segunda-feira, 31 de maio de 2021
As soleiras das portas
Ele descia a avenida do Bom Milagre numa manha quente do mês de maio. Qualquer um em sã consciência desistiria de trafegar pelas ruas de São Luis com um sol daqueles sobre sua cabeça. Qualquer um diria para si mesmo ou para um interlocutor impreciso “Nem por todo dinheiro do mundo saio da minha casa nesse calor dos infernos”. A decisão definitiva demorou a evoluir, mas, ao fim e ao cabo, o sujeito abriu o portão da frente, nada a vista. Decidiu esperar um transeunte solitário que, por alguns instantes, solidar-se-ia, sem o saber é claro, em seu medo de assalto. Não há razão no medo, ele argumentava. Se você der brecha ele assume um papel preponderante na sua vida. De qualquer forma, o transeunte foi a frente e ele, canhestramente, seguiu seus passos até virar na transversal. No Monte Castelo reina uma aparente tranquilidade. Há de se desconfiar de qualquer lugar em que as pessoas quase não param na esquina com o firme proposito de esmiuçar a vida alheia. Os moradores do bairro praticavam esse saudável hábito até bem pouco tempo, contudo a sensação que a violência tomava de conta das ruas os forçou a se fecharem em suas casas. As soleiras das casas eram o ponto de encontro das conversas e das brincadeiras entre crianças, jovens e adultos. Os idosos se sentavam a soleira, conversavam com um amigo ou parente sem que ganhasse tom de brincadeira. As falas dos idosos transpareciam severidade enquanto que as falas dos mais novos se enchiam de alegrias e prazeres. Duas das brincadeiras mais divertidas eram “Assassino e detetive” e “Stop”, brincadeiras que mesclavam memoria, imaginação e muita atenção. Quem não saia de casa à noite por não ter idade se contentava em escutar as historias da menina que se sentava ao seu lado após passar o dia todo trabalhando. Uma dessas historias foi a de uma parente sua que brincava de fazer malabarismos com os ovos que sua mãe mandava comprar. Essa brincadeira durou até o dia em que alguém a assustou. Ela quase deixou os ovos caírem no chão. Antevendo o que viria pela frente (nada de almoço e a mãe zangada), a menina se refez e agarrou os ovos que por pouco não chegaram ao chão e se quebraram.
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