“As lavouras de eucalipto
destinadas à pasta de celulose constituem grandes blocos de uma mesma e
única planta, multiplicada por técnicas de clonagem”, adverte o
engenheiro agrônomo.
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Foto: epocanegocios.globo.com |
Os argumentos favoráveis à
plantação de eucalipto transgênico foram aceitos em seção plenária, no dia 9 de abril, com a aprovação de 18 dos 21 membros da
CTNBio.
A partir dessa decisão, o plantio já “está valendo, embora os estudos
tenham sido realizados em áreas restritas, não cumprindo norma da CTNBio
que exige testes em todos os agroecossistemas”, critica
Leonardo Melgarejo, em entrevista concedida à
IHU On-Line por e-mail.
De acordo com o engenheiro agrônomo,
após o cumprimento de prazos de rotina, o eucalipto transgênico será
cultivado em todo o território nacional, com exceção das terras
indígenas e áreas de preservação nacional.
Na avaliação do engenheiro agrônomo, a autorização do plantio
de eucalipto transgênico atende ao mercado de pasta de celulose, que
“possui grande importância econômica”. Segundo ele, atualmente poucas
empresas que operam em “elevado nível tecnológico, necessitando de
grande volume de celulose, buscam as melhores opções para atender a demanda crescente
a custos reduzidos. Isto implica estimular o plantio de árvores de
rápido crescimento, nos locais onde este procedimento pode ser realizado
a mais baixo custo, e — ao mesmo tempo — tratar de modificar estas
árvores para facilitar sua transformação em papel, mantendo um olho na
própria produção e outro no da concorrência. Isto implica manter
excelentes programas de pesquisa e de comercialização”.
Melgarejo explica que o eucalipto transgênico tem um gene diferente, o chamado cel1,
“que atua sobre a parede das fibras de celulose, alongando-as”. Por
conta disso, “as árvores se tornaram ‘mais produtivas’ sob o ponto de
vista da celulose”.
Segundo ele, com o início dos
plantios transgênicos,
os tradicionais cultivos de sete anos serão substituídos por plantios
de cinco anos. “A cada cinco anos serão retiradas cerca de 250 toneladas
de madeira por hectare (isso nas carretas, correspondendo a pelo menos
150 toneladas de matéria seca), que para ser formada necessitou de água,
sol e minerais. Em 20 anos, teremos quatro ciclos, quatro saques
daquela dimensão. Com o eucalipto não modificado, que exige corte a cada
sete (e não cinco) anos, teríamos — nos mesmos 20 anos — três
retiradas. Substancialmente menos, como deveria ser óbvio”. E questiona:
“Neste sentido, ao longo do tempo, teremos menor aporte e maior volume
de retiradas. O que seria de esperar?”.
Entre as justificativas que permitiram a aprovação dessa espécie modificada, o engenheiro agrônomo informa que a
FuturaGene/Suzano
argumentou que a plantação seria uma maneira de ampliar a oferta de
papel, a qual “constituiria necessidade global e oportunidade para
captação de divisas”. Além disso, os defensores do plantio argumentam
que o “eucalipto transgênico seria mais produtivo do que os demais, e
isso — em tese — permitiria reduzir a necessidade de área, liberando
espaço para a produção de alimentos; não haveria implicações ambientais,
não haveria problema com o consumo de água, não haveria impactos sobre a
saúde, e os estudos aportados pela empresa seriam suficientes para
garantir estes pontos e outros”.
Contudo, enfatiza, as “fragilidades” apontadas por alguns membros da CTNBio
não foram respondidas, entre elas, a insuficiência de pesquisas para
“assegurar ausência de impactos ambientais” e “estudos insuficientes
para assegurar ausência de problemas aos consumidores de mel”. De acordo
com Melgarejo, perguntas como “o gene NPTII,
que confere tolerância a antibióticos, em longa série de uso, poderia
vir a ser absorvido por bactérias do trato intestinal e digestivo,
dificultando o tratamento de doenças?” e “estudos realizados com uma
espécie de abelhas seriam válidos para as centenas de espécies presentes
no território nacional?” ou, ainda, “uma árvore que produz quatro
ciclos em 20 anos e substitui outra, que produz apenas três ciclos no
mesmo período, não consumirá mais água e outros nutrientes?”, não foram
respondidas antes da aprovação do plantio.
