Ao destruir mudas transgênicas de eucalipto, MST chama atenção
para cultivos que deslocam agricultores familiares, ampliam crise
hídrica e devastam biodiversidade
Por
Daniel M. Demeter, no
Petripuc
Em 5 de Março, um grupo de aproximadamente mil mulheres ligadas ao
Movimento dos Trabalhadores sem Terra – MST, ocupou, na cidade de
Itapetininga (SP), área da FuturaGene, destruindo um número não
divulgado de mudas de eucalipto transgênicas.
A FuturaGene é uma empresa de biotecnologia que foi adquirida, em
2010, pela Suzano Papel e Celulose que é a segunda maior produtora
global de celulose de eucalipto, e está entre as dez maiores produtoras
de celulose em geral no mundo. Além disso, a Suzano possuí laboratórios
de pesquisa em Israel e na China
1. O projeto principal da
FuturaGene é a produção de uma variedade transgênica de eucalipto, que
pode aumentar a produtividade da planta em até 20%.
A introdução e ascensão do eucalipto transgênico é analisada por
diferentes movimentos sociais como algo que vai aumentar os impactos
sociais e ambientais. Ameaça inclusive a agricultura familiar, que é
responsável por cerca de 70% da produção de alimentos que abastecem a
população brasileira, embora ocupe somente 25% da área de propriedades
rurais
2.
No mesmo dia da ação contra a FuturaGene, acontecia em Brasília uma
reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN – Bio), em
que foram liberadas para o consumo humano duas variedades de milho
transgênico
3.
A reunião iria decidir também sobre a liberação do eucalipto. Porém,
segundo nota da assessoria de imprensa da comissão, a decisão foi adiada
devido à grande pressão que movimentos sociais estão exercendo na
pauta. Segundo Paulo Kageyama, Doutor em Genética e Melhoramento de
plantas pela USP, os impactos causados pelo eucalipto transgênico são
grandes.
A produção de mel brasileira merece destaque, pois 80% dela é orgânica
5.
A exportação do produto ficará comprometida, porque o mercado
internacional não aceitará a compra do mel brasileiro: há o risco de que
o pólen oriundo do eucalipto transgênico altere a composição do mel,
podendo apresentar riscos à saúde humana. As pesquisas realizadas pela
FuturaGene não estudam “organismos não alvo”, como por exemplo abelhas
que produzem o próprio mel.O eucalipto H421, como é chamado a espécie
transgênica, tem como objetivo reduzir o ciclo de corte das árvores de 7
para 4 a 5 anos. Isso geraria “um impacto drástico nas microbacias
nessas plantações, que agravaria drasticamente a atual crise hídrica”. É
o chamado “deserto verde”, pois a planta suga os recursos hídricos do
solo e não há espaço para outras variedades onde o eucalipto é plantado.
Além disso o pólen transgênico gerado pela planta comprometeria a
produção de mel, que é feita por cerca de 350 mil pequenos agricultores
4.
Entretanto, o “H421” não é somente um risco à saúde e ao meio
ambiente. Ele é uma ameaça a vida campesina, pois “a articulação entre
plantio florestal e indústria de papel e celulose tem imposto aos
camponeses deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida,
supressão da diversidade biológica e social”
6.
O trecho citado no parágrafo anterior é de um artigo publicado na revista eletrônica
Geographia Opportuno Tempore,
da Universidade Estadual de Londrina. Os pesquisadores apontam inúmeros
problemas ambientais e sociais que a monocultura do eucalipto traz,
tendo como base os conflitos entre a Suzano e os camponeses da região do
leste maranhense.
Segundo o relatório “Conflitos no campo do Brasil”, feito pela
Comissão Pastoral da Terra, somente no Maranhão a Suzano está envolvida
em conflitos com cerca de 534 famílias
7. O relatório é de
2011 e é possível que esse número tenha aumentado, pois a Suzano vem
expandindo seus negócios, com o objetivo de se tornar a maior produtora
de papel e celulose do Mundo.
É dentro desse contexto que se faz possível uma análise do ato das
mulheres do MST. “Destruir ou saquear mercadorias possibilita que a
pessoa expresse abertamente uma crítica radical a empresas específicas
ou ao capitalismo e à sociedade de consumo como um todo…”
8.
Ações diretas contra transgênicos não são novidade alguma. O grupo francês
Les Faucheurs Volontaires (Ceifadores Voluntários) atua desde o final da década de 1990
9.
Foram quem difundiu o repertório de ação coletiva contra mudas de
plantas transgênicas e, muito provavelmente, os sem-terra brasileiros
acompanham as ações do movimento.
A
tática usada pelos “ceifadores” foi a mesma empregada pelo MST. Eles
atacam centros de pesquisa e desenvolvimento de organismos geneticamente
modificados e destroem mudas e plantas. Durante muito tempo, plantações
de milho transgênicas foram atacadas, até a proibição do milho
transgênico em março de 2014
9. O último alvo da organização
foi uma plantação de uvas destinadas a produção de vinhos, que foram
geneticamente modificadas pelo Instituto Nacional Francês de Pesquisas
Agrícolas, para resistir a um vírus transmitido por minhocas
10
Ao que tudo indica, na França a mobilização contra os
transgênicos ganhou adesão de parte da sociedade devido, em parte, a
ações como essa. Na década de 1990, o país era o segundo do mundo em
pesquisa e testes de transgênicos, perdendo somente para os EUA. Hoje há
uma rejeição por parte da sociedade francesa para com alimentos
geneticamente modificados.
