terça-feira, 28 de outubro de 2014

A COMUNIDADE DO CAJUEIRO ESTÁ AMEAÇADA


 

Comunidade ameaçada por empreendimento ligado à Suzano Papel e Celulose convida a Cidade de São Luís a somar forças na luta em sua defesa, “que representa, também, a defesa do equilíbrio ambiental na Ilha de São Luís”, atestam os moradores da região
A empresa WPR, que já tentou intimidar a comunidade da Zona Rural de São Luís do Maranhão cerceando seu direito de ir e vir com guardas particulares armados e cancelas, tenta agora realizar uma audiência pública irregular, longe da comunidade afetada, na sede do Comando Geral da Polícia Militar do Maranhão. A intenção é, novamente, intimidar a comunidade para finalmente retirá-la da área, e ali construir um porto para escoar a produção da Suzano Papel e Celulose.
Para fazer frente a mais essa intimidação e discutir o que está em jogo nessa nova tentativa de realizar uma audiência pública longe do público e a “toque de caixa”, a comunidade convida os bairros vizinhos, a imprensa, os movimentos sociais e toda a cidade de São Luís a participar de uma Audiência Popular.
A Audiência Popular acontece nesta quarta-feira, dia 29 de outubro, a partir das 14 horas, na Associação de Moradores do Cajueiro.
A Associação de Moradores fica localizada na Avenida Principal do Cajueiro, com entrada próxima à Vila Maranhão, na Zona Rural de São Luís.
“O futuro, o meio ambiente e a sobrevivência na Ilha de São Luís estão em jogo! Participe desse debate sobre como querem destruir nossas áreas em nome de um desenvolvimento que atende aos interesses de poucos e ao qual, mais uma vez, resistiremos!”, conclamam os moradores do Cajueiro. Estes, na última tentativa da empresa em realizar audiência sem a participação da comunidade diretamente afetada, fizeram grande mobilização e bloquearam o acesso ao Porto do Itaqui, obrigando a Secretaria Estadual de Meio Ambiente a reconhecer falta de condições em realizar o evento. Com aquela suspensão da Audiência, agora a empresa tenta, junto com o apoio da Secretaria Estadual, realizá-la num local que, no mínimo, inibe a participação e impede que esse evento tenha um caráter realmente público.
Cajueiro na História – A comunidade do Cajueiro existe há mais de cinquenta anos. Na verdade, sua origem tem muito mais tempo, a julgar pelo fato de, na área, ter existido o secular Terreiro do Egito, um dos primeiros locais de culto afro do Maranhão, cuja herdeira é a atual Casa Fanti Ashanti. Apagar a existência do Cajueiro significa apagar, também, um capítulo importante da História do Maranhão e da religiosidade do povo maranhense.
Além da religiosidade, a preservação do Cajueiro ajuda a contar um pouco da história das comunidades de agricultores e pescadores do Maranhão. A comunidade fica, ainda, na área em que se pleiteia a criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim, para a qual há decisão judicial determinando que, enquanto a Resex não for criada, fica proibida a instalação de qualquer empreendimento que cause impactos na área. Em razão de todos esses fatores, a comunidade do Cajueiro considera que o projeto de construção do porto pretendido pela WPR afeta e compromete sua existência, ainda mais da forma violentamente intimidatória e com a rapidez injustificada com que vem sento tocado, na tentativa de se impedir qualquer processo de discussão mais aprofundado sobre o assunto. É nesse sentido que os moradores realizam a audiência popular desta quarta-feira, como forma de se contrapor ao que não vem sendo dito sobre esse projeto, nem pela empresa, nem pelo Estado

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Criação de capote no Baixo Parnaiba maranhense



“O Capote, de Gogol, é um pesadelo grotesco e sinistro que cria buracos negros no desenho sinistro da vida.” Vladimir Nabokov escreve empolado, contudo a sua definição sobre o conto “O Capote”, de Nicolai Gogol, escritor russo do século XIX, atinge o alvo de forma certeira. A sua definição não se limita a Gogol: ela se expande para outras tantos outros autores que vieram depois (Dostoievski e Kafka). “Todos nós saímos de “O Capote” de Gogol.” A digressão de Dostoievski esvazia qualquer distancia que exista entre a leitura de “O Capote” e o fazer do escritor ou os fazeres dos escritores. Ler e escrever se distinguem e complementam-se. Um remonta a algo e outro monta algo. O passado e o futuro se estilhaçam no presente imperfeito. A Chapada se derrama sobre o povoado de Carrancas em Buriti. Ela circunda o povoado por todos os lados com seus enormes bacurizeiros e pequizeiros e por ela circulam vários animais.  Os agricultores soltaram os seus gados pela Chapada. Um era da Fazenda. O outro da Cacimba. A cerca que protege a roça do Vicente de Paula não brecou os animais em seus movimentos. Eles passaram por cima e comeram algumas folhas do mandiocal. Vicente de Paula ficou na dele. Quando os vizinhos se comprometeram a reconstruir a sua cerca, Vicente riu consigo mesmo.  O que for possível fazer, ele faz pelos vizinhos. Com a aprovação de mais um projeto pelo Centro de Apoio Socio Ambiental (CASA) para o município de Buriti, Vicente de Paula percorreu os rumos que perfazem as Chapadas até o povoado da Cacimba a fim de perguntar a uma senhora se gostaria de receber em seu terreno um projeto de criação de capote. A criação de capote pode ser um novo item na busca da sustentabilidade social econômica ambiental e alimentar por parte das comunidades do Baixo parnaiba. O capote é uma ave pequena proveniente da África. O seu comportamento arredio faz com que deixe seus ovos longe das casas e mais perto da mata. Tal característica pode ser vista como uma estratégia de preservação da ninhada e também como uma ocupação do territorio.
Mayron Régis

A complexa teia hídrica que brota do Cerrado está ameaçada. Entrevista especial com Altair Sales Barbosa

