreu em 1615. Os livros de historia declaram que São Luis foi fundada por Daniel de la Touche em 8 de setembro de 1612 e que os franceses se basearam na aldeia de Eussaup (lugar onde se comem caranguejos), habitada por índios Tupinambás. Do ponto de vista do discurso, a representação “A única capital..” leva a um beco sem saída porque passados mais de quatro séculos ela não redundou em nenhuma construção histórica de respeito. Qual é a influencia francesa na arquitetura, na literatura, nos costumes e etc do Maranhão? Do ponto de vista histórico, o tratado de Tordesilhas destinara o Maranhão para o Portugal e os franceses sabiam disso com certeza. Do ponto de vista antropológico, antes da chegada de franceses e portugueses os indígenas Tupinambás moravam em São Luis e adjascencias e o nome Eussaup expressa bem o local onde moravam porque é uma região de manguezais, habitat dos caranguejos. A categoria “fundação” se reveste de mitologia. É so pegar o caso de Romulo e Remo “fundadores de Roma”, que foram “alimentados por uma loba”.
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Seria bom
Seria bom escrever sobre as praias de São Luis. Seria bom escrever sobre as praias lotadas de São Luis. O quão prazeroso é ficar a beira da praia. Sente-se à cadeira e saboreie uma cerveja e almoce um peixe. Seria bom conversar com a mulher amada que olha nos olhos e sorri timidamente. Cante a musica do grupo de pagode que recicla a mesma musica de outros carnavais. Seria bom ouvir o mar chegando. Deseje um bom dia de trabalho para o vendedor de camarão. Seria bom abraçar o amigo que não se via há muito tempo. Quanto custa o preço da agua mineral á beira da praia? Pouco comparável com outros gastos. A água que se bebe não vem do mar e nem da torneira do bar. De onde ela vem ? Seria bom escrever sobre os rios de São Luis. Os rios mortos e os que estão por morrer. Será possível um dia voltar a escrever sobre os rios de São Luis? Os olhos se fecharam com o destino dos rios. O que se vê não é água nesse rio. Só um corpo sem vida boiando em direção ao mar infinito.
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Comer pouco causa insatisfação
As pessoas nunca se satisfazem com pouco. Os amigos cortavam as ruas do bairro Filipinho e conversavam sobre a politica do Rio de Janeiro. O governador e o prefeito se ferraram e o fato de serem bolsonaristas melhorava o quadro. A disputa eleitoral para prefeito de São Luis apontava que ficaria entre um evangélico de esquerda e um direitista com apoio de bolsonaristas. Tudo com olhos voltados para a eleição de 2022 (governo do estado e presidente da republica), pois o bolsonarismo precisa de bases eleitorais no nordeste e precisa enfraquecer os partidos de oposição onde se fortalecem. A eleição do Bolsonarismo em 2018 se deu muito em função do desgosto experimentado por um eleitorado que votou na esquerda ate 2014, mas que começou a mudar seu voto na eleição de 2016 depois dos escândalos encabeçados por partidos de esquerda. Em São Luis, o bolsonarismo não é cabeça de chapa. Ele prefere ficar nas sombras instigando os demais partidos para, enfim, cobrar mais tarde sua parcela do butim eleitoral. As elites vêem na campanha eleitoral uma estratégia para conquistar o estado. No Coroadinho, ouve-se um pouco desse sentimento de insatisfação que abriu as portas para o Bolsonarismo e seus parentes ideológicos como sucedeu em vários estados e municípios. As lideranças politicas tradicionais, ligadas a partidos políticos e movimentos sociais, perdem espaço ou são cooptadas pelo discurso do novo com cara de velho. A senhora Joana, micro empresaria do ramo de alimentação, é proprietária de um pequeno comercio de comida à avenida principal do Coroadinho (o seu filho é candidato a vereador). Ela conta mais de vinte anos a existencia de seu negocio naquele local. Antes, ela cozinhava mocotó no bairro Filipinho num restaurante. Trabalhava um dia e descansava outro. Ela sentia saudades dessa época pelas gorjetas e pelos agrados que recebia. Nos tempos atuais, as pessoas mal têm dinheiro para comprar comida. “Tu tens cara que ganha muito dinheiro. Só no cartão de debito’. Quem vê cara não vê coração. O jornalista não sabia de onde ela tinha tirado essa ideia de riqueza. Outra coisa que o cismou foi a amiga te-lo injuriado por comer pouco. “Tu vieste dizendo que comeria comer mocotó. Pensei que comerias muito. Quando eu vejo comeu pouco”.
