segunda-feira, 29 de julho de 2019

Filosofia música e meio ambiente no Baixo Parnaíba


O filósofo e professor da UFMA Joedson Silva primava pelas boas músicas na sua lista seleta. O carro onde viajava não possuía som próprio e se não fosse por ele a viagem se resumiria a uma troca de conversas entre os ocupantes do carro. As músicas variavam de rock alemão dos anos 70, trip hop dos anos 90 e mangue beat recifense. O Dj filósofo perguntou se o carona reconhecia uma determinada música. O vocal melodioso lembrava a voz de Greg Lake do King Crimson. Errado. Velvet Underground. Banda americana icone dos anos 60. Um folk country urbano depressivo erótico. Uma viagem psicodélica que descomprimiu as impressões da viagem a noite pelo baixo Parnaíba. A manhã do dia seguinte se entregaria ao calor impenetrável. Vicente de Paula, recém recuperado de uma gripe, apresentava a Chapada ao filósofo que o fotografava com sua visão indolente. Ninguém esperava mais chuvas fortes no mês de junho em Buriti ou qualquer outro lugar. Vicente saira cedo dias antes para zelar a sua roça e não é que uma chuva se formou e derramou se rapidamente sem pedir licença e nem por favor. O calor do pós inverno é a norma da casa. Para onde iriam em seguida essa norma era mais cruel. Os agricultores de Brejo e Milagres não foram pareos ao agronegócio da soja. O século XXI não tem nada de ficção científica naquelas chapadas. Surgem máquinas mas não voadoras e sim suplantadoras do Cerrado Leste maranhense. Máquinas que aram (degradam) o solo. Entre tantos espaços vazios deixados pela soja recém colhida, um espaço se destacava pela vegetação e pelo gado que lá se recolhe. Os antigos posseiros aceitaram as propostas dos sojicultores e venderam barato suas posses. Só um não vendeu. Da destruição em massa promovida pela soja os impactos mais evidentes são a diminuição na fabricação de cachaça afinal não há mais madeira na Chapada para queimar nos alambiques e a poluição do Rio Buriti pelos agrotóxicos.
Mayron Régis

A pescaria numa terra proibida


Marquei uma pescaria no rio dos pretos – entre São Benedito e Urbano Santos – quase nos limites de Chapadinha, terra de criadores de porco e bode. Saira da sede da cidade as 14:00h, viajava pela chapada do meio – na estrada que dá acesso aos povoados Prata e Riacho Seco. O Bacabal de Santa Rosa era o ponto final. “A pescaria numa terra proibida” prometia.
Bacabal e Santa Rosa são duas comunidades vizinhas, áreas que estão em conflitos fundiários – de um lado a família Garreto e do outro os moradores. Bacabal nasceu de Santa Rosa – a Associação de moradores fora criada com o objetivo de entrar com um processo de desapropriação no Incra e arrecadar no Iterma o restante da chapada para as mais de trinta famílias camponesas que lá moram e trabalham de roça. Conheço o pessoal de Bacabal desde quando se iniciou o conflito há quase uma década atrás. Um povo hospitaleiro que vive no dia a dia do trabalho pesado da lavoura e da pesca artesanal, além de outras tarefas e práticas como o extrativismo. Participei de  muitas reuniões de organização, preparação e orientação da luta pela terra. Mas naquele dia a tarefa era outra – divertir-se um pouco com a arte da “pesca numa terra proibida onde quem chega por lá é indagado pelos moradores” e, interrogado sobre o que anda fazendo por aquelas bandas. É claro que essas interrogações não foram me dirigidas. Eles estão fazendo certo, pois a terra é seu bem maior, muitos visam aquela região de chapadas, babaçuais e matas virgens / poucos sabem seu importante valor econômico e social, cansaram de serem colonos e escravos dos que ainda se “dizem senhores”. A poeira da estrada estragara  minha garganta, rendendo mais de duas semanas de gripe forte e muita tosse. Mais de uma hora de viagem pelos “campos do gaúcho”. Este deu uma melhorada na estrada que vai para sua fazenda. Menos mal, mas não fizera a estrada para facilitar a vida dos moradores de Bacabal e Santa Rosa, mesmo assim eles a utilizam frequentemente, pois a outra estrada via Marçal é bem mais longe a distância para a cidade. Ao chegar, deixei a motocicleta em baixo do pé de jatobazeiro – arvore centenária que fornece uma boa sombra nas horas de reunião e também frutos para a meninada matar a fome. O enorme pé de jatobá é uma prova viva da existência e formação histórico-social daquela comunidade que se criara a partir das adjacências do campo de futebol – muito parecida com uma  aldeia indígena. Antes de ir para o rio, conversei um pouco com o presidente da associação sobre algum tipo de novidades, quase nada me dissera a respeito da questão que vem se arrastando, apenas falou da eleição da nova diretoria da associação que alguns dias tinha acontecido. As horas iam passando e eu tinha que pescar. A fome apertara também, pois não almocei nada naquele dia, esperava pegar algum peixe para comer assado com farinha lá mesmo na beira do rio. Segui para a ponte que liga o outro povoado vizinho, o rio baixara suas águas e, muito – notou-se a diferença de outras datas. Os anzóis e as redes foram pra dentro d´água, pouco beliscava, mas as redes fizeram a festa com as baranas e freixeiras, apesar das piranhas estragarem com seus afiados dentes. Anoitecia e outras iscas foram botadas para ferrar as catanas, tudo calmo – as horas passavam lentamente, se ouvia gritos de caçadores e latidos de cachorros ao longe, tiros de espingarda... as estrelas do céu eram a minha companhia. O pensamento viajava, concentrado lembrava de minha casa e decidia voltar ainda naquela madrugada. Fiz uma fogueira na beira do rio, botei alguns peixes para assar, depois jantei-os, bebi a água do rio preto e estava alimentado. Por volta de  1:00h hora da manhã decidi voltar pra casa, tinha pegado o suficiente para o almoço. No trajeto até o vilarejo de Bacabal Deus e a luz da lanterna eram meus guias. Chamei o morador da casa para pegar a chave da moto, não quis incomodá-lo, despedi-me e acelerei na volta para casa, subindo a ladeira até a planície da chapada. Viajar a noite não é uma boa experiência e ainda mais sozinho por aquelas brenhas. Os campos de eucaliptos faziam fronteiras com os carrascos e chapadas, a poeira ardia nos olhos. Mais de dois quilos de peixes vinha no côfo. O medo me apavorava.
Após horas de viagem, avistava-se os primeiros sinais das luzes da cidade. O medo foi passando assim que se aproximava da civilização. Chegava em casa as 3:00h da manhã, cansado, com peixe e uma bagagem para mais um ensaio literário... uma prosa sobre este tema que quase não tem tanto sucesso para muitas pessoas, mas para outras é de grande e estimável valor.     

José Antonio Basto