“A questão atual do desaparecimento dos pequenos cursos d’água, alimentadores dos maiores, é apenas a ponta de um ‘iceberg’ que tende a se tornar cada vez mais evidente”, adverte o antropólogo.
 Foto: tvbrasilcentral
O problema que gera as crises de abastecimento de água que afetam o estado de São Paulo “jamais será solucionado em sua totalidade”, alerta Altair Sales Barbosa, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
Segundo ele, a dificuldade de solucionar tais crises está relacionada a outros dois fenômenos: “o primeiro é a estiagem prolongada provocada por fatores que independem da ação humana, como el Niño, por exemplo. O segundo é a vazão dos rios alimentadores das represas, que não ostentam mais a quantidade de água de tempos atrás. A consequência: com a normalização da precipitação pluviométrica depois de certo tempo (uns quatro anos), os níveis das represas podem atingir a plenitude. Entretanto, com o advento de outra estiagem cíclica, a situação voltará a se repetir”.
Na entrevista a seguir, o pesquisador explica que o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de São Paulo, “é abastecido principalmente pelo rio Piracicaba, afluente do rio Doce, que aparentemente nada tem a ver com a bacia do Paraná”, que é formada e alimentada pelas águas do Cerrado. Entretanto, esclarece, “se penetrarmos além das aparências, iremos constatar que além das águas que fluem da Serra do Mar, as águas do aquífero Guarani são as responsáveis pela alimentação das nascentes da represa, basta ver a geotecnia das nascentes do rio Piracicaba, bacia do rio Doce, e suas relações com as nascentes do ribeirão Baguaçu, proveniente do aquífero Guarani e pertencente a Bacia do Paraná”. Isso significa, pontua, que o “Sistema Biogeográfico do Cerrado, que ocupa desde a aurora do Cenozoico até a parte central da América do Sul, também é conhecido como o ‘berço das águas’ ou a ‘cumeeira’ do continente, porque é distribuidor das águas que alimentam as grandes bacias hidrográficas da América do Sul”.
Somente na abrangência do Cerrado, destaca, “encontram-se três grandes aquíferos responsáveis pela formação e alimentação dos grandes rios continentais. Um deles e o mais conhecido é o aquífero Guarani, associado ao arenito Botucatu e a outras formações areníticas mais antigas. Esse aquífero é responsável pelas águas que alimentam a bacia hidrográfica do Paraná, além de alguns formadores que vertem para a bacia Amazônica. Os outros dois são os aquíferos Bambuí e Urucuia (...) Os aquíferos Bambuí e Urucuia são responsáveis pela formação e alimentação dos rios que integram a bacia do São Francisco e as sub-bacias hidrográficas do Tocantins, Araguaia, além de outras situadas na abrangência do Cerrado”. Isso significa que, “representada por uma complexa teia, as águas que brotam do Cerrado são as responsáveis pela alimentação e configuração das grandes bacias hidrográficas da América do Sul”.
Fundador do Memorial do Cerrado, Goiânia-GO, o antropólogo adverte que o Cerrado é uma das matrizes ambientais mais antigas, e “já chegou ao seu clímax evolutivo, ou seja, uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade”. A vegetação nativa do bioma é responsável pela alimentação dos lençóis profundos, contudo, com a introdução da agricultura no Cerrado, parte da vegetação já foi extinta e impacta diretamente no funcionamento dos corpos hídricos. “No caso específico das plantas do cerrado, estas possuem um sistema radicular extremamente profundo e complexo. Estas plantas existiam até bem pouco tempo, nas áreas de recargas do aquífero Guarani, responsáveis pelas águas da bacia do Paraná. Com a introdução da monocultura, essas plantas foram substituídas por vegetais com raízes subsuperficiais que não sugam as águas como as plantas nativas. A consequência é que com o passar dos tempos as águas dos aquíferos vão diminuindo. Num primeiro momento ocorre o fenômeno denominado migração de nascentes das partes mais elevadas para as partes mais baixas. Num segundo momento os cursos d’águas menores iniciam um processo de desaparecimento e assim por diante, são veias menores que deixam de irrigar as maiores”, informa.
Se a atual situação do Cerrado não for alterada, o futuro será ainda mais catastrófico. De acordo com o diagnóstico de Barbosa, “o primeiro aquífero a ter suas reservas diminuídas será o Urucuia, até o quase total desaparecimento, seguido do aquífero Bambuí e do aquífero Guarani”. Posteriormente, frisa, “os fenômenos ocorridos nos chapadões centrais do Brasil, em função do desaparecimento do cerrado, afetarão, de forma direta, várias partes do continente” e a “floresta equatorial deixará de existir na sua configuração original, sendo paulatinamente substituída por uma vegetação rala do tipo caatinga, salpicada em alguns locais por espécies de plantas adaptadas a um ambiente mais seco”.
 Foto: tvbrasilcentral
Altair Sales Barbosa é graduado em Antropologia pela Universidade Católica de Chile e doutor em Arqueologia Pré-Histórica - Smithsonian Institution National Museum Of Natural History (1991). É professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O senhor está entre os pesquisadores que já afirmam a extinção do Cerrado. Quais fatores levaram a esse quadro? É possível revertê-lo?
Altair Sales Barbosa - Em primeiro lugar, o Cerrado dos Chapadões Centrais do Brasil se nos apresenta como um Sistema Biogeográfico, que envolve vários subsistemas. Esses subsistemas se diferenciam por solos, fisionomia vegetal, quantidade de água nos lençóis, comunidades animais, etc., e qualquer modificação nos elementos dos subsistemas provoca modificações nos Sistema como um todo.
Em segundo lugar, convém destacar que o Cerrado é uma das matrizes ambientais mais antigas da história recente do Planeta Terra, que tem seu início no Cenozoico. Isto significa que este ambiente já chegou ao seu clímax evolutivo, ou seja, uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade.
Em terceiro lugar, a maior parte das plantas do cerrado tem um desenvolvimento lento, algumas levam séculos para atingir a maior idade, fato que torna quase impossível um trabalho de recomposição vegetal. Sem mencionar que estas plantas estão condicionadas a um tipo de solo oligotrópico com balanço hídrico específico, fato hoje difícil de ser encontrado em equilíbrio no Cerrado.
Não se mede a degradação ambiental apenas pela ocorrência de uma ou outra planta. Há de se considerar comunidades, tanto vegetais como animais, incluindo insetos polinizadores, água, etc., tudo isto já não existe no cerrado de forma contínua. O que há são fragmentos que não representam 10% da área total.
IHU On-Line - Qual a função do Cerrado brasileiro enquanto elo para garantir o abastecimento da água tanto no Norte quanto no Sul do país? Ainda nesse sentido, qual é a conexão existente entre o Cerrado e os demais biomas brasileiros?
Altair Sales Barbosa - O Sistema Biogeográfico do Cerrado, que ocupa desde a aurora do Cenozoico até a parte central da América do Sul, também é conhecido como o “berço das águas” ou a “cumeeira” do continente, porque é distribuidor das águas que alimentam as grandes bacias hidrográficas da América do Sul.
Isso ocorre porque, na área de abrangência do Cerrado, encontram-se três grandes aquíferos responsáveis pela formação e alimentação dos grandes rios continentais. Um deles e o mais conhecido é o aquífero Guarani, associado ao arenito Botucatu e a outras formações areníticas mais antigas. Esse aquífero é responsável pelas águas que alimentam a bacia hidrográfica do Paraná, além de alguns formadores que vertem para a bacia Amazônica. Os outros dois são os aquíferos Bambuí e Urucuia. O primeiro está associado às Formações geológicas do Grupo Bambuí, e o segundo está associado à Formação arenítica Urucuia, que em muitos locais está sobreposta à Formação Bambuí. Em certos pontos, há até um contato entre os dois aquíferos, apesar de existir entre ambos uma imensa diferença cronológica. Os aquíferos Bambuí e Urucuia são responsáveis pela formação e alimentação dos rios que integram a bacia do São Francisco e as sub-bacias hidrográficas do Tocantins, Araguaia, além de outras situadas na abrangência do Cerrado.
Esses três grandes aquíferos, armazenados nos lençóis artesianos, intercalam-se na parte central dos chapadões do continente sul-americano, formando lagoas conhecidas como águas emendadas, que tomam a direção norte, sul, leste e oeste do continente. Essa direção está condicionada à estrutura geomorfológica que caracteriza cada área, definindo e delimitando, dessa forma, as bacias e sub-bacias hidrográficas.
Dos planaltos do centro da América do Sul brotam águas responsáveis pela grande alimentação do rio Amazonas, pela sua margem direita. Das entranhas dos arenitos de idades Mesozoicas brota a grande maioria das águas da imponente bacia do Paraná, que verte para o sul do continente. Do alto da Serra da Canastra, juntando águas oriundas do arenito da Formação Urucuia e águas retidas nas galerias do calcáreo Bambuí de idade Proterozoica, correm em direção ao nordeste do Brasil as águas do São Francisco.

