sexta-feira, 30 de julho de 2021

Comer galinha caipira na Chapada

Escrever é uma forma de tornar próximo aquilo que parece ser distante. O ano de 2004 ficou para trás assim como outros tantos anos de sua vida. Nesse ano, ele finalmente fora apresentado aos Gerais de Balsas. O Fundo Nacional de Meio Ambiente aprovara um projeto de revitalização de córregos em comunidades tradicionais que moravam nos Baixões encaminhado pela Associação Camponesa, sediada em Balsas. A fim de comunicar a aprovação do projeto as comunidades, uma equipe formada por membros da CPT e do Fórum Carajás saíram cedo da cidade de Balsas para jantarem e dormirem num entreposto comercial encravado na Chapada antes de descerem para os Baixões. Eles jantaram num pequeno restaurante cujo proprietário começara seus negócios naquele trecho como plantador de soja, negócio que não deu muito certo o que o levou a virar dono de restaurante. O jantar servido foi galinha caipira. Podia dizer que nunca comera uma galinha caipira com caldo tão grosso em toda sua vida. As suas experiências com esse prato até então se limitavam a poucos almoços e dificilmente nessas experiências o caldo engrossou tanto. Por mais que por aquelas bandas só houvesse plantadores de soja, o hábito de criar galinha caipira vinha bem antes do aparecimento da monocultura naquelas e outras Chapadas. Comer galinha caipira com aquele caldo grosso remetia a um mundo quase improvável de pessoas que viveram e ainda viviam livres sobre aquelas Chapadas e sobre aqueles Baixões. Coisa que a soja e outras monoculturas iriam substituir no seu devido tempo por outros valores. Eles jantaram e dormiram dentro da Toyota na qual viajavam. No dia seguinte seguiriam viagem pelas Chapadas e desceriam os Baixões para acharem as comunidades e o senhor João Fonseca, dirigente da ACA e geraizeiro das antigas.

A ilha

A pessoa, em si, nem se apercebia do que rolava a sua volta. Morava numa ilha e nunca viajara de barco em toda a sua vida. Não é que ela sentisse medo de rio ou do mar. A oportunidade o evitava e ele também se fazia de indiferente quanto a ela. A pessoa, em si, gostava de samba e alguns dos melhores sambas que escutara se referiam ao mar e ao rio. Reparava que as pessoas a sua volta andavam pelas calçadas ao lado do mar ou do rio. Essas pessoas a sua volta andavam caladas e distraídas com seus pensamentos. O mar ou o rio pouco chamavam atenção delas. A pessoa, em si, mantinha-se fiel a cidade com certeza se bem que seu olhar desviava de quando em quando para o mar cheio ou não. Naquele ponto da cidade, mar e rio se uniam totalmente para que horas mais tarde se separassem. Nessas horas de separação, os homens andavam por sobre a lama ou por dentro do que se pensava ser o que sobrou do rio. Já pensou sair de barco com proposta de pescar peixe e catar caranguejo ou sururu? O que a cidade comia vinha dali ou de recantos mais distantes do litoral? Almoçava no centro da cidade, sozinha ou acompanhada. Pedia uma pescada ou pedia um caldo de sururu/sarnambi. Comer pescada era bastante comum. Uma amiga preferia comer pescadinha porque o gosto da pescada lhe parecia banal. Comer caldo de sururu/sarnambi era muito incomum. Um amigo se surpreendeu ao descobrir uma venda que comercializava o caldo. Quase tudo naquele comercio remetia a mar, rio e pesca. Não o mar, o rio e a pesca dali de perto. Os comerciantes compravam peixes e mariscos de outros mares e de outros rios, onde, certamente, também viviam seres muitos diferentes do que se acostumara a comer nos mercados e nas praias de São Luis. Pois bem, a pessoa perguntaria os nomes desses mares e desses rios para quem sabe finalmente sair da ilha.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Os impactos da Suzano Papel e Celulose nas regiões centro oeste e centro leste maranhenses