11
Para José Bové, membro do Parlamento Europeu, os ataques a plantações
de organismos geneticamente modificados foram essenciais na luta contra
os transgênicos na Europa. Segundo o ecologista “sem a destruição de
campos transgênicos, hoje estariam sendo impostos à força pelas
multinacionais”
12.
Quando contestado sobre os métodos, que algumas pessoas consideram
violentos, Bové rebateu. Argumentou que nas ações contra os campos as
pessoas não eram alvos de ataques, e o direito a pesquisa também é
garantido, pois o que é destruído não são os dados científicos e sim as
plantas. Apesar da pesquisa ser prejudicada, todos os dados coletados
estão guardados.
Vale ressaltar que diversos movimentos sociais usam de métodos
considerados como violentos. Os movimentos contra a globalização, por
exemplo, foram considerados extremamente violentos em 1999, em protestos
anti globalização e contra a reunião da Organização Mundial do
Comércio.
Ruas foram bloqueadas e múltiplas lojas foram atacadas. Entretanto os
manifestantes argumentavam que “propriedade não sente dor”, ou seja,
não é possível cometer violência com “coisas”. Outra justificativa para
os atos é a desproporcionalidade entre os atos dos manifestantes e as
violências impostas pela globalização para as pessoas.
13 A reunião da OMT teve que ser cancelada devido à grande pressão exercida.
Outro ponto importante é o ponto de vista da origem da violência.
Como foi demonstrado no decorrer do artigo, usando como base o relatório
da Pastoral da Terra sobre Conflitos no Campo do Brasil, a empresa
Suzano está envolvida em inúmeros processos contra camponeses. O artigo
publicado na
Geographia Opportuno Tempore também prova que a vida da população campesina é afetada pelas ações da multinacional. Não seria a atuação da Suzano violenta?
Jean-Paul Sartre, no prefácio que escreveu do livro de Frantz Fanon,
Os Condenados da Terra,
afirma: “nenhuma suavidade apagará as marcas da violência; só a
violência é que pode destruí-las” 14. Não seria a ocupação da fábrica e a
destruição das mudas uma resposta legítima contra a violência da Suzano
e a ameaça que “H421” constitui contra a vida campesina e ao meio
ambiente?
Considerando os fatos expostos, pode-se afirmar que: o alvo destes
ataques – dos ceifadores e do MST-, não eram os trabalhadores e
pesquisadores, tanto que não foram registrados ferimentos. Mas as
empresas como a Suzano, que através da monocultura, concentração da
propriedade de terra, e suas políticas empresarias ameaçam o meio
ambiente e a saúde das pessoas e do próprio campesinato. Com a
destruição das mudas, a intenção foi trazer para o debate a questão
sobre o eucalipto transgênico e ao modo como a Suzano conduz suas
atividades no interior do Brasil.
- http://www.suzano.com.br/portal/grupo-suzano/grupo-suzano-nomundo.htm
- http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2014/10/agricultores-familiares-diversificam-producao-para-garantir-lucro-no-pr.html
- http://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2015/03/ctnbio-recua-eadia-liberacao-do-eucalipto-transgenico-2356.html
- Considerações sobre o Eucalipto Transgênico H421 da
FuturaGene/Suzano Papel e Celulose – Paulo Yoshio Kageyama, professor
titular da USP, agrônomo e doutor em genética
- http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/01/ os-dilemas-do-primeiro-eucalipto-transgenico-do-mundo.html
- ARNALDO DOS SANTOS, J.; VIEIRA OLIVEIRA, D.; BARROS DA COSTA, S.
DESENVOLVIMENTO, CONFLITOS E IMPACTOS AMBIENTAIS: A TERRITORIALIZAÇÃO DA
SUZANO E A RESISTÊNCIA CAMPONESA NA MESORREGIÃO LESTE MARANHENSE. Geographia Opportuno Tempore,Londrina, v.1, n.2 jul./dez. 2014. Disponível em http://www.uel.br/ revistas/uel/index.php/Geographia/article/view/17887 acesso em 7 de Março de 2015.
- Conflitos no Campo do Brasil 2011. Disponível em: http://
cptnacional.org.br/index.php/component/jdownloads/finish/43-conflitosno-campo-brasil-publicacao/274-conflitos-no-campo-brasil-2011?Itemid=23 acesso em 7 de Março de 2015
- Dupuis-Déri F. (2007). Black Blocs. Tradução por Guilherme Miranda. 2007. São Paulo: Editora Veneta LTDA, 2007. 116 p.
- http://www.reuters.com/article/2014/05/05/france-gmo-idUSL6N0NR2MZ20140505 ; http://www.occupy.com/article/europe-march-against-monsanto-latestrejection-gmo-giant
- http://www.theguardian.com/world/2010/aug/24/raid-destruction-french-gm-vines
- Seminário de 10 anos de Transgênicos no país –Autora: Jana Farias, 2013. Disponível em: http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2014/05/relatorio-10-anos-transgenicos-vers%C3%A3o-final-mar%C3%A7o-2014.pdf acesso em 10 de março de 2015
- http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/13418-sem-a-destruicao-de-campos-transgenicos-hoje-estariam-sendo-impostos-a-forca-pelas-multinacionais-entrevista-com-jose-bove
- Dupuis-Déri F. (2007). Black Blocs. Tradução por Guilherme Miranda. 2007. São Paulo: Editora Veneta LTDA, 2007. 117 p
- Fenon F. (1968). Os Condenados da Terra. Prefácio de J. P.
Sartre.Tradução por Melo J. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira S. A.,1968. 14