domingo, 23 de maio de 2021
Baião de dois
O arroz na historia recente do estado do Maranhão nunca saiu de cena e nunca saiu de cima da mesa na hora do almoço dos maranhenses. Muito se comentou que a base alimentar do maranhense, em qualquer canto do estado, é arroz, farinha e alguma carne. O suficiente para aguentar o tranco do dia. Essa base alimentar se alterou em algum ou outro detalhe, nos últimos anos, mas o maranhense continua fiel ao arroz, a farinha, e quando é possível, um feijão e uma carne. É sempre bom relembrar que os alimentos produzidos no Brasil não chegavam a mesa do cidadão comum. E essa circunstância prevalecia, sobretudo, na disponibilidade de carne bovina. Quem comia carne comia carne considerada de segunda, boa para um cozidão. A carne não vinha sozinha; ela vinha banhada em muita água e vinha acompanhada de matos e de verduras. Nem sempre era possível comer carne e o cardápio se fixava no arroz. O Maranhão foi no inicio dos anos 80 um dos maiores produtores de arroz do Brasil. Em anos posteriores, o estado trocou o status de produtor de arroz pelo status de produtor de soja e mais recente de produtor de milho, culturas voltadas para exportação e não para a alimentação da sociedade maranhense. A visão de um campo de futebol na zona rural de São João do Soter, centro leste maranhense, despertou a lembrança do jogo de travinha na ruas de São Luis, uma modalidade de futebol que poucas crianças e jovens ainda praticam. Jogar travinha resultava várias vezes em confusões com os donos ou as donas das casas onde as bolas caiam ou onde as bolas quebravam algum utensilio domestico. Uma pratica social que vem sumindo aos poucos no maranhão é o das pessoas convidarem recém-chegados ou visitas inesperadas a almoçarem, caso seja hora do almoço. O senhor Edivaldo, presidente da associação da comunidade quilombola do Jacarezinho, convidou a equipe do Fórum Carajas e da diocese de Caxias, a entrarem em sua casa e provarem um almoço preparado por sua mulher enquanto eles conversavam do lado de fora. O presidente da associação se encontrava impedido de circular pelas comunidades vizinhas por obra e graça de uma liminar dada pela justiça de Caxias em favor de um senhor conhecido por Jonhy, segundo alguns, um paraguaio de origem e um plantador de soja. Este senhor planeja se apossar de uma área de 1500 hectares de uma comunidade próxima ao Jacarezinho e como o senhor Edivaldo é uma liderança que organiza os quilombolas contra o assedio exercido por grileiros, essa decisão judicial é uma forma de quebrar a unidade do território quilombola de Jacarezinho. O plantador de soja alega que os quilombolas rejeitaram uma proposta de acordo e caso seja necessário entrará com maquinário e com a policia para garantir seus direitos. Só que o acordo e para que os quilombolas abram mão do seu território para que ele desmate e plante soja como acontece em várias regiões de São João do Soter, Caxias e Coelho Neto. O almoço na casa do senhor Edivaldo foi um almoço ao mesmo tempo simples e sofisticado. Simples porque era o arroz e o feijão de todo o santo dia e sofisticado porque eles misturados na panela viraram o famoso baião de dois. Em cima da mesa e sobre os pratos dos convivas, o baião de dois reinava. Para a carne, restou ser coadjuvante.
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