Os plantios de eucalipto da Suzano papel e celulose se localizam dos lados oeste e leste do estado do Maranhão. Essa localização se explica historicamente no caso do lado oeste pelo projeto Celmar que a Vale do Rio Doce pretendia instalar na região de Imperatriz no final dos anos 90. Um projeto que incluía oitenta mil hectares de plantios de eucalipto e uma fábrica de celulose com vistas a exportação. O mercado internacional de papel e celulose levou a Vale a reavaliar seu projeto e engaveta-lo. A Suzano papel e Celulose, parceira/socia da Vale em vários empreendimentos pelo Brasil, ressuscita o projeto em uma amplitude maior, prevendo plantios em boa parte do oeste maranhense, no norte do Tocantins e sudeste do Pará. No caso do Maranhão, a empresa compro os ativos da antiga Celmar, os cerca de 80 mil hectares. Houve várias denuncias de apropriação indevida de territórios tradicionais por parte da Vale para o projeto da Celmar. Esse passivo socioambiental entrou na conta do projeto da Suzano papel e Celulose que evitou responder aos questionamentos da sociedade civil. Como sempre, a empresa em vez de responder as demandas da sociedade civil age por detrás propondo parcerias com movimentos sociais e pedindo reintegração de posse para áreas ocupadas por comunidades rurais. Essas comunidades são em sua maioria comunidades isoladas e com pouca visibilidade socioeconômica. O governo do Maranhão pouco se interessa por essas questões a não ser que haja uma pressão exercida por diversos setores da sociedade. Tem que se ter em mente que as regiões centro oeste e centro leste do Maranhão foram destinadas para a grande propriedade rural de criação de gado. O Estado brasileiro via nisso uma forma de ocupar a amazonia e regiões vizinhas. A criação de gado, no entanto, não deu os resultados esperados e o eucalipto surge como uma resposta do mercado para essa circunstancia. E as comunidades de agricultores familiares, extrativistas e quilombolas que giravam em torno dessas propriedades? A Vale, em primeiro lugar, e a Suzano, em seguida, não queriam saber se derrubariam babaçuais no transcorrer da implantação de seus projetos, o que importava era tocar os projetos como planejado. Há o caso da comunidade de Curvelandia, comunidade rural que sofre impactos pelo transporte de toras de eucalipto para a fábrica da Suzano a beira do rio Tocantins. Essa comunidade também sofre impactos porque além de agricultores também são pescadores e a Suzano Papel e Celulose despeja os resíduos da fábrica no rio.

