Marquei uma pescaria no rio dos
pretos – entre São Benedito e Urbano Santos – quase nos limites de Chapadinha,
terra de criadores de porco e bode. Saira da sede da cidade as 14:00h, viajava
pela chapada do meio – na estrada que dá acesso aos povoados Prata e Riacho
Seco. O Bacabal de Santa Rosa era o ponto final. “A pescaria numa terra proibida” prometia.
Bacabal e Santa Rosa são duas
comunidades vizinhas, áreas que estão em conflitos fundiários – de um lado a
família Garreto e do outro os moradores. Bacabal nasceu de Santa Rosa – a
Associação de moradores fora criada com o objetivo de entrar com um processo de
desapropriação no Incra e arrecadar no Iterma o restante da chapada para as
mais de trinta famílias camponesas que lá moram e trabalham de roça. Conheço o
pessoal de Bacabal desde quando se iniciou o conflito há quase uma década atrás.
Um povo hospitaleiro que vive no dia a dia do trabalho pesado da lavoura e da
pesca artesanal, além de outras tarefas e práticas como o extrativismo.
Participei de muitas reuniões de
organização, preparação e orientação da luta pela terra. Mas naquele dia a
tarefa era outra – divertir-se um pouco com a arte da “pesca numa terra
proibida onde quem chega por lá é indagado pelos moradores” e, interrogado
sobre o que anda fazendo por aquelas bandas. É claro que essas interrogações
não foram me dirigidas. Eles estão fazendo certo, pois a terra é seu bem maior,
muitos visam aquela região de chapadas, babaçuais e matas virgens / poucos
sabem seu importante valor econômico e social, cansaram de serem colonos e
escravos dos que ainda se “dizem senhores”. A poeira da estrada estragara minha garganta, rendendo mais de duas semanas
de gripe forte e muita tosse. Mais de uma hora de viagem pelos “campos do
gaúcho”. Este deu uma melhorada na estrada que vai para sua fazenda. Menos mal,
mas não fizera a estrada para facilitar a vida dos moradores de Bacabal e Santa
Rosa, mesmo assim eles a utilizam frequentemente, pois a outra estrada via
Marçal é bem mais longe a distância para a cidade. Ao chegar, deixei a
motocicleta em baixo do pé de jatobazeiro – arvore centenária que fornece uma boa
sombra nas horas de reunião e também frutos para a meninada matar a fome. O
enorme pé de jatobá é uma prova viva da existência e formação histórico-social
daquela comunidade que se criara a partir das adjacências do campo de futebol –
muito parecida com uma aldeia indígena.
Antes de ir para o rio, conversei um pouco com o presidente da associação sobre
algum tipo de novidades, quase nada me dissera a respeito da questão que vem se
arrastando, apenas falou da eleição da nova diretoria da associação que alguns
dias tinha acontecido. As horas iam passando e eu tinha que pescar. A fome
apertara também, pois não almocei nada naquele dia, esperava pegar algum peixe
para comer assado com farinha lá mesmo na beira do rio. Segui para a ponte que
liga o outro povoado vizinho, o rio baixara suas águas e, muito – notou-se a
diferença de outras datas. Os anzóis e as redes foram pra dentro d´água, pouco
beliscava, mas as redes fizeram a festa com as baranas e freixeiras, apesar das
piranhas estragarem com seus afiados dentes. Anoitecia e outras iscas foram
botadas para ferrar as catanas, tudo calmo – as horas passavam lentamente, se
ouvia gritos de caçadores e latidos de cachorros ao longe, tiros de
espingarda... as estrelas do céu eram a minha companhia. O pensamento viajava,
concentrado lembrava de minha casa e decidia voltar ainda naquela madrugada.
Fiz uma fogueira na beira do rio, botei alguns peixes para assar, depois
jantei-os, bebi a água do rio preto e estava alimentado. Por volta de 1:00h hora da manhã decidi voltar pra casa,
tinha pegado o suficiente para o almoço. No trajeto até o vilarejo de Bacabal
Deus e a luz da lanterna eram meus guias. Chamei o morador da casa para pegar a
chave da moto, não quis incomodá-lo, despedi-me e acelerei na volta para casa,
subindo a ladeira até a planície da chapada. Viajar a noite não é uma boa experiência
e ainda mais sozinho por aquelas brenhas. Os campos de eucaliptos faziam
fronteiras com os carrascos e chapadas, a poeira ardia nos olhos. Mais de dois
quilos de peixes vinha no côfo. O medo me apavorava.
Após horas de viagem, avistava-se
os primeiros sinais das luzes da cidade. O medo foi passando assim que se
aproximava da civilização. Chegava em casa as 3:00h da manhã, cansado, com
peixe e uma bagagem para mais um ensaio literário... uma prosa sobre este tema
que quase não tem tanto sucesso para muitas pessoas, mas para outras é de
grande e estimável valor.
José Antonio Basto