quarta-feira, 15 de julho de 2020
"maria cagona" ou a ignorância relativa
Ele era um péssimo guardador de nomes (pessoas e ruas) e feições (pessoas). Verdade, verdade, ele era péssimo guardador em tudo. O pai cuidava de plantas no quintal, no terraço e na calçada. O pé de acerola carregava de frutas e o pai ou a mãe quase suplicava para que ele apanhasse as frutinhas. Fazia questão de tomar o suco, mas se meter pelos galhos do pé de acerola não lhe aprazia. Irritava a pele. O amor platônico pelas plantas era inquestionável. O amor carnal ou o contato físico com as plantas, ele evitava. Não era um plantador nato. O seu pai tanto era que dava plantas, galhos e folhas para os vizinhos. Por conta da pandemia, para proteger os pais, ele transmitia mensagens, comprava remédios e entregava as plantas que seu pai lhe pedia. Entregou um pé de cajá para a senhora Vitória e perguntou das goiabas a pedido do pai. “Ah, as goiabas amadureceram bem, estavam parrudas. Aí as rolinhas bicaram as frutas tanto que estragaram todas”. Pensou em dizer tudo bem, os animais têm direito a se alimentar das frutas, recuou porque, certamente, a dona Vitoria discordaria. Caso alguém lhe pedisse uma referência, ele diria uma planta cumpridona com flores brancas na calçada de sua casa. O máximo que guardava de referências botânicas no espaço urbano até aquele momento porque de uma hora para outra aprendeu uma outra planta. Terça feira é dia do carro do lixo passar pelo bairro e nesse dia o vizinho evangélico parou em frente a planta de flor branca com o olhar em direção a um plano mais embaixo. “Seu pai se encontra em casa? ” ” Não, foi caminhar” “ Essa planta de flores branca e roxa no chão se chama “”Maria Cagona”’. Por um acaso a sua propagação se dá por semente ou por galho? ” “Rapaz, não sei. O meu pai não demora a chegar. “ O vizinho, que mexia com remédios naturistas, interessava-se por plantas rasteiras nascidas espontaneamente em calçadas. “Eu li na internet que ela é medicinal.” “Sim, mas ela é boa pra quê? ” “ Planta medicional, não dizia mais nada. ” A ignorância, por mais relativa que seja, não é uma propriedade de apenas um homem...
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