domingo, 25 de julho de 2021

uma sensação boa

Toda a vez que eles se viam, o seu Ferreira lhe passava uma sensação boa. Vai ver essa sensação residia em algum ponto da sua historia recente. Por diversas vezes, o grupo João Santos, empresa de cana de açúcar de Coelho neto, e o Andre Introvini, plantador de soja, ameaçaram-no de despejo. As pessoas no Baixo Parnaiba, provavelmente, têm alguma historia de ameaça de despejo para relembrar e contar para o primeiro passante de beira de estrada que queira escutar. O Edivan, membro do MST e morador do povoado Belem, trouxe a baila o nome do povoado Brejão numa conversa em seu povoado. Que o povo de Brejão vivia sob condições de quase escravidão exercida pelo grupo João Santos que impunha regras de obediência e submissão a várias áreas do município de Buriti. A fama do grupo João Santos de opressão percorria o interior do Maranhão desde os anos setenta. A empresa comprou o Brejão das mãos de políticos maranhenses. A transação fora executada daquele jeito que todos sabiam e poucos perguntavam. o documento existente no cartório era só uma mera desculpa para justificar a fraude ou a legalização da grilagem da terra. O Estado do Maranhão não ia conferir os documentos para assegurar a legalidade ou não. Havia coisas mais urgentes para se preocupar. As faltas de preocupação e de ação por parte do estado do Maranhao referente as áreas publicas se traduziam numa incorporação do patrimônio publico por parte de empresas, de agentes financeiros e de políticos. Dessa forma, o negocio se concluía. No caso de Brejão, o então deputado Pedro Novaes vendeu o Brejão para o grupo João Santos que resolveu vender a propriedade assim como outras propriedades para gerar dividendos aos herdeiros da empresa. Na verdade, a terra não foi vendida. Ela foi arrendada para a família Introvini, plantadora de soja, e arrendar significa conceder uso provisório de uma propriedade mediante pagamento. O pagamento seria feito depois da venda dos plantios de soja. Por que uma empresa como o grupo João Santos em vez de vender arrenda a propriedade ainda mais num momento em que iniciara um processo de falência? Duas razões principais. Primeira: a documentação era falsa a propriedade não podia ser vendida. Segunda: a tentativa de fugir de pagamento de impostos devidos. A distancia de Brejão em relação a qualquer coisa do Maranhão e o desinteresse por parte do governo do Maranhão de qualquer coisa referente a zona rural favorecia as intenções de espertos como o grupo João Santos e dos Introvini de se darem bem. Só não se deram bem de todo modo porque seu Ferreira continua firme na sua casa ao lado de um babaçual no povoado Brejão resistindo as propostas para que aceite cinco ou dez hectares. Ele não aceita porque acredita que o seu direito a terra lhe garante muito mais terra.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

O convite

Ele chamou o amigo para um dia, quem sabe, andar por aquelas ruas que outrora andava-se com cuidado para não enfiar os pés na lama. Quem anda por essas ruas não corre mais o risco de sujar os pés porque elas foram urbanizadas. Quando foi a urbanização e quem a realizou? Quem dá importância para isso agora? No fundo, no fundo, as casas cresceram em cima de regiões alagadas, influenciadas pela agua do mar e pela água do rio Anil. Por muito tempo, ele se desentendera de qualquer coisa relativa a ocupação desordenada do espaço urbano de São Luis. A sua praia não era aquela dos mangues e dos alagadiços que os homens aterravam par erguerem suas casas e abrirem ruas. O homem desordena e reordena o espaço de acordo com suas necessidades. Para o bom entendedor, meia palavra basta ou, escrito de outra forma, para bom entendedor um meio role pelas ruas enlameadas basta. Não foi o caso dele. Por ser adolescente, a mãe o incumbiu de achar a casa de uma amiga sua. A mãe dava uma ordem e ai daquele que a questionasse ou descumprisse a ordem. Então, ele preferiu questionar consigo mesmo o porquê de andar por aquelas ruas curtas e pequenas cujos terrenos aterrados absorviam as fundações de casas espremidas umas as outras. Esse pensamento expressava um preconceito de classe e expressava um horror pela realidade social com a qual se deparava. A amiga de sua mãe morava perto e ao mesmo tempo longe de sua casa. Uma hora o relacionamento entre classes sociais se deteriora em outra hora esse relacionamento se recompõe. O amigo comentou que na quadra abaixo um grupo de jovens, em sua maioria oriundos das ruas curtas e pequenas, jogava Travinha, jogo de bola no meio da rua com duas travinhas representando as traves do futebol de campo. Esse jogo de Travinha se realizava graças ao convite de dois jovens que, por saberem da situação dos amigos, convidavam-nos a jogarem na rua mais larga onde moravam.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Povos indígenas e o conformismo da historia do Maranhão