Leonardo Melgarejo é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina -
UFSC. É coordenador do GT Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia.
Confira a entrevista.
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Foto: www.ecolnews.com.br |
IHU On-Line - Como surgiu a tentativa de aprovar a liberação do
eucalipto transgênico? Em que contexto essa proposta surge e por quais
razões?
Leonardo Melgarejo - O
mercado de pasta de celulose é fortemente oligopolizado e possui grande
importância econômica. Poucas empresas, operando em elevado nível
tecnológico, necessitando de grande volume de
celulose,
buscam as melhores opções para atender a demanda crescente a custos
reduzidos. Isto implica estimular o plantio de árvores de rápido
crescimento, nos locais onde este procedimento pode ser realizado a mais
baixo custo, e — ao mesmo tempo — tratar de modificar estas árvores
para facilitar sua transformação em papel, mantendo um olho na própria
produção e outro no da concorrência. Isto implica manter excelentes
programas de pesquisa e de comercialização. Os primeiros tratam de
“melhorar” as árvores no sentido de facilitar a produção da pasta, o que
significa basicamente acelerar o crescimento e reduzir o teor de
lignina, ampliando a proporção de celulose. São objetivos diferentes; o
primeiro é muito mais complexo, envolve muitos genes e ainda não está
dominado pela ciência. Para o segundo, a
FuturaGene/Susano encontrou uma solução relativamente simples. Simples agora, como no caso do ovo de Colombo.
Com a introdução de um único gene, chamado cel1,
que atua sobre a parede das fibras de celulose, alongando-as, suas
árvores se tornaram “mais produtivas” sob o ponto de vista da celulose. O
processo de obtenção da pasta se fez simplificado pela menor proporção
de lignina, que confere resistência à madeira. Árvores com mais lignina
são desejadas para quem pretende fabricar móveis, postes, casas, pontes,
mas não para quem pretende desmanchar a madeira e produzir papel. E
esta é uma das críticas ao eucalipto transgênico H421:
ele é péssimo para todos os usos de madeira que qualquer agricultor ou
indústria tradicional pretenda. Ele só é bom para fabricar celulose.
Assim, a contaminação de eucaliptos com outra finalidade, pelo pólen do
eucalipto H421, gerará “filhos” que não se prestarão
aos interesses de quem cultiva as árvores com objetivos distintos
daqueles dos “proprietários” do H421. Além disso,
aqueles “filhos” com o transgene “provarão” que o proprietário das
árvores “contaminadas” está usando indevidamente (vale dizer, roubando) a
tecnologia do “proprietário” do H421.
Voltando ao tema dos programas internos.
O setor envolvido com a promoção do plantio/comercialização das
empresas de celulose, trata da expansão — sempre com apoio do poder
público — de programas que garantam a implantação das lavouras de
eucalipto. Bem estruturadas campanhas de marketing trabalham imagens que
induzem a percepção coletiva a associar os eucaliptos às noções
ecologicamente positivas do “florestamento” ou “reflorestamento”.
Estes programas tendem a ser mais
agressivos em regiões de economia deprimida, onde os estímulos às
empresas de celulose se mostram facilitados pela débil legislação
ambiental, e é baixo o custo da terra. Acontece no
Uruguai, no
Paraguai, no
Brasil e em muitos outros locais do planeta. No
Rio Grande do Sul vivenciamos experiência marcante durante o governo
Yeda Crusius, em que programas de “reflorestamento” foram implantados na
área do pampa,
onde ao longo de milênios a natureza não optou por florestas. Sobre as
ilusões incorporadas naquele programa, recomendo leitura da tese de
doutoramento de
Patrícia Binkowski (
Dinâmicas Socioambientais e Disputas Territoriais em Torno dos Empreendimentos Florestais do Rio Grande do Sul – PGDR-UFRGS, 2014).