“No início do século XXI, encontra-se em suspenso o destino do Cerrado”

Bacias hidrográficas independentes
Além dessas imponentes bacias hidrográficas de dimensões continentais, no cerrado, ainda brotam águas que dão origem a bacias hidrográficas independentes de grande importância regional. Algumas são tão fenomenais que formam acidentes únicos. É o caso da bacia do Parnaíba, que nasce na Chapada das Mangabeiras, alimentada com águas oriundas do arenito Urucuia, situado no cerrado do Jalapão, estado do Tocantins. A bacia do rio Parnaíba, apesar de as dimensões serem bem menores que as anteriores, está associada a um grande transporte de sedimentos, que são distribuídos por vasta área do litoral norte do Brasil, formando dunas, lagoas, os lençóis maranhenses, os lençóis piauienses, estendendo até as dunas de Jericoacoara, no Ceará. No seu encontro com o oceano Atlântico, forma o Delta do Parnaíba, tão complexo e ao mesmo tempo impressionante que está entre os maiores do Planeta.
Outro exemplo importante refere-se à sub-bacia do rio Gurgeia, oriunda do cerrado piauiense, responsável pela irrigação de uma vasta área e pela formação dos poços jorrantes com águas que brotam com tanta pressão que, ao surgirem até a superfície, atingem vários metros de altura.
O Cerrado e os rios do Amazonas
A Bacia Amazônica é considerada a maior rede hidrográfica do Planeta. Para descrevê-la, um observador, mesmo do espaço, é incapaz de avaliar sua complexidade em meio a ilhas, furos, paranás e igarapés.
A bacia hidrográfica do Amazonas tem sua gênese a partir de três importantes regimes: águas de origem glacial, provenientes dos Andes; águas de origem pluvial, que alimentam a bacia pela margem esquerda; e águas tanto de origem pluvial como de lençóis profundos, que a alimentam pela margem direita. Na realidade, são esses rios da margem direita que contribuem para os maiores volumes de água na alimentação do Amazonas e também são responsáveis pela sua regularidade e sua perenização, já que as águas pluviais e glaciares da sua margem esquerda e nascentes, apesar de volumosas, possuem regimes irregulares.
Tomando a orientação de leste para oeste, pode-se constatar quão extensos e volumosos são os afluentes da margem direita do rio Amazonas, que brotam no coração do cerrado e cujas vertentes, qual artérias interligadas, são bombeadas para irrigar e oxigenar o pai dos rios.
Tocantins ou Araguaia
As sub-bacias do Tocantins e Araguaia são tão complexas e extensas que não se tem certeza de qual dos dois chega primeiro ao Amazonas, ao sul de Marajó. Oficialmente é o Tocantins, mas é ele que deságua no Araguaia, e não o inverso. Porém a nomenclatura não é um fator relevante. O mais importante é a quantidade de água e sedimentos que esses rios levam até a foz do Amazonas, transformando-a num ecossistema extremamente complexo.
Tocantins, um rio de vários nomes
O rio Tocantins bem poderia ser chamado de rio Uru, que nasce nos contrafortes da Serra Dourada e segue ao norte, ao passo que seus irmãos de nascentes tomam rumo oeste em direção ao Araguaia ou rumo sul em direção ao Paranaíba.
Entre as pedras, o Uru é Uruíta, mais abaixo dialoga com dona Ana e se formou Uruana. Depois de tanto se encorpar, tornou-se Uruaçú ou Uru-grande, nos vocábulos do Tupi. Ou o Tocantins seria o Rio das Almas, proveniente dos Pirineus, ou Maranhão ou ainda o Paranã, que vem do longínquo lugar onde as águas se emendam? O fato é que o rio Tocantins é todos eles e muito mais. Inúmeros afluentes caudalosos o alimentam pela margem direita e pela margem esquerda. Alguns da margem direita têm suas nascentes emendadas com águas que correm para a bacia do São Francisco, como é o caso das águas provenientes do Jalapão e as águas do Paranã, oriundas do atual município de Formosa, em Goiás.
O mesmo fenômeno acontece em relação aos afluentes da margem esquerda, com aqueles da margem direita do Araguaia. São as reentrâncias do interflúvio formado pela Serra do Estrondo que os separam.
Rio Araguaia
O rio Araguaia nasce em formações pertencentes à bacia geológica do Paraná, mas integra a bacia hidrográfica do Amazonas. Seu berço e seu curso superior são compostos por águas do Aquífero Guarani. No seu nascedouro, esse aquífero se encontra nas formações Baurú e Botucatu. No mesmo local nascem os rios Taquari, que corre no sentido oeste integrando a sub-bacia do rio Paraguai no Pantanal Mato-grossense, e o Aporé, que corre para sudeste, desaguando no Paranaíba, formador do Paraná.
Entretanto o Araguaia segue sereno para o norte, recebendo a todo instante portentosos afluentes tanto pela margem direita quanto pela esquerda. Alguns desses afluentes são tão extensos e complexos que delimitam, no tempo e no espaço, histórias próprias. Esse é o caso do rio das Mortes, cuja nascente brota das reentrâncias da Serra do Roncador, a pouca distância, onde ao sul nascem os rios do Pantanal Norte, sub-bacia do Paraguai. No seu curso intermediário, o Araguaia abraça a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Na realidade, trata-se de um grande território com rios próprios, lagos e uma diversidade biótica impressionante. Em meio a essa complexidade, segue o Araguaia, até encontrar-se com o Tocantins ou vice-versa, como já foi dito.
Bem próximo à nascente do Rio das Mortes, emergem também das reentrâncias da Serra do Roncador os grandes afluentes do Xingu. Aí também se situam as nascentes do caudaloso Teles Pires. Na borda oeste dessa Serra, surgem as águas do rio Arinos, que mais abaixo se une com as águas do Juruena, formado por uma complexa rede de nascentes oriundas da borda norte da chapada dos Parecis, toda coberta por cerrado. Teles Pires, Arinos e Juruena se juntam para formar o Tapajós, que deságua no Amazonas na cidade de Santarém.
Guaporé, Mamoré e Madeira têm suas nascentes situadas nos limites oeste do Cerrado, desde a depressão relativa do Pantanal Mato-Grossense até as águas provenientes das ilhas de cerrado situadas nos longínquos planaltos de Alta Lídia, Serra dos Pakaás-Novos. Daí, então, descambam águas do Jamarí que vão engrossar o já grandioso Ji-Paraná, que deságua no Madeira.