domingo, 13 de setembro de 2020
O extrordinario acontece
Ele mora à rua Couto Magalhães, bairro Monte Castelo, por razoáveis anos. Mudara-se para o numero 68 da Couto Magalhães em 1987. Acabara de entrar à adolescência e nesses treze anos o seu mundo se resumia aos amigos da escola, do bairro Liberdade, onde morara antes da mudança, e da Cohab. O Monte Castelo, um dos bairros centrais de São Luis, comparecia como um componente aleatorio da sua vida periferica porque nele, apenas, frequentava a igreja Nossa Senhora da Conceição aos dias de sábado. A decisão da família de se mudar para o Monte Castelo talvez tivesse por base a figura central da Igreja do Monte Castelo. Ficar mais perto do catolicismo oficial e longe de qualquer paganismo tão frequente à vida social do bairro da Liberdade. Sem nenhum amigo com quem pudesse conversar, optou pelo mero acompanhamento da vizinhança ou optou por ler algum livro. Em tantos anos, a observação da vida social da rua Couto Magalhaes não capturou nenhum acontecimento extraordinário. Dificilmente, via-se moradores se locomovendo em grupos que excedessem o numero máximo de cinco pessoas pelas ruas do Monte Castelo. Para passar o tempo, incluiu na sua lista de prioridades beber em algum boteco, dos poucos que ainda resistem. O extraordinário pode ser que apareça entre uma cerveja e um livro. E o extraordinário aconteceu numa tarde em que ele lia “Talvez, Esther”, da escritora russa Katja Petrowskaja, quando viu subir a rua um grupo de mulheres, crianças, jovens e adolescentes. Que cena. Um grupo de quase vinte pessoas subia a rua com claro proposito de pegar um ônibus que o levasse a alguma praia. Admirou-se, pois o grupo obedecia a um centro operacional que mulheres coordenavam. Possivelmente da mesma família ou quase todos da mesma família a qual amigos se agregaram. Não criticou em nenhum momento a alegria que os membros do grupo transpareciam. Aquela alegria genuína de sair aos domingos para voltar bem no final da tarde.
sexta-feira, 11 de setembro de 2020
Dança de São Gonçalo
Deve se conhecer algo ou alguém em seu intimo ou em seu interior, mas nem sempre o ato de conhecer se desenrola do jeito desejado. O conhecimento, portanto, requer uma disciplina que poe a prova aquele que o deseja. Por si só, o conhecimento não leva a lugar algum. Ele é um fim em si mesmo. O que mudaria na pessoa, no seu intimo, caso ela viesse a obter informação que no município de Matinha, baixada maranhene, pode ser verificado a brincadeira do São Gonçalo? Em um momento da oficina de Culinaria, no povoado quilombola de Graça, a dona Ciria, cujo nome remete de imediato ao pais Siria, visualizava junto com outras quilombolas um vídeo de uma dança gravado em outro povoado. A dona Ciria foi inquirida em primeiro momento se um aparelho tocava a musica ou se músicos a tocavam. “Olha o rapaz com a rabeca”, ela respondeu. Quem a inquiriu desconfiava ligeiramente o que ela responderia. Ele voltou a carga na inquiração: “De que dança se trata?”. “Trata-se da dança de São Gonçalo numa comunidade bem distante de Matinha”, ela comentou. Ele conhecia a dança de São Gonçalo de outros locais como Urbano Santos e Morros, municípios que mantinham relação direta com o litoral maranhense através do consumo de peixe pescado em alto mar. Muita gente desconhece essa dança pois ela não desperta interesses comerciais e estéticos da parte do publico consumidor diferente do que acontece às brincadeiras de bumba meu boi em boa parte do Maranhão.