Obviamente estas
lavouras de eucalipto,
formando grandes blocos cultivados com um único tipo de planta, não
podem ser confundidas com florestas, que se caracterizam pela
diversidade de espécimes. Mais grave do que isso, as lavouras de
eucalipto destinadas à pasta de celulose constituem grandes blocos de
uma mesma e única planta, multiplicada por técnicas de clonagem. A
tecnologia atual permite isso: identificado um espécime que se destaca
pelo rápido crescimento, não é necessário esperar que seus filhos
cresçam e produzam sementes que serão cultivadas para verificar se a
característica desejada se mantém, e a partir dali gerar milhões de
mudas que serão levadas a campo. Técnicas de clonagem permitem passar
direto da árvore promissora para milhões de plantas da mesma árvore. Não
são irmãs; são réplicas da árvore original, com todas as suas
particularidades. A grande questão é que um clone não tem marca e,
portanto, não tem dono. Eles não carregam assinatura que permita
exclusividade de uso.
Clone
Já um clone com o gene cel1, registrado em nome de determinada empresa, não poderá ser utilizado por outras empresas, sem a anuência da primeira. A patente
daquela construção genética e a garantia de que o transgene estará
presente em todas as células do clone modificado conferem enorme
segurança à empresa detentora dos direitos de propriedade. Suas
concorrentes estarão cometendo crime, se utilizarem a tal árvore sem
autorização expressa. É relevante dizer, neste ponto, que uma vez
inserido determinado transgene no genoma de uma planta hospedeira, o
processo de regressão, de retirada daquele gene, se torna tão complexo,
oneroso e inseguro que deixa de ser interessante.
Assim, respondendo à pergunta: como
surgiu a tentativa de aprovação? O setor de pesquisas de determinada
empresa, em dado momento, se percebeu diante de grande oportunidade:
dispunha de um clone de alta produtividade e domínio sobre conjunto de
dois genes que permitem ao mesmo tempo alterar a estrutura das cadeias
de celulose (o
gene cel1) e mapear com segurança sua presença (o
gene NPTII). A inserção destes genes no chamado evento
H421 e a
autorização da CTNBio para plantio desta nova planta, em todo território nacional, confere enorme vantagem comercial para a empresa
FuturaGene/Suzano
em relação a seus concorrentes. Trata-se de grande passo porque, uma
vez aprovado no Brasil, este eucalipto tende a ser aprovado em outros
locais do planeta.
"Lavouras
de eucalipto, formando grandes blocos cultivados com um único tipo de
planta, não podem ser confundidas com florestas, que se caracterizam
pela diversidade de espécimes"
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IHU On-Line - Em que consiste o eucalipto transgênico? Quais são suas propriedades em relação ao eucalipto normal?
Leonardo Melgarejo – Trata-se de um eucalipto transformado para facilitar sua decomposição em pasta de celulose. Quando os genes ce1 e npt11 foram apresentados à CTNBio,
nos primeiros processos de liberação planejada (ensaios de campo)
envolvendo o eucalipto transgênico, não havia qualquer menção à
produtividade. O discurso referia alteração nas fibras de celulose e
otimização do processo industrial. Mais recentemente isso mudou. O
discurso dos ganhos de produtividade parece, por este motivo, ligado à
inserção daqueles genes em clone mais produtivo, como comentado acima.
Na Audiência Pública promovida pela CTNBio, a pedido da Empresa, Dario Grattapaglia, representante da EMBRAPA,
afirmou conhecer clones modernos, que ofereceriam ganhos de
produtividade equivalentes, na ausência da transformação genética
incorporada ao H421.