“O que se pode afirmar é que enquanto o desejo de explorar o Cerrado tiver raízes estrangeiras, a possibilidade de um programa racional de desenvolvimento será nula”

O Cerrado e a Bacia hidrográfica do São Francisco
O rio São Francisco e toda sua bacia hidrográfica correm por inúmeras terras do território brasileiro. O São Francisco tem sua nascente situada em áreas de cerrado, na Serra da Canastra, estado de Minas Gerais. É alimentado especialmente pelas águas acumuladas no aquífero Urucuia e no aquífero Bambuí. Seu regime é marcado por diferenciações básicas. A grande totalidade dos afluentes da margem direita que recebe suas águas principalmente das chuvas sofre influência direta de climas semiáridos, conduzidos até o curso médio superior do grande vale, pelos eixos de expansão de semiaridez. Esses rios são classificados como rios temporários, que desaparecem na estação seca. Portanto, a perenização do São Francisco está na dependência direta dos seus afluentes que o alimentam pela margem esquerda.
Esses rios caudalosos e outrora cristalinos correm encaixados e paralelos na formação geológica Urucuia. A grande maioria provém dos contrafortes leste da Serra Geral ou Espigão Mestre, como é o caso dos rios Carinhanha, Pratudinho, Pratudão, Formoso, Arrojado, Correntina, do Meio, Guará, Santo Antonio, Corrente e Grande.
Outros que o alimentam na porção superior têm suas nascentes nas águas emendadas próximas ao Distrito Federal, como é o caso dos rios Preto e Urucuia. Este dá nome à formação geológica que abriga o aquífero Urucuia, responsável por quase 80% das águas que alimentam o São Francisco.
O rio Paracatu é o responsável pela junção das águas dos aquíferos Bambuí e Urucuia. E tem suas nascentes situadas numa mancha isolada da formação Urucuia. Ainda pela margem direita, o rio das Velhas contribui com o São Francisco, no seu curso superior, com águas oriundas, quase em sua totalidade, do aquífero Bambuí.
A última grande nascente ao norte se constitui no nascedouro do rio Preto, afluente do rio Grande. As nascentes do rio Preto estão em áreas aflorantes do arenito Urucuia, na região do Jalapão, um pouco ao sul da nascente do Parnaíba, com água quase emendada com o rio do Sono, afluente do Tocantins.
O Cerrado e as Águas do Paraná
A Bacia hidrográfica do Paraná é outra formada e alimentada pelas águas do Cerrado. Apenas em sua porção inferior, após receber o rio Uruguai, esse fenômeno não é tão evidente.
As águas nascentes da bacia do Paraná se espalham como um leque a partir do coração do Cerrado, correndo em direção ao sul do continente. Das escarpas sul da Chapada dos Parecis e das escarpas oeste da Serra do Roncador fluem as águas formadoras da sub-bacia do Paraguai. O rio Paraná é formado pela junção dos rios Paranaíba e Grande. As águas iniciais do Paranaíba são originárias das águas emendadas que viajam desde o norte do Distrito Federal, e se juntam às que vertem da Serra das Divisões do Centro-Sul de Goiás, até as que vêm das bordas leste e sul da Serra do Caiapó. As águas do rio Grande se precipitam da borda oeste da Serra da Mantiqueira, numa área de Mata Atlântica, mas seu curso maior percorre de leste a oeste o estado de Minas Gerais, e são as águas do Cerrado mineiro que lhes dão corpo.
Assim, representada por uma complexa teia, as águas que brotam do Cerrado são as responsáveis pela alimentação e configuração das grandes bacias hidrográficas da América do Sul.
 Foto: gpsdoagronegocio.blogspot.com.br
IHU On-Line - O senhor associa a recente crise de abastecimento de água em São Paulo à condição ambiental do Cerrado?
Altair Sales Barbosa - Para entender este assunto, é necessário compreender que um aquífero possui sua área de descarga e de recarga. A área de recarga de um aquífero se situa nos chapadões ou em suas áreas mais planas. Quem exerce a função de alimentar os lençóis profundos é a vegetação, especialmente a vegetação nativa.
No caso específico das plantas do cerrado, estas possuem um sistema radicular extremamente profundo e complexo. Estas plantas existiam até bem pouco tempo, nas áreas de recargas do aquífero Guarani, responsáveis pelas águas da bacia do Paraná.
Com a introdução da monocultura, essas plantas foram substituídas por vegetais com raízes subsuperficiais que não sugam as águas como as plantas nativas. A consequência é que com o passar dos tempos as águas dos aquíferos vão diminuindo. Num primeiro momento ocorre o fenômeno denominado migração de nascentes das partes mais elevadas para as partes mais baixas. Num segundo momento os cursos d’águas menores iniciam um processo de desaparecimento e assim por diante, são veias menores que deixam de irrigar as maiores.