Ele queria provar que a presença indígena no Maranhão se fazia muita das vezes de maneira sutil, quase imperceptível. E a sutileza nem sempre é percebida como se requer. A exposição constante da influencia portuguesa, da influencia africana e até de uma suposta influencia francesa impregnam o cotidiano maranhense, principalmente, da capital São Luis. Certa vez, ele comentou seu interesse com uma namorada pela investigação da existencia de povos indígenas em determinados territórios os quais frequentava no norte e nordeste maranhenses, caso de Buriti de Inácia Vaz, Urbano Santos, Santa Quiteria, Barreirinhas, Humberto de Campos e Morros. Comentara anteriormente com um amigo que menosprezara a conversa com aquele jeito de que não vê procedência e sentido naquilo tudo. Não se sentiu derrotado e voltou ao assunto com a namorada cuja família tinha raízes na baixada. E qual foi a resposta? “ Em São Bento não há indícios de presença indígena”. Epa, como assim? A Baixada maranhense é sumamente conhecida e reconhecida por guardar artefatos arqueológicos que comprovam a presença indígena milhares de anos antes da chegada dos portugueses. Ela apenas repetia a visão e a versão de um escritor da região. Um conformismo intelectual ou a preguiça intelectual atrai conformismo social e vice versa. Os povos indígenas foram imprescindíveis para a própria colonização portuguesa no século XVII. Sem indígenas não haveria mão de obra escrava no inicio da colonização, pois os negros só chegariam em grande quantidade do século XVIII pra frente. Os recursos humanos da economia maranhense eram formados basicamente por indígenas capturados e essa presença indígena se estendia por todos os campos da sociedade agrária maranhense. A alimentação diária das camadas pobres maranhenses deixaria muito a desejar caso os indígenas tivessem sido exterminados como setores políticos e econômicos pretendiam. O maranhense come peixe e mariscos por causa da influencia indígena que ficou submersa por séculos. O homem é o que come e parte da população maranhense come pescada amarela, peixe pedra, peixe serra, curimatá, traíra, surubim, peixes de agua doce e salgada, e caranguejo, siri, sururu e surubim, animais que são pescados ou extraídos. Quem ensinou o maranhense do litoral a pescar no rio ou em alto-mar? Os conformismos intelectual e social acarretaram o apagamento de grande parte da historia indígena no Maranhão e o apagamento da consciência do papel dos povos indígenas na historia do Maranhão como um todo.

terça-feira, 20 de julho de 2021

As ilhas quilombolas

Os postes iluminavam a estrada vicinal. Mesmo assim, a escuridão da noite dominava tudo ao redor o que impedia de ver qualquer coisa a poucos metros. O que para muitos significava uma distancia impressionante, para outros significava pouca coisa. Dentro do terreiro, pisava o chão encharcado pelas águas do rio Mearim. Fora do terreiro da casa, via as nuvens que sobrevoavam os campos inundáveis. Nem pensava em apanhar as nuvens aparentemente tão perto como também não pensava em pisar os campos por ser inexperiente naquele tipo de ambiente. Bem, o tipo de ambiente referido se tratava dos campos inundáveis um tipo de ambiente que mescla seis meses de submersão (embaixo de água) com seis meses seco ou com pouca água por cima da areia e da vegetação. Umas três vezes o convidaram para embarcar em algum barco ancorado as margens provisórias do rio Mearim e navegar até alguma das ilhas que se formam durante as cheias do rio porque se não fosse de barco teria que ir andando pelos campos e haja perna para uma empreitada como essa. Os quilombolas habitam essas ilhas: ilha do Teso em Anajatuba e Ilha das pedras em Santa Rita. Sustentam-se a base da pesca e muito recente viram os peixes fugirem por conta das ações da empresa portuguesa EDP que ergueu sua linha de transmissão de Miranda a São luis em pleno inverno o que assustou e afastou os peixes.