IHU On-Line - Como foi a votação
da liberação do eucalipto transgênico na CTNBio? Quais foram os
argumentos favoráveis e contrários à liberalização?
Leonardo Melgarejo - Os argumentos favoráveis foram apresentados pela empresa e aceitos pela maioria dos membros da
CTNBio,
sendo repetidos no parecer consolidado, favorável ao pedido da empresa.
Basicamente, a ampliação na oferta de papel constituiria necessidade
global e oportunidade para captação de divisas; o eucalipto transgênico
seria mais produtivo do que os demais, e isso — em tese — permitiria
reduzir a necessidade de área, liberando espaço para a
produção de alimentos;
não haveria implicações ambientais, não haveria problema com o consumo
de água, não haveria impactos sobre a saúde, e os estudos aportados pela
empresa seriam suficientes para garantir estes pontos e outros,
destacando vantagens e oportunidades de renda para agricultores de
pequeno porte, estabelecidos em áreas pouco afeitas a outro tipo de
atividade que não a silvicultura. Talvez existam outros argumentos, que
agora não recordo. Enfim, diante de vasto conjunto de vantagens e
ausência de riscos relevantes, a
maioria dos membros da CTNBio votou pela aprovação.
“Pressão do ministro”
Isto ocorreu em
seção plenária do dia 9 de abril de 2015. É importante destacar que no dia anterior, e a portas fechadas, os membros da
CTNBio escutaram preleção do Ministro da Ciência, Tecnologia e Informação,
Aldo Rebelo.
Em sua fala, o ministro criticou pessoas contrárias à aprovação do
eucalipto e enalteceu posições a favor, contribuindo de forma inesperada
para o resultado. Dada sua posição e compromissos, considerando ainda
que o
MCTI indica a maior parte dos membros da
CTNBio, o ato foi surpreendente. Não tenho conhecimento de gesto parecido, na história da
lei de Biossegurança e da
CTNBio. Atitude desnecessária e triste, reveladora de parcialidade. Na perspectiva da
CTNBio,
que deveria se pautar por razões técnicas, a pressão do ministro parece
mesmo inaceitável, ainda mais porque sua assessoria proibiu inclusive o
acesso de servidores públicos, funcionários de outros ministérios, a um
ambiente público, onde o livre acesso seria garantido pela legislação.
A atitude do ministro possivelmente se deu em represália à ação do
Movimento das Mulheres Camponesas, que em
4 de março de 2015 interrompeu a reunião antes da leitura do parecer de
Kageyama,
que havia pedido vistas ao processo no mês anterior. A ação das
mulheres camponesas, principais responsáveis pela elaboração da
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - PNAPO e do
Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - PLANAPO se compreende. A aprovação do eucalipto ameaça a ambos. Aliás, o parecer de
Kageyama é claro neste sentido. O pólen do
H421
estará presente no mel produzido a partir de flores de eucalipto
transgênico, e isso acabará com nosso acesso ao mercado internacional de
mel orgânico, importante fonte de renda para milhares de apicultores
brasileiros. Que motivo levaria os interesses de poucos produtores de
pasta de celulose serem tão mais importantes do que as necessidades de
milhares de produtores de mel, a ponto de mobilizar um ministro, em
defesa de seus interesses?
Argumentos contrários
Os argumentos contrários, voto vencido, apontavam fragilidades do processo.
Estudos insuficientes para assegurar ausência de impactos ambientais. Estudos insuficientes para assegurar ausência de
problemas aos consumidores de mel (o gene
NPTII,
que confere tolerância a antibióticos, em longa série de uso, poderia
vir a ser absorvido por bactérias do trato intestinal e digestivo,
dificultando o tratamento de doenças?), às abelhas (estudos realizados
com uma espécie seriam válidos para as centenas de espécies presentes no
território nacional?) e a populações residentes em áreas com
histórico de déficit hídrico
(uma árvore que produz quatro ciclos em 20 anos e substitui outra, que
produz apenas três ciclos no mesmo período, não consumirá mais água e
outros nutrientes?). Por que a antecipação da colheita reduziria a
necessidade de terras, se o plantio de eucaliptos prevê vários ciclos?