No caso específico das crises de abastecimento de água que afetam o Estado de São Paulo, por exemplo, o problema jamais será solucionado em sua totalidade. Isto porque a situação está intimamente ligada a dois problemas: o primeiro é a estiagem prolongada provocada por fatores que independem da ação humana, como el Niño, por exemplo. O segundo é a vazão dos rios alimentadores das represas, que não ostentam mais a quantidade de água de tempos atrás. Consequência: com a normalização da precipitação pluviométrica depois de certo tempo (uns quatro anos), os níveis das represas podem atingir a plenitude. Entretanto, com o advento de outra estiagem cíclica, a situação voltará a se repetir. O Sistema Cantareira é abastecido principalmente pelo rio Piracicaba, afluente do rio Doce, que aparentemente nada tem a ver com a bacia do Paraná. Entretanto, se penetrarmos além das aparências, iremos constatar que além das águas que fluem da Serra do Mar, as águas do aquífero Guarani são as responsáveis pela alimentação das nascentes da represa, basta ver a geotecnia das nascentes do rio Piracicaba, bacia do rio Doce, e suas relações com as nascentes do ribeirão Baguaçu, proveniente do aquífero Guarani e pertencente à Bacia do Paraná.
IHU On-Line - Qual é a atual situação dos rios que nascem no Cerrado? É possível constatar alguma mudança no fluxo da água deles ao longo dos últimos anos? O senhor mencionou recentemente que dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. É possível estimar quantos pequenos rios já desapareceram e o que isso significa num quadro geral acerca dos recursos hídricos do cerrado?
Altair Sales Barbosa - A partir de 1970, uma nova matriz territorial foi implantada na área do Cerrado. Essa matriz tem raízes e consequências predatórias. A partir desse momento foi só uma questão de tempo para que os problemas ambientais viessem a aparecer e se agravarem com o tempo.
A questão atual do desaparecimento dos pequenos cursos d’água, alimentadores dos maiores, é apenas a ponta de um “iceberg” que tende a se tornar cada vez mais evidente.
IHU On-Line - É possível avaliar qual a situação ambiental do Aquífero Guarani?
Altair Sales Barbosa - É muito difícil precisar esta situação em função da ausência de pesquisas. Entretanto, se projetarmos as consequências advindas da degradação, podemos afirmar que se não houver uma solução científica e tecnológica capaz de aumentar a recarga deste aquífero, num tempo muito mais curto que possamos imaginar, suas reservas desaparecerão quase que por completo. Veja o que já está acontecendo com o rio São Francisco, alimentado pelos aquíferos Urucuia e Bambuí, que estão passando pelo mesmo processo de degradação.
IHU On-Line - Com a crise de abastecimento em São Paulo, fala-se em possíveis riscos de desertificação, como de extermínio das reservas hídricas existentes no subsolo. Esse risco existe de fato? Em que proporção no atual momento? Se o Cerrado já está extinto, como reverter a crise hídrica? Por quais razões não se trata e não se menciona a importância do Cerrado nas discussões acerca da crise de abastecimento da água?
Altair Sales Barbosa - O potencial agrícola que o cerrado tem demonstrado o transformou em uma das últimas reservas da terra capazes de suportar, de modo imediato, a produção de cereais e a formação de pastagens. E o desenvolvimento das técnicas modernas de cultivo tem atraído, recentemente, grandes investimentos e criado modificações significativas do ponto de vista da infraestrutura de suporte. O fato da não existência de uma política global para agricultura tem provocado o êxodo rural e o crescimento desordenado dos núcleos urbanos. Todos esses fatores, no seu conjunto, têm provocado situações nocivas ao meio ambiente, com perspectivas preocupantes.
De todos os grandes Domínios Morfoclimáticos e Fitogeográficos Brasileiros, para usar a linguagem do Prof. Ab’Saber, ou Sistemas Biogeográficos, o Cerrado tem sido o que mais transformações vem sofrendo nos últimos anos. Porém, não só transformações das técnicas de produção, mas outras muito mais profundas, isto é, transformações culturais, que têm afetado o próprio modo de vida das populações, desestruturando os valores e, muitas vezes, provocando um vazio, não repondo algo que venha a preencher o espaço deixado pelos elementos que foram ou estão sendo subtraídos.
Os antigos núcleos urbanos, quase todos originados em torno de atividades mineradoras, principalmente os do início do século XVIII, veem-se de repente transformados em polos regionais de inovações e agenciadores de “mudanças radicais” nos sistemas de relações, com seus inúmeros serviços, quase todos voltados para atividades agroindustriais e com preocupações imediatistas.
A criação de Goiânia, posteriormente Brasília, juntamente com o desenvolvimento do sistema viário e o processo de modernização da agricultura, veio contribuir com certa radicalização nas modificações dos fatores até então estruturados, rompendo em estilhaços seus traços mais tradicionais.
Até bem pouco tempo, as áreas do Sistema Biogeográfico do Cerrado não eram muito valorizadas, nem procuradas para implantação de grandes atividades agropastoris. As suas partes mais intensamente ocupadas eram restritas ao Subsistema de Matas, ou seja, áreas florestadas que existem dentro do Sistema e que estão sempre associadas a solos de boa fertilidade natural. Por isso essas áreas, também denominadas de “terras de cultura”, foram as primeiras a receber o impacto de uma degradação maior. Ao seu lado, em escala menor, podem ser citadas as áreas que compõem o Subsistema Cerradão e as Matas-Galerias.