domingo, 18 de julho de 2021

Festejo de São benedito em Anajatuba

Anajatuba município do Maranhão localizado próximo a foz do rio Mearim. A historia física cultural e ambiental desse município está totalmente ligada a historia das comunidades quilombolas. Uma dessas historias diz respeito ao bairro de São Benedito que antes era uma comunidade quilombola rural e passou a ser uma comunidade quilombola urbana já que a zona urbana de Anajatuba engoliu a comunidade. Uma senhora escrava morava nessa comunidade antes dela se chamar São Benedito e antes dela ser reconhecida como quilombola. Atribuía-se a expressão terra de preto porque só viviam nessas terras escravos e descendentes de escravos. Os latifundiários de Anajatuba designaram essa senhora para cuidar de seus parentes leprosos. Com medo de pegar a doença e contaminar sua família, a senhora prometeu organizar e realizar uma festa em homenagem a São Benedito. Se essa historia chegou até os dias atuais foi porque a senhora recebeu a graça de não pegar a doença e desde então todo dia primeiro de janeiro acontece no quilombo a festa em homenagem a São benedito, uma festa que incorpora também a figura de São Lazaro.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

comer bem na praça do Carmo

comer bem na praça do Carmo De uns tempos para ca, ele passou a investigar o que as pessoas ao seu redor comiam e onde comiam. Quem quiser comer bem ou comer uma comida razoável pelas bandas do centro de São Luis vai penar como um fantasma que não encontra um local para descansar. Porque comer em um restaurante seria importante? Almoçar com os amigos ou almoçar com um cliente ou almoçar sozinho, qualquer dessas ocasiões requer uma exposição física e psicológica, ou seja, precisa sair da clausura doméstica. Em alguns casos, diverte-se almoçando fora, e na maioria do casos, deseja-se ganhar tempo almoçando na rua. Recentemente, uma foto da praça do Carmo na década de 40 (?) apareceu no instagram. A pessoa que postou a foto expos uma serie de aspectos sociais e humanos que animavam a praça como o consumo de caldo de cana e pão com queijo. Até os dias mais recentes, pessoas que viveram esses anos suspiravam de saudades pelo caldo de cana e por outras maravilhas da culinária popular como o quebra queixo. Esse tipo de produto despertava saudades só que esse tipo de produto mais enganava o estomago e mais enganava o cérebro do que realmente alimentava a pessoa. É claro que alimentar a população pobre do Maranhão nunca foi uma preocupação das elites que por séculos governaram o estado. Nem se discutia o que viria a ser comer bem. Para a maioria das pessoas, comia-se o que tinha e caso não tivesse a comida do dia a dia tipo arroz, feijão, carne e farinha se dava um jeito. A zona rural do Maranhão as pessoas pobres viviam dando um jeito ou um jeitinho para não passarem fome. Essa historia de valorizar caldo de cana e pão com queijo vai muito nesse sentido de mascarar os efeitos da falta de acesso a uma comida decente no interior do Maranhão e na capital do estado. É 0

sábado, 10 de julho de 2021

O russo desconfiado

Assim Joseph Brodsky descreveu Anna Akhmatova, poetisa russa, no ensaio “Musa Lastimosa” do livro “Menos que um”, publicado pela Companhia das Letras em 1994: “ com 1,77 metro, cabelos escuros, pele branca, olhos cinzento claros semelhantes aos leopardos da neve, esbelta e incrivelmente graciosa...”. Desculpem o jogo de ideias, uma descrição dessas passa longe da sensação de frio que se espera ter com qualquer experiência literária proveniente da literatura russa. Os primeiros contatos com os russos acontecem por meio de comentários ou citações presentes em obras de escritores não russos. A breve biografia literária do escritor americano Charles Bukowski que consta no final do seu livro “Cartas na Rua” detalhou suas influencias literárias e uma delas era Ivan Turgueniev, escritor russo do século XIX. Só anos mais tarde, leria “Pais e Filhos” de Turgueniev, traduzido diretamente do russo na edição da Cosac e Naify. Não há menor duvida que a maior contribuição de Bukowski para os seus leitores foi te-los incentivado a ler Turgueniev assim como Celine, escritor francês do começo do século XX. Brincadeiras a parte, ter lido os ensaios de Brodsky em 1994 motivou um olhar absolutamente inesperado. Ele escrevia em inglês e não em russo sua língua materna. Por vários trechos dos seus ensaios, Brodsky reconhece que a língua inglesa é insuficiente para dar conta de construções estéticas que no caso do russo é bem simples. A forma como ele se achega a Akhmatova e a Mandelstam reflete humildade, algo incomum em se tratando de escritores ainda mais russos. Brodsky nascera russo com ascendência judia e os judeus mantem uma relação complicada com a cultura e a historia dos países onde se assentam. Alguem precisava explicar e esmiuçar na forma de linguagem o que ocorre pelas cidades e pelos campos, pois a medida que cidades se erguem e campos nascem algo envelhece e morre. O estilo de Brodsky tinha mais a ver com o inglês do que com o russo e por isso transmitia uma sensação de objetividade ou de secura bem diferente do russo que se esparramava em várias frentes literarias sociais e politicas . Um russo desconfiado de sua capacidade, dir-se-ia