as luzes de Penalva
As luzes vistas da orla de Viana sugerem que esticando o corpo e as mãos pode se alcançar a cidade de Penalva. O olhar que vasculhava a noite em que pouco se vê e pouco se escuta provocara a sensação de que navegando a lagoa rapidinho eles se deparariam com Penalva. Acaso alguém o convidasse a por os pes numa canoa o que faria? A jornada se resumiria a algumas casas ou alguns povoados ribeirinhos ou ela se alongaria noite adentro e lagoa afora? Seus olhos se fixariam a agua ou se virariam a direita e a esquerda para enxergarem as casas encobertas pelo manto da noite? O Sabino, tecnico agrícola, ao andarem pela orla, indicou as luzes de Penalva a direita. Eram só as luzes indistinguíveis de Penalva. Nada mais.
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
A ponte
“Como é que faz pra lavar a roupa?Vai na fonte, vai na fonte
Como é que faz pra raiar o dia?No horizonte, no horizonte
Este lugar é uma maravilhaMas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponteComo é que faz pra sair da ilha? Pela ponte, pela ponte”.
A ponte, musica de Lenine, compõe a lista de musicas do cd “O ano em que faremos contato”, lançado em 1997. A palavra ponte apareceu com expressividade no disco “Da Lama ao Caos”, de Chico Science e Nação Zumbi, gravado em 1994, principalmente na musica ‘Rios, pontes e overdrives”, na qual Chico Science canta “Rios, pontes e overdrives, impressionante esculturas de lama”. No caso de Chico Science não há menor duvida que a ponte, a qual ele se refere, é alguma ponte vista no Recife antigo e o rio ou é o Capiberibe ou o Beberibe. Com referencia a letra de Lenine, é bem mais provável que a “ponte” seja mais um elemento simbólico que incorpora várias lembranças se bem que o lugar do qual ele trata provavelmente seja o Rio de janeiro ou a cidade maravilhosa pelo senso comum “ este lugar é uma maravilha”. A distancia temporal entre o disco “Da lama ao Caos” e o disco “O ano em que faremos contato”, cerca de três anos, e semelhanças encontradas em letras dos dois discos dá claras indicações que Lenine se deixou influenciar pelas composições de Chico Science, só que Lenine não reler a cidade de Recife e sim reler uma cidade imaginaria que tanto pode ser a cidade do Rio de Janeiro, a cidade de Nova Iorque (na Golden gate) ou até mesmo a cidade de Recife, sem se apegar a fenômenos históricos-sociais como faz Chico Science em todo o disco “Da lama ao caos”.
terça-feira, 8 de setembro de 2020
um poema
Quanto tempo faz que não escreve alguma linha?Ontem lembraram de ti por alguma razão ou desrazao. O motivo da lembrança sucumbiu no suave esquecimento noturno. Não sentes falta de conversas longas e acalentadoras com os poucos que sobraram ao sabor de uma música amorosa e ao sabor de uma bebida ameaçadora? Sabias de tudo um pouco e nada murchava. Nem a flor disfarçada. Por ora ficaste só. Resmungos sonolentos a noite se escutam. A boca do amor foi sua. Ficaste pra trás.