“Não se mede a degradação ambiental apenas pela ocorrência de uma ou outra planta. Há de se considerar comunidades, tanto vegetais como animais, incluindo insetos polinizadores, água, etc., tudo isto já não existe no cerrado de forma contínua. O que há são fragmentos que não representam 10% da área total”

As demais áreas, que constituem as maiores superfícies do Sistema, como os Subsistemas do Cerrado, do Campo, das Veredas e Ambientes Alagadiços, em virtude das características dos seus solos, não favorecem de imediato uma ocupação intensiva, não tiveram tanto impacto no início maciço da ocupação humana. Essas áreas, outrora ocupadas pelo criatório extensivo, tinham como suporte uma pastagem nativa, cujo teor alimentício estava condicionado à sazonalidade climática, fato que obrigava os rebanhos a migrações longas. E durante a estação seca eram conduzidos para as “veredas”, onde a umidade mantinha o capim verdejante, mesmo no auge da seca. Entretanto, essas áreas de veredas não ocupam grande extensão e, na época da estação chuvosa, em função de muitos fatores, não é propícia a sua ocupação por rebanhos. Nessa época chuvosa, o rebanho pode ser transportado para as áreas mais elevadas (campos e cerrado). Esse fator das migrações sazonárias é responsável por um sistema pastoril que exige grandes extensões de terras, que poderiam ser compradas, arrendadas ou simplesmente ocupadas na forma de posse ou “fechos”.
A utilização do calcário para a correção da acidez do solo e do adubo para aumento da sua fertilidade, a introdução do arado e de sistemas mecânicos de desmatamento e a facilidade de irrigação transformaram essas áreas, anteriormente impróprias para atividades agrícolas, em terras produtivas. Outrossim, a substituição das pastagens nativas por espécies estrangeiras modificou radicalmente o quadro pastoril.
Os impactos causados sobre o ambiente por esse novo modelo de ocupação são visíveis e podem ser caracterizados pelos itens seguintes:
  • empobrecimento genético;
  • empobrecimento dos ecossistemas;
  • destruição da vegetação nativa;
  • propagação de ervas exóticas;
  • extinção da fauna nativa;
  • diminuição e poluição dos mananciais hídricos;
  • compactação e erosão dos solos;
  • contaminação química das águas e da biota;
  • proliferação de doenças desconhecidas, etc.
Exploração do cerrado
Esses fatores em conjunto geram inúmeros outros que, por sua vez, funcionam como agentes de atração populacional e de modificações significativas do ambiente. Como exemplo, podemos citar a demanda de energia que exige a formação de grandes reservatórios e usinas geradoras que criam inúmeras frentes de trabalho, diretas e indiretas, acarretando entropias de grande alcance natural e social.
Assim é que, no início do século XXI, encontra-se em suspenso o destino do Cerrado. Se as próximas décadas trarão sua ruína ou salvação, ainda não se pode dizer. Embora sejam grandes as lacunas no nosso conhecimento, dispomos de informações suficientes para impedirmos que ocorra uma degradação irreversível.
O que se pode afirmar é que enquanto o desejo de explorar o Cerrado tiver raízes estrangeiras, a possibilidade de um programa racional de desenvolvimento será nula.
O cerrado está incluído no Planejamento Político Brasileiro como região de expansão da fronteira agrícola, orientada por práticas predatórias, causando um cenário estarrecedor.
A retirada total da cobertura vegetal afetará, de forma decisiva, a já reduzida recarga dos aquíferos, cujas reservas chegarão a um nível crítico, pois as águas pluviais que conseguirem penetrar através do solo serão de imediato absorvidas por estes, dado seus estados de aridez em função da insolação. A pouca umidade retida se evaporará de forma rápida pelas mesmas causas. No início, os problemas oriundos dessa situação tentarão ser contornados com a construção de barramentos, através de curvas de níveis e pequenos açudes, para reter as águas das chuvas. Entretanto, os ambientes que surgem desse processo têm caráter bêntico, fato que origina a argilicificação e a consequente impermeabilização do fundo dos poços, que, associada à forte insolação, resultará numa ação de nula eficácia.
 Foto: cmbbc.cpac.embrapa.br
Aquíferos
O primeiro aquífero a ter suas reservas diminuídas será o Urucuia, até o quase total desaparecimento, seguido do aquífero Bambuí e do aquífero Guarani.
Com o desaparecimento do lençol freático, seguido da diminuição drástica da reserva dos aquíferos, os rios iniciarão um processo de diminuição da perenidade, oscilando sempre para menos, entre uma estação chuvosa e outra, e desaparecendo quase por completo na estação seca. Esse fato afetará primeiro os pequenos cursos d’água, depois os de médio porte e, em seguida, os grandes rios.
Os fenômenos ocorridos nos chapadões centrais do Brasil, em função do desaparecimento do cerrado, afetarão, de forma direta, várias partes do continente.
A parte sul da calha do rio Amazonas, representada pelos baixos chapadões, terá uma rede de drenagem insignificante no que diz respeito ao volume d’água, uma vez que os grandes afluentes da margem direita, que têm suas nascentes e seus alimentadores situados no cerrado, deixarão de existir ou terão seus volumes diminuídos de forma significativa nos cursos superiores e médios. Os grandes afluentes do rio Amazonas, pela sua margem direita, serão alimentados apenas nos seus cursos inferiores, fato que reduzirá em mais de 80% suas vazões.
A floresta equatorial deixará de existir na sua configuração original, sendo paulatinamente substituída por uma vegetação rala do tipo caatinga, salpicada em alguns locais por espécies de plantas adaptadas a um ambiente mais seco.
O vale do Parnaíba, englobando a bacia geológica Parnaíba-Maranhão, será invadido na direção sul/norte por dunas arenosas secas provenientes da Formação Urucuia, existentes no Jalapão e na Chapada das Mangabeiras. E, na direção norte/sul, será invadido por sedimentos arenosos litorâneos que caracterizam os Lençóis Maranhenses e Piauienses, que, em virtude de condições favoráveis, terão facilidade de transporte eólico em direção ao interior. Os atuais poços jorrantes do vale do Gurgueia deixarão de ser fluentes.
Com o desaparecimento dos principais afluentes do rio São Francisco, pela sua margem esquerda, que cortam o arenito Urucuia, a ausência de alimentação constante e o assoreamento contribuirão para o desaparecimento do grande rio, nos seus aspectos originais. Permanecerão algumas lagoas e cacimbas, onde o terreno tiver característica argilosa, ou outra rocha impermeabilizante originária da metaformose do calcário Bambuí.
A Caatinga, que já caracteriza parte do curso inferior do rio São Francisco, avançará um pouco mais em direção ao norte, transicionando paulatinamente para a formação de uma grande área desértica que certamente abrangerá o centro, o oeste, o sul da Bahia e norte e centro de Minas Gerais.
A região da Serra da Canastra permanecerá com alguns elementos originais, como uma espécie de enclave geoecológico, com clima subúmido.
Nas áreas correspondentes aos formadores e às bordas da Bacia Hidrográfica do Paraná, as desintegrações intensas dos arenitos Botucatu e Bauru – que já formaram na região, durante os períodos Triássico e Cretáceo, grandes desertos, acordarão de um sono profundo, expandindo seus grãos de areia em várias direções, provocando erosões colossais, assoreamento e acúmulos de sedimentos na configuração de dunas. Do curso médio da Bacia do Paraná até a parte superior de seus afluentes, haverá muitas áreas desérticas separadas por formações rochosas ostentando vegetação de características áridas e semiáridas.
A sub-bacia do rio Paraguai, alimentada pelo aquífero Guarani, sofrerá as mesmas consequências das demais regiões hidrográficas do Cerrado, transformando o atual Pantanal Mato-Grossense numa área de desertos arenosos, tal como já ocorreu na região durante o Pleistoceno Superior, onde ali existia o deserto do Grande Pantanal.
Logo após o desaparecimento por completo das comunidades vegetais nativas, a agroindústria terá seus dias de grande apogeu em termos de produtividade.
Grave processo de modificação
Os núcleos urbanos criados ou dinamizados como suportes dessas atividades atingirão também seu apogeu em termos de aumento demográfico e em termos de ofertas e oportunidades de serviços de natureza diversa.
Passado certo tempo, contado em alguns poucos anos, essa realidade experimentará um grave processo de modificação. A produtividade agrícola começará a diminuir assustadoramente, causando ondas de demissões nas empresas estabelecidas. Isso acontecerá porque a água dos lençóis subterrâneos não será mais suficiente para sustentar a produção no sistema de rotatividade de antes. Não haverá água para fazer funcionarem os pivôs centrais. A atividade agrícola sobrevivente se restringirá à época da estação chuvosa, que já se manifestará com instabilidades sazonais.
Os solos, outrora preparados intensivamente para os cultivos, serão ocupados em pequenas parcelas, deixando exposta uma grande superfície desnudada. Da mesma forma as pastagens que sustentavam a pecuária serão afetadas, provocando a redução paulatina dos rebanhos.
Essa situação começará a refletir de forma visível nos polos urbanos. Haverá racionamento de água, em função da diminuição da vazão dos rios, que, por sua vez, provocará a redução do nível dos reservatórios. O racionamento de energia elétrica também será imposto pelas mesmas causas. O desemprego e os serviços, antes fartos e variados, afundarão numa crise sem precedentes.