Além disso, a empresa pretende dar livre acesso a seu clone modificado,
de modo que todos os produtores de pasta de celulose se “beneficiem”
daquela tecnologia? E se isso acontecer, os impactos sobre o ambiente e
os ciclos hídricos não serão agravados?
Os estudos da empresa não apontavam
respostas a estas questões. Adicionalmente, algumas pesquisas de campo
em andamento, aprovadas pela
CTNBio, ainda não haviam sido concluídas. A empresa teria solicitado autorização para estudos irrelevantes? A
CTNBio teria autorizado pesquisas desnecessárias, permitindo — para tanto — o plantio de árvores transgênicas? Em respeito ao
Princípio da Precaução, estes e outros elementos discutidos na AP e incluídos no parecer de
Paulo Kageyama, apontavam necessidade de mais tempo, mais pesquisas. E o Dr.
Paulo Kageyama
sugeria que o processo fosse devolvido à empresa para incorporar os
esclarecimentos necessários. Talvez a presença do ministro, no dia
anterior, não tenha sido decisiva, embora com certeza deva ser
considerada marcante. Mas o fato é que
18 membros da CTNBio votaram pela aprovação e apenas três votaram contra. Os votos contrários foram do MDA (
Paulo Kageyama), do MRE (
Geraldo Miniuci Ferreira) e de especialista representante da Agricultura Familiar (
Suzi Cavalli).
"Que
motivo levaria os interesses de poucos produtores de pasta de celulose
serem tão mais importantes do que as necessidades de milhares de
produtores de mel, a ponto de mobilizar um ministro, em defesa de seus
interesses?"
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IHU On-Line - A partir de quando será permitida a plantação desses eucaliptos?
Leonardo Melgarejo - Já está valendo, embora os estudos tenham sido realizados em áreas restritas, não cumprindo norma da CTNBio
que exige testes em todos os agroecossistemas. Resta o cumprimento de
alguns prazos de rotina, e então ele poderá ser cultivado em todo o
território nacional, excluídas terras indígenas e áreas de preservação
em parques nacionais. Entre estes prazos, o mais relevante se refere à
avaliação do Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS.
O CNBS deve se manifestar em 30 dias, examinando os impactos
socioeconômicos e julgando sobre a conveniência e oportunidade de apoiar
a recomendação da CTNBio. Se o CNBS não se reunir e não emitir parecer, interpreta-se que ele acata e endossa as recomendações da CTNBio.
Trata-se de espaço de esperança, embora o CNBS tenha se reunido em apenas três ocasiões, quando referendou o ponto de vista da CTNBio, contrariando manifestações da ANVISA, IBAMA, MDA e outros. No Brasil já foram liberados cerca de 70 Organismos Geneticamente Modificados - OGMs, sem manifestação do CNBS. Mantida esta rotina, mais uma “recomendação” da CTNBio se transformará em “decisão” do Brasil. Após estes 30 dias, o H421 passará pelo sistema de registros do MAPA (que votou a favor de pedido da Empresa) e estará liberado.
IHU On-Line - O que muda na silvicultura após a aprovação do eucalipto transgênico?
Leonardo Melgarejo - Em tese, apenas os riscos para os
produtores de mel e os problemas para os habitantes de áreas com
deficiência hídrica
onde vierem a ser implantados os maciços destas lavouras. Também se
ampliarão os ganhos e o valor das ações da empresa que detém aquela
tecnologia.
IHU On-Line - Em que outros lugares do mundo esse tipo de planta é permitida?
Leonardo Melgarejo - Em local algum.
IHU On-Line - Quais as
implicações ambientais da plantação do eucalipto transgênico, tanto para
o solo quanto para os recursos hídricos e outras culturas?