Os campos de Viana
Alessandro Lamar, sociólogo, Mayron Régis, jornalista, e Sabino, técnico agrícola, rondavam pela cidade de Viana no carro pau pra toda obra de Alessandro. Ele aposta na mega sena e caso ganhe pretende trocar de carro. Apostou várias vezes e na sua avaliação quase ganhou em algumas dessas vezes. Se o resultado for os números 10, 22, 34, 43, 51 ele marcou no papel 8, 20, 32, 45 e 56, quer dizer, passou “raspando” a trave na narrativa radiofônica de um jogo de futebol e quando se vê na tv a bola subiu muito acima do travessão. Eles buscavam uma loja que vendesse material para a oficina de horta no povoado Graça, município de Matinha. A cidade de Viana se notabilizou pela denominação “Cidade dos lagos maranhenses” pois a água surge e insurge-se em várias partes e até mesmo onde a água não é vista e nem sentida, pressente-se que ela chega por lá em invernos rigorosos. Em outro momento da ronda, Alessandro Lamar e Sabino caçavam uma papelaria na qual xerocariam um livreto com textos e fotos que disponibilizariam informações para as mulheres quilombolas que participariam da oficina. O jornalista Mayron Régis pediu licença para, enquanto isso, fotografar as baixas da Cidade. Um desconhecido andando pela cidade sempre é motivo de inquérito verbal dos moradores tradicionais. Um idoso interpelou o jornalista com uma voz quase inaudível (quem é, de onde é). Curioso como é, perguntou ao idoso qual era o nome da Baixa. Não obteve resposta do idoso. Ficou sabendo, pela dona da papelaria, que, sozinho, avistara os Campos de Viana. Nos Campos de Viana, a garotada jogava bola, os barcos estacionavam a espera de algum compromisso e o gado pisoteava a areia como se fossem os únicos seres vivos na face da terra.
domingo, 6 de setembro de 2020
A cidade embaixo da agua
A cidade embaixo da água dorme devagarinho num sonho crepuscular.Balança a rede que o peixe vem para o ceu da boca.Ela jura por Deus que o ama todas as noites em que dançam por sobre as cordas do circo mambembe. Ela o chama de ingrato. Ele pede perdão por não saber seu nome escorregadio.“Tu és um ingrato”, que belo titulo para um bolero de Ravel. Quem não tem Ravel canta Waldick Soriano. Os amigos rolam de dançar seresta no meio da rua impronunciável. A mãe de um deles manda beijos para a plateia. Eles dançam e cantam para quem quiser ver. João Bosco transformou o bolero tradicional em um bolero jazzístico em várias de suas composições. De tanto escutar Waldick Soriano, sentiu saudades da amada amante que o chamou de ingrato. Sentiu saudades de algum momento com ela em que passava o café de manhã cedo sem acordar. Um amigo tratante o cumprimentou de longe com um livro nas mãos. “É o livro de um autor novo Paulo Mendes Campos. Um bom livro de crônicas.” Perguntou ao amigo tratante quando comeriam um mocotó na feira submersa do bairro da Cohab. “Quem sabe, sei lá.” Ele decidiu não perguntar mais nada.
As perspectivas das igrejas
A entrada da capela Bom jesus dos Navegantes, construída em 1624, se dá pela igreja Santo Antônio, construída em 1859, só que a igreja de Santo Antonio se encontra fechada para reforma, então quem quiser conhecer a capela tem que ligar para o Museu Historico Artistico e agendar uma visita que se fará por um portão do lado direito da igreja de Santo Antonio. Bem mais nova que a Bom jesus, é a capela de Bom Jesus da coluna que se conecta com a capela por um corredor onde se veem vários jazigos e que se conecta com a nave da igreja por um portão. A capela Bom jesus é o inicio da estrutura e dela se originaram as estruturas da igreja Santo Antonio e da capela Bom Jesus da Coluna, ambas do mesmo ano. Antes de março de 2020, vários pesquisadores visitavam o complexo religioso e um destes foi um pesquisador mineiro que se encantou pelo que viu. Após o inicio da pandemia, só pouquíssimas pessoas visitaram as capelas e a igreja porque a maioria desconhece a possibilidade de agendar visitas. Para o cidadão moderno que se acostumou com as portas das igrejas se abrindo para o pôr do sol, a perspectiva da capela Bom jesus dos navegantes é diferente. A capela se abre para o nascer do sol. A igreja do Desterro, a segunda mais antiga construção religiosa de São Luis, também obedece essa perspectiva. Os fundos da capela Bom Jesus chegavam ao que hoje é a rua do Alecrim. Nos séculos XVII e XVIII havia poucas ruas delimitadas e, quando havia, essas ruas eram curtas com poucas casas construídas em suas extensões. A construção da igreja Santo Antonio e da Capela Bom jesus da coluna corresponde a um adensamento populacional mais agudo que provocou a urbanização de mais áreas do centro de São Luis.