“O cerrado está incluído no Planejamento Político Brasileiro como região de expansão da fronteira agrícola, orientada por práticas predatórias, causando um cenário estarrecedor”

Isso provocará o aumento de pessoas ociosas e vadias nas cidades, situação que criará enormes embaraços sociais desagradáveis. Haverá a intensificação da criminalidade de todas as espécies, desde pequenos furtos, saques, assaltos e assassinatos. A prostituição se generalizará, trazendo consequências consideráveis para a saúde pública, que se apresenta cada vez mais decadente. Os serviços públicos, incluindo a educação, por falta de arrecadação e manutenção, começarão a beirar o caos.
Depois de certo tempo a ausência de água nos rios criará uma paisagem desoladora. Áreas outrora ocupadas pelas lavouras serão caracterizadas por formas vegetacionais rasteiras e exóticas, típicas de formações desérticas, com um ciclo vegetativo muito curto.
Grande parte dos campos agrícolas abandonados, sem a cobertura vegetal necessária para fixar o solo, passará, durante algumas épocas do ano, a ser assolada por ventos e tempestades fortes, que criarão uma atmosfera escura carregada de grãos finos de poeira em extensões quilométricas.
Os polos urbanos serão assolados por diversas epidemias, que provocarão índices alarmantes de mortalidade. A maioria da população sucumbirá diante da miséria crescente.
(Patricia Fachin)


