sexta-feira, 17 de julho de 2020
O terreno em disputa da Literatura
“Não quero falar de mim mas seguir de perto o século o rumor e a germinação do tempo. Minha memória e hostil a tudo que é pessoal. Se dependesse de mim eu me limitaria a franzir o cenho ao recordar o passado. Nunca consegui entender os Tolstois os Aksqkov todos esses netos Bagrov apaixonados pelos arquivos familiares carregados de lembranças épicas domésticas. Repito: minha memória não é amorosa mas hostil e não trabalha a reprodução mas o descarte do passado. Um raznotchinietz não precisa de memoria, basta-lhe falar dos livros que leu e sua biografia está pronta.” Quantos e quais livros serão lidos durante uma vida? Ossip Mandelstam, poeta judeu russo do começo do século XX, passou a vida estudando, lendo e escrevendo. Essa dinâmica de vida não arrefeceu nem mesmo em tempos do stalinismo que proibia os escritores e intelectuais de exercitarem seus ofícios. A vida de um judeu que quisesse ascender socialmente em países antissemitas como a Russia precisava se dedicar a leitura e a escritura pois ocuparia um cargo na estrutura burocrático administrativa do Estado russo, cargo indesejado pelas classes dirigentes. Quem passou a vida lendo como Mandelstam ”basta lhe falar dos livros que leu e sua biografia está pronta.” Qual filho das classes dirigentes russas ou de qualquer outro pais alegaria tal feito para sua biografia bastar? Um jovem brasileiro da elite, caso quisesse escrever sua biografia, bastaria falar dos livros que leu? Um jovem brasileiro da elite caso quisesse aparentar ser um bom partido exporia os livros que leu ou as propriedades que herdará de sua família? Um jovem brasileiro da elite que quisesse impressionar uma jovem lhe compraria um livro ou lhe daria um vestido? A construção textual é uma disputa ideológica e semântica entre as classes sociais e é o terreno onde o escritor/intelectual é mais fiel a si mesmo.
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