sábado, 5 de setembro de 2020
O arrodeio das mulheres quilombolas
As mulheres a rodeavam. O verbo é a parte principal de uma frase. Uma frase sem o verbo ou com o verbo impreciso não faz sentido para o leitor. A Caroline de Padua foi escalada para ministrar uma oficina de culinária para mulheres quilombolas no povoado Graça, município de Matinha, Baixada maranhense. Alessandro Lamar, coordenador do projeto Rede Quilombola, financiado com recursos do Fundo Casa, escalou-a por terem trabalhado juntos no restaurante/escola culinária que o Alessandro administra. Um dos objetivos da oficina seria ensinar as mulheres quilombolas que a cozinha além de ser um espaço de preparar comida também é um espaço de desenvolvimento de aptidões/conversas. Ela desenvolveu sua aptidão para a cozinha em vários espaços gastronômicos além da Cooking, onde ela conheceu o Alessandro, como foi o caso do curso que fez no Senac. Cozinhar e ensinar culinária não são a mesma coisa, mas claro que para ensinar algo a alguém a pessoa necessita ter aptidão para aquilo. Não basta ter a predisposição, ela deve se aprimorar constantemente e a Caroline faz questão de estudar mais e mais tudo relativo a culinaria. O curso de culinária comporia uma série de oficinas que se desenvolveriam na comunidade da Graça (oficinas de hortas, oficina de criação de pequenos animais, oficina de plano de negócios e etc). A oficina de Culinária se moveria em torno de materiais e elementos que poderiam ser encontrados em qualquer lugar da comunidade da Graça (arroz, carne de porco, galinha caipira, farinha, verduras, frutas e etc). Dar uma outra perspectiva ao cozinhar que não é só preparar os alimentos para a família comer. Para apreenderem melhor a aula de Caroline, as mulheres a rodeavam. Como cortar a carne de porco, como temperar a galinha caipira, como usar a água e etc. Tudo era um arrodeio para chegar ao ponto dos pratos serem servidos. O arrodeio da conversa das mulheres quilombolas a respeito das suas vendas na Feira da agricultura familiar em matinha nos dias de sábado. O arrodeio da conversa em que Caroline contatou que suas raízes familiares provinham dos municipios de São Bento e São Vicente de Ferrer, também municípios da Baixada, e que, portanto, ela poderia ser vista como mulher quilombola tanto quanto aquelas mulheres que a rodearam naquela manhã de sexta feira.
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Sermão aos Peixes
As caravelas ancoravam vários quilômetros de onde o mar se encontrava com o rio Anil, principal rio da ilha de São Luis, por seus capitães temerem que elas encalhassem em algum banco de areia. Barcos menores, manejados por marinheiros experientes, transportavam os passageiros para seus destinos e desembarcava-os em portos pequenos ao longo da costa. O encontro do rio Anil com o mar era digno de nota pois rio e mar se misturavam numa coisa só formando um braço de mar. Por esse braço de mar, padre Antonio Vieira chegou vindo de Lisboa no começo do século XVII para morar uma temporada na capela Bom Jesus dos Navegantes que ficava ao pé do morro bem próximo de onde batia o mar. A capela Bom Jesus dos Navegantes foi construída em 1624 e era administrada por uma irmandade de mesmo nome. As irmandades se constituíam dentro dos pressupostos de auxiliar as pessoas negras e pessoas pobres que avultavam pelas ruas da cidade. Ao lado da capela do Vinhais Velho e da igreja do Desterro, a Capela do Bom Jesus dos Navegantes é a mais antiga construção religiosa de São Luis e a mais antiga construção em pedra do norte brasileiro. Pressupõe-se que o nome Bom Jesus dos Navegantes seja uma forma de pedir benção de Jesus Cristo aos navegantes visto que a travessia de Portugal ao Maranhão custava meses. Os sermões de Padre Antonio Vieira refletem sobre a condição humana num espaço territorial e espaço ambiental que o império colonial português pouco fazia questão de manter. A capela Bom Jesus dos Navegantes foi o espaço onde padre Antonio Vieira proferiu o seu famoso Sermão aos Peixes. Ele escreveu e proferiu um sermão cuja base metafórica é o peixe. A figura do peixe acompanha boa parte da narrativa do novo testamento e é associada a figura de Jesus Cristo. Era a base da alimentação dos pobres e dos excluídos, em que preponderavam os indígenas e os negros escravizados. Padre Antonio Vieira escreveu seu sermão pensando em peixe ou em peixes porque a realidade que o circundava era uma realidade de água (água de mar, água de rio e água de chuva).