sábado, 25 de outubro de 2014

AÇÃO URGENTE: Comunidade ameaçada por fazendeiro local

Cerca de 20 famílias da comunidade quilombola de São José de Bruno, localizada em Matinha, no estado do Maranhão, estão sendo ameaçadas e intimidadas por um fazendeiro local. O fazendeiro colocou um homem armado na região para pressionar os membros da comunidade a saírem das terras restantes.
Há cerca de três meses, um fazendeiro local invadiu parte do território da comunidade São José de Bruno, desmatou e cercou parte da área e soltou seu gado ali, impedindo que algumas das famílias mantivessem seus cultivos na área. Após diversas tentativas, por parte da comunidade, de protestar contra as ações ilegais do fazendeiro, ele contratou um homem armado para patrulhar a região.
O fazendeiro também ameaçou verbalmente alguns membros da comunidade e disse que pretendia tomar as terras, que pertenciam a ele e que “isso poderia até mesmo resultar em mortes”.
São José de Bruno é o lar de cerca de 20 famílias e já foi oficialmente reconhecida como território quilombola em setembro de 2013. Em dezembro de 2013 o Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA) formalmente reconheceu o direito da comunidade à terra, uma área de cerca de 380 hectares.
Os moradores de São José de Bruno dizem que denunciaram as ameaças contra a comunidade no passado e a recente presença de um homem armado às autoridades locais e à polícia. Entretanto, não houve resposta ou ação das autoridades. Em setembro de 2014, a comunidade registrou um boletim de ocorrência na delegacia de polícia local. Semana passada, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais também entrou com uma petição requerendo que o estado tomasse providências para proteger as terras da comunidade contra invasões.
A presença de um homem armado criou uma atmosfera de medo e intimidação que tem sido agravada pela falha do estado para responder ao apelo da comunidade por proteção.
Conflitos por terra e ameaças de violência e ataques contra comunidades rurais e quilombolas são frequentes no estado do Maranhão. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, cinco líderes rurais comunitários já foram mortos em 2014 como resultado de conflitos por terra no estado.
anistia.org.br

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A troca de visão entre a chapada e o eucalipto na comunidade Custódio, Urbano Santos-MA.






Quem viaja e passa pela comunidade tradicional de Custódio, percebe logo na entrada do povoado uma grande plantação de eucalipto da Suzano Papel e Celulose cercada de arame com uma enorme cancela, onde quem passa por lá tem que pedir licença. Uma brincadeira, como é que para uma pessoa entrar em sua própria casa tem que pedir permissão? E ainda tem mais, o cemitério da comunidade também está dentro do campo de eucalipto, pode-se dizer e afirmar com todas as letras que isso não passa de um verdadeiro desacato aos direitos humanos. Quanta intolerância!
Quando o viajante segue em direção ao Assentamento Canzilo e Mangabeira ele vai chegar num descampado com capoeiras de antigas roças de mandioca (san nunga ou são miguel), daí então mais na frente, olha-se a chapada de um lado e os enormes campos de eucaliptos do outro trocando olhares entre si. A chapada tentando sobreviver com sua fauna e flora, os animais nervosos com tanta miséria causada por porte do agronegócio e da falta de consciência ecológica. O cerrado reclama e há tempos vem chorando lágrimas de sangue desde o primeiro dia em que o eucalipto foi introduzido no solo vermelho das chapadas. O território onde se alastra as plantações de eucalipto em Custódio assim também como em outras comunidades era tudo chapada com capinais, bacurizeiros, pequizeiros, candeias, mangaba e outras espécies naturais já em perigo de extinção, pois outrora a natureza era bonita e tinha cara diferente. O eucalipto é uma ameaça tóxica às sociedades tradicionais, atrapalha o processo de desenvolvimento social principalmente a agricultura familiar e o projeto de Reforma Agrária: titulações, arrecadações e desapropriações das áreas em questão, que são muitas. Problemas estão sendo causados por esse impacto e os estudos já apontam que daqui há 40 anos no mínimo, os recursos hídricos desaparecerão totalmente de nossa região, se continuar assim. As pessoas devem se preocupar com essa problemática, as comunidades rurais estão cercadas de eucaliptos e em algumas regiões campos de soja e experimentos de outras monoculturas, mas será que todo mundo não está sendo afetado indiretamente, estamos no mesmo barco? E se naufragar morreremos juntos? Um ponto a ser pensado e refletido. Os produtos tóxicos são lançados nos campos, fogem para as matas, chapada e desce para os riachos, lagoas e rios, o ar fica poluído, os animais migram à procura de locais saudáveis e não acham mais. Nossa Região do Baixo Parnaíba está transformada, o avanço da monocultura é desenfreado suprindo interesses individuais capitalistas e neoliberais de uma empresa multinacional que suga nossa terra desde a década de 80, um projeto atrasado e sem futuro para as comunidades rurais.
Hoje em dia as terras do município de Urbano Santos mais de 65% pertencem a grupos empresariais principalmente puxados pela Suzano e suas firmas terceirizadas, restando muito pouco para os trabalhadores rurais. E essa pequena parte que sobrou mais da metade se encontra em processo fundiário aguardando respostas dos órgãos competentes. Essa é a crua realidade das comunidades do Baixo Parnaíba, mas temos que sonhar e orientar os camponeses rumo às suas conquistas, devemos citar os pontos negativos mas não esquecer dos positivos. Apesar de tudo os trabalhadores no campo tem conseguido alguma coisa, o conflito vai continuar, enquanto houver exploração haverá conflito. Luta por terra é sempre assim desde tempos bem remotos.
 Existe uma politica de reservas ecológicas próximas de alguns campos de eucaliptos, elas são criadas pela Suzano, mas na verdade é só uma maneira enganosa. São áreas pequenas que não dão para suportar os animais silvestres fugidos do correntão e do veneno aplicado nas plantações. Essa realidade pode mudar um dia e tudo voltar o que era, não é um sentimento romântico e sei que é pura utopia -, talvez sim... talvez não. Mas vai essas palavras de conforto para o movimento social em defesa dos direitos humanos e da vida ficar mais otimista e seguro: “UM OUTRO BAIXO PARNAIBA É POSSÍVEL”. As chapadas de Custódio já estão com suas vistas cansadas e assombradas de verem há décadas esses monstros (eucaliptos) que destroem o bioma cerrado e que não supre de maneira alguma as necessidades da classe trabalhadora do campo, palavras de ordem sejam ditas e afirmadas: “O Território do Baixo Parnaíba Maranhense é dos Trabalhadores Rurais”.

(José Antonio Basto)
*militante social dos direitos humanos
email: bastosandero65@gmail.com