quarta-feira, 7 de julho de 2021

o Labirinto

Os pais, as mães e as avós de quem brincava de esconde esconde trinta e um alerta, pegador, cola descola, pega bandeira, cancão ou amarelinha, travinha e etc viam nessas brincadeiras uma tremenda perda de tempo. Tinha deles que nem deixavam seus filhos saírem para rua a noite com receio destes se perderem. Para os meninos ganhar a rua era mais simples do que para as meninas. Os parentes mais velhos mantinham sob rígida vigilância as meninas das quais cuidavam. Achavam que despertariam a cobiça de sujeitos mal-intencionados. Ou então achavam que os vizinhos fariam comentários dos quais se envergonhariam. Assim aconteceu com uma amiga no final dos anos setenta e começo dos anos oitenta no bairro Floresta, vizinho ao bairro da Liberdade. Os vizinhos a viram sentada no para choque do ônibus de linha brincando com meninos e delataram-na a mãe que a castigou na hora que chegou em casa vinda da escola. O bairro Liberdade despertava essa compulsão de sair pelas ruas e avenidas sem prestar conta de nada e sem prestar atenção em nada como se calçada e asfalto fossem uma coisa só. O morador da Liberdade desobedecia sem nenhum sentimento de culpa as regras de conivência no transito que diziam calçadas para pedestres e ruas e avenidas para carros e ônibus. Tudo era uma coisa só. Como alguns proprietários não fechavam totalmente suas casas, a criançada se escondia nos seus terraços abertos. Faziam silencio e torciam para que o dono da casa e cachorro continuassem dormindo. Nessas brincadeiras, a criançada obedecia aos conselhos dos mais velhos e circulavam pela quadra, onde todos se falavam e todos se conheciam. O bairro Promorar, vizinho a Liberdade, nasceu num terreno pouco convidativo por essa época, começo dos anos oitenta. O governo João Castelo aterrou uma área de mangue e em cima dele construiu cinquenta cubículos, porque casas decentes não eram, e para estes cubículos famílias de quilombolas de Alcantara, expulsos pela base aeroespacial, foram transferidos. O bairro Liberdade engoliu parte das áreas influenciadas pela maré e novas ruas apareceram formando um labirinto onde poucos se atrevem a entrar.

