A Bacia Araguaia-Tocantins, desde o ano de 1996, vem seguindo o seu curso em meio a uma série de dúvidas, em relação ao seu futuro, por conta da implantação de uma série de hidrelétricas, por conta da idéia de construir uma hidrovia, por conta dos vários projetos de fruticultura e de soja e, também, por conta do projeto de transposição do Rio Sono.
O jornalista Glenn Switkes, representante da Rede Internacional de Rios, em seu texto “Antes do Dilúvio”, presente no livro “Escritos sobre a Água”, afirma que mais de 100.000 pessoas serão despejadas, enquanto que 12.500 quilômetros quadrados serão inundados, produzindo uma série de lagos ao longo de toda a Bacia Araguaia-Tocantins, caso sejam construídas as 50 hidrelétricas previstas para a região. “Um massacre biológico, uma diáspora social”, nos mostra Glenn ao longo de todo o texto. Contudo, mesmo com uma série de denúncias e mobilizações, parece que o que é dito e escrito sai por um ouvido e entra pelo outro.
No início desse processo de destruição, em 1996, o presidente do Tribunal Regional Federal concedeu uma liminar permitindo que a hidrelétrica de Serra da Mesa fechasse as comportas para criar o maior lago, em termos de volume de água (54,4 milhões de metros cúbicos) na América Latina (área 1.784 km2). O argumento que o juiz utilizou, e que veremos mais tarde, ainda é muito utilizado pelo poder judiciário, é que o crescimento econômico do Brasil se inviabilizaria por falta de energia.
No texto “Do Tocantins seco a Marte”, o jornalista Washington Novaes, revela que, com esse tipo de argumento, o juiz passou por cima da Constituição federal e não observou várias questões ambientais, questões “…que as exigências da licença ambiental, com quase toda a certeza, não conseguirão remediar.” As conseqüências desse desatino foram o massacre de animais que não puderam ser salvos pelo pessoal contratado para salvá-los e ter tornado o rio Tocantins seco durante um ano de nossas vidas.
Acaso essas informações tivessem sido colocadas à disposição da justiça a tempo, o juiz teria concedido a liminar para a hidrelétrica de Serra da Mesa? Não temos respostas precisas, mas muitas das informações imprescindíveis, para avaliarmos um determinado projeto, encontram-se guardadas a sete chaves em órgãos como Aneel e Ibama.
Um determinado relato diz que o próprio Ministério das Minas e Energia conseguiu acesso a uma série de hidrelétricas, situadas no rio Verde (GO), porém não teve acesso ao projeto de Couto Magalhães, no Alto Araguaia, o qual, segundo a Aneel, não poderia ser disponibilizado. Com esses exemplos ficam as dúvidas a respeito dos projetos e quais iniciativas devem ser tomadas, a fim de questioná-los. Se o projeto não tem problemas sérios, por que o sigilo e a pressa em licitá-lo, como a Aneel se acostumou a fazer?
No caso do Ibama, o sigilo é uma forma de se proteger das várias pressões político-econômicas que estão por detrás desses grandes projetos, até mesmo as pressões do próprio governo. Até o momento, o Ibama está segurando o licenciamento ambiental de três grandes projetos na Bacia Araguaia-Tocantins: Couto Magalhães, São Salvador e Estreito. As duas primeiras foram licitadas em 2001 e a segunda em 2002. Se essas três hidrelétricas têm problemas sérios, com relação ao seu licenciamento, por que o Ibama não nega logo, e acabou-se?
Aparentemente, o Ibama não quer passar por um órgão que está aí para impedir o progresso do país e, também, sabe que as injunções políticas são muito fortes, por isso ganha tempo. Com relação à hidrelétrica de Couto Magalhães, por exemplo, já foram pedidas várias alterações no projeto original para o consórcio Enercouto (EDP e grupo Rede). Porém, pelo visto, essas alterações não mudaram, em nada, as razões que impossibilitam a sua construção.
Algumas dessas razões são que o rio Araguaia ainda é um rio sem barramentos, segundo despacho da equipe do Ibama, que sugeriu o não licenciamento de Santa Isabel, e que o Ministério Público Federal já se colocou contra qualquer empreendimento de grande porte no rio. O que é de estranhar é o não licenciamento de Estreito, no médio Tocantins, aparentemente, um projeto com não tão graves problemas ambientais. Ou será que não?
Provavelmente, o Ibama tem uma série de dúvidas em relação a esse projeto, dúvidas que já foram enviadas ao consórcio Ceste (Tractebel, CVRD, Alcoa, Billiton e Camargo Côrrea), mas que não foram respondidas a contento. Essas dúvidas também se mostram presentes na ação do Ministério Público Federal contra a licitação e o licenciamento de Estreito, contudo as colocações levantadas pelo MPF não satisfizeram o judiciário que negou a liminar.
Pelo visto, para o judiciário levantar questionamentos ou dúvidas não são suficientes para diminuir o valor do empreendimento perante a sociedade. Enquanto isso, as dúvidas vão se movendo junto com os rios Araguaia e Tocantins.
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