sábado, 6 de fevereiro de 2021
A vendedora de pirulitos
Um grupo de jornalistas, escritores, profissionais liberais, ativistas ambