quinta-feira, 1 de outubro de 2020
Um desejo subtendido
Não via problema em escutar as conversas alheias. Ele não ficava alheio ao que o rodeava. As pessoas no terminal de integração de ônibus da Praia Grande em São Luis conversavam entre si como se estivessem em casa ou em uma mesa de bar. A conversa só interessava a elas e se alguém de fora escutasse não dariam a menor importância. Em situações normais, as conversas só interessam a quem as veiculam e a quem elas se destinam. Um transeunte pode parar e escutar por alguns minutos a conversa que o resumo da ópera será relacionamento, desemprego, grana, comida e etc. Um bisbilhoteiro, um pouco agoniado e com um pouco de pressa, desviava dos passageiros que desembarcavam dos ônibus no terminal com os olhos voltados para a saída. As conversas não cessavam de forma alguma. Nem que os vereadores baixassem uma lei que proibisse conversas em espaço publico. Ele evitava o contato físico com os demais passageiros que esperavam o derradeiro ônibus, entretanto o contato auditivo era inevitável. A vendedora negra abria seu coração para outra mulher que não pôde divisar: “ Na hora do almoço, botei um tempero que a comida ficou deliciosa”. Para alguém abrir seu coração a respeito da comida que cozinhou, o ouvinte deve ser de confiança ou pelo menos aparentar confiança. Em determinadas conversas, o sigilo deve prevalecer, ensinou uma professora de português. O vendedor de bolos perguntava meio besta para uma senhora: “ A senhora gosta desse bolo, não gosta? ”. A resposta ficou no ar como um desejo subtendido.
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