Leonardo Melgarejo -
Serão brutais. Embora alguns pesquisadores afirmem que a preocupação com
a água é bobagem porque os ciclos permanecerão e a água “não
desaparecerá”, o fato é o seguinte: teremos plantios destas lavouras,
que serão colhidas aos cinco anos. A cada cinco anos serão retiradas
cerca de 250 toneladas de madeira por hectare (isso nas carretas,
correspondendo a pelo menos 150 toneladas de matéria seca), que para ser
formada necessitou de água, sol e minerais. Em 20 anos, teremos quatro
ciclos, quatro saques daquela dimensão. Com o eucalipto não modificado,
que exige corte a cada sete (e não cinco) anos, teríamos — nos mesmos 20
anos — três retiradas. Substancialmente menos, como deveria ser óbvio. A
água será buscada pelas raízes profundas do eucalipto, em mananciais
subterrâneos, cujo reabastecimento depende da chuva. Ocorre que as lavouras de eucalipto
detêm, na copada, boa parte da água das chuvas. Parcela significativa
da precipitação simplesmente não chega ao solo; é evaporada pela ação do
vento. Como deveria ser óbvio, isto impactará sobre o reabastecimento
dos lençóis freáticos. Neste sentido, ao longo do tempo, teremos menor
aporte e maior volume de retiradas. O que seria de esperar?
Penso que qualquer estudante de agronomia poderá demonstrar que esta equação obrigatoriamente resultará em
degradação do solo
e redução da disponibilidade de água. Outras atividades serão
prejudicadas e, com o tempo, as lavouras de eucalipto migrarão para
novas áreas. A lógica do plantio em terras de terceiros é bastante
inteligente: após alguns ciclos o “fornecedor” da madeira se defrontará
com solos empobrecidos, cobertos de tocos de eucaliptos, com raízes
profundas e de difícil extração.
"Uma
vez inserido determinado transgene no genoma de uma planta hospedeira, o
processo de regressão, de retirada daquele gene, se torna tão complexo,
oneroso e inseguro que deixa de ser interessante"
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IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Leonardo Melgarejo - Sim. Sugiro que sobre este assunto sejam consultados Paulo Kageyama, João Dagoberto dos Santos e Betina Blochtein. Eles estiveram na Audiência Pública expondo argumentos que foram desconsiderados pela CTNBio.
Felizmente as mulheres rurais realizarão este ano nova
Marcha das Margaridas e, em sua condição de principais responsáveis pela
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica,
voltarão a chamar atenção para as implicações da aprovação desta árvore
transgênica, bem como de outras “recomendações” e decisões da
CTNBio.
Percebam que uma árvore tem longo
horizonte de vida, e que a autorização de plantio antes da conclusão dos
estudos, caso se revele equivocada, assegura vasto período de problemas
potenciais. Os impactos sobre as abelhas, por exemplo,
se ocorrerem, podem vir a ser catastróficos e generalizados. Os
impactos sobre a água não são menos relevantes, mas ficarão restritos a
plantios realizados em regiões de déficit hídrico. No caso gaúcho, isso
inclui todo o bioma pampa.
Espero que os membros da CTNBio, em sua decisão problemática, não estejam errados, de forma a não prejudicar toda a sociedade.
Quanto à
ação das mulheres
impedindo a votação no mês de março, penso que agiram em defesa de seu
compromisso, pensando nos interesses da coletividade. Uma atitude
desesperada diante de situação desesperadora. Parece mais fácil de
compreender do que o movimento do Ministro
Rebelo,
fortalecendo argumentos pela aprovação do pedido da empresa, e talvez
assim induzindo parte dos membros da comissão a uma decisão que deveria
se restringir ao exame dos documentos incorporados ao processo.
Espero que a sociedade, o Centro de
governo, o Ministério Público Federal e as Comissões de Ética das
categorias profissionais representadas dentro da CTNBio atentem para estes fatos e encaminhem ações no sentido de esclarecer suas implicações e evitar que se repitam.
Por Patricia Fachin