domingo, 4 de julho de 2021

O capitalismo (des)humano enfim chegou ao Maranhão

Em toda sua vida, ele escutara o nome Baixa da égua somente em relação a uma comunidade de Urbano Santos. É comum utilizar Baixa da Egua para designar lugares longe de tudo e de todos "Vai para Baixa da Égua". Bem no final do município de Urbano Santos, as pessoas rapidamente se esquecem das conversas longas e das caminhadas em direção a Barreirinhas, Santa Quiteria e Anapurus, municipios vizinhos a Urbano Santos. As pessoas se esqueceram das promessas feitas por proprietários tradicionais em troca de seus votos. Os proprietários agem em favor de políticos que, muitas vezes, são seus parentes. Promessa de tudo que é lado e de tudo que é jeito. Caso o politico se eleja, empregam o filho, empiçarram a estrada. constroem prédio da escola, regularizam a posse da terra, incentivam a agricultura familiar e etc. Os proprietários e os políticos prometeram tanto que descumpriram quase tudo. Algumas pessoas vão reclamar da estrada esburacada, da nomeação do filho pelo prefeito, da escola inacabada, da produção agrícola mínima e etc. De todas essas promessas, a maior de todas elas e que englobaria todas outras seria a regularização fundiária dos territórios onde essas pessoas vivem. A não regularização acarreta num futuro próximo o despejo da comunidade em consequência de uma liminar dada pelo juiz da comarca em favor do antigo proprietário que quer vender ou do novo proprietário que acaba de comprar. Os proprietários tradicionais se queriam resolver um impasse com um morador dava o veredito “Voce tem um dia para arrumar suas coisas e tirar pra fora”. A geração mais nova de proprietários propõe acordo com a comunidade ‘Damos a cada família cinco hectares”. Pelo visto, o capitalismo mais humano chegou enfim ao Maranhão para tira-lo do atraso.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

"Olha pra mim"

Nas suas módicas lembranças, a casa onde morou por treze anos se diferenciava das demais por uma singularidade: fora um posto de saúde antes deles morarem nela. Essa descoberta faria no inicio da adolescência, revelada por uma garota negra que o apresentou a família, moradora de uma rua vizinha a sua. Uma outra lembrança, ele carregaria pela vida. Lia com vigor e paciência. qualquer livro ou revista que caía em suas mãos delicadas. A sua família colecionava basicamente a enciclopédia Barsa e a Delta Larousse. Ele colecionava quadrinhos da Marvel e da DC Comics. Uma coleção que mal cabia numa caixa de papelão e da qual se orgulhava. A leitura não o cansava de maneira alguma e talvez, por conta de várias leituras que fez, passou a colecionar passagens de sua vida e da vida de amigos para relembrar anos mais tarde. A mais recente dessas (re)lembranças aconteceu no Chico Discos, um misto de café, bar, sebo e livraria incrustado na confluência da rua dos Afogados com a rua São João. Marcara com amigos que demoravam a chegar. Pois então, reencontrou uma amiga no Chico Discos. Ela entregou uma encomenda ao Chico e foi a sua mesa para reatar conversas perdidas. Não é tão simples reatar conversa passados anos de falta de contato. A conversa beira a formalidade e num determinado momento o que era um simples converse se converte numa conversa complexa sobre s origens. Ela morou na Floresta, bairro vizinho a Liberdade. Eles foram vizinhos e só naquela tarde ficaram a par desse cruzamento. A família dela provinha de Codó: a avó chegou nos anos 30 em São Luis para trabalhar na fábrica Canhamo, o avô foi estivador e a mãe tentara trabalhar como empregada, mas não se adaptou. A avó então determinou que ficasse “olhando a casa” enquanto saia para trabalhar. “Eu vou sair para trabalhar. Olha pra mim”, esse olhar era tomar de conta da casa e depois dar satisfação ao proprietário. A linguagem transparece as relações de posse “Ei tu que não estas fazendo vem aqui fazer alguma coisa”. Apagou-se esses usos incorretos da linguagem. A (re)lembrança desses usos, contudo, não se apagou 0 comentário

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Relembrar

Gostaria de relembrar a casa onde cresceu. Sim, ele lembrava dela. A sala de estar que era o espaço de jogar bola durante o dia e a noite servia de garagem para os carros que seu pai de vez em quando comprava. O quintal em cuja área mal cabiam jarros de plantas. A família criava um cachorro ao qual deram nome de Bonitão. O tanque de armazenar água para lavar roupa e banhar. A copa em que almoçavam, jantavam e estudavam juntos. A cozinha que as mulheres preparavam comida e limpavam. A televisão ficava no quarto dos filhos e todos assistiam-na por alguns minutos. Os filhos sempre passavam a impressão que eram brilhantes nos estudos. Quanto mais brilhantes mais chances de vencerem na vida. Sabe, ele gostaria de relembrar a casa que esqueceu.