terça-feira, 1 de setembro de 2020
Pelos Velhos tempos de meses atrás
A fonte do Ribeirão reapareceu em sua vida social assim que reencontrou seus amigos no Chico Discos à rua São João com a rua dos Afogados (amigos que não se viam há meses). Qualquer cidade histórica que se preze, e São luis é uma cidade tombada pela UNESCO, deveria ter um canal que informe as origens históricas dos nomes de suas ruas. A rua São João se explica pela igreja São João, mas e o porquê de rua dos Afogados? Por que a prefeitura de São Luis não disponibilizava um serviço de consulta para essas horas de curiosidade? Deve ter havido muitos estudantes secundaristas de escolas publicas e privadas que andaram pela rua dos Afogados e pegaram-se olhando para as casas fechadas e ruas transversais e perguntando o porquê do nome Afogados. A padaria de esquina, a qual frequentara nos anos escolares, conservava as portas e a mesma frente de décadas. O ludovicense, em si, não dá muita bola para renovação nem do ponto de vista estético e nem do ponto de vista politico. Não que a renovação signifique objetivamente uma melhoria, mas o ludovicense leva consigo os germes do conformismo social e do medo da mudança. A rua dos Afogados em seu trajeto toca uma das muretas que cercam a fonte do Ribeirão, a mais famosa das três fontes históricas de São Luis (as outras duas, Fonte do Bispo e a Fonte das Pedras). Natural, então, beber um café no Chico Discos e descer a rua dos Afogados com direção a Fonte do Ribeirão que nos últimos anos viu abrir e fechar vários bares, lanchonetes e outros negócios. Em uma tarde de pouca gente à Fonte do Ribeirão, eles se sentaram a mesa para beber uma cerveja e comer um churrasquinho pelos velhos tempos de meses atrás. Amanda, historiadora e mestre em Cultura e Sociedade, cultivava uma lembrança de outrora: “O Chico Discos era bem aqui antes de se mudar para o local atual”. Esse pedaço da vida de São Luis, ele não experimentara.
O Raimundo e a avenida São João
O senhor Raimundo Guimaraes tem duas casas. Uma em Itapecuru e outra no povoado São Manoel, município de Santa Rita. Ele participou do encontro de Lavradores de Santa Rita e Itapecuru entre os dias 26 e 28 de agosto de 2016. Ele cuida da casa de São Manoel enquanto a esposa cuida do pai adoentado na casa de Itapecuru. No final do encontro, o carro da Associação Agrecologica Tijupa carregou ele e algumas outras pessoas e um dos locais pelos quais passaram foi o povoado São Manoel onde ele encheria sua bolsa com algumas roupas que o vestiriam durante o festejo de São Raimundo dos Mulundus, município de Vargem Grande. O pessoal da Tijupa o conhecia de outras paradas. As feiras de agroecologia que a Tijupa incentivou em diversos municípios do Baixo Munim e do Baixo Itapecuru. Ele também ficou muito conhecido por sua casa em São Manoel. No carro, ele fazia marketing dela. Dava um endereço que não condizia com a realidade local. “Casa das latas”?!!! “Avenida São João”?!!! Quando desceram do carro, ele mostrou a razão da “Casa das Latas”. No portão da entrada, pedaços de lata enfiados no portão de madeira. O que mais impressionou todos foi a “Avenida São João”. Ela ficava dentro do terreno do Raimundo Guimaraes. O terreno em volta da avenida parecia um jardim. Bacurizeiros por todo lado. Cultivo de abacaxi e de mandioca. O Raimundo possui dois filhos que ao verem o seu trabalho comentaram que eles estudaram mas foi ele que botou em prática o que eles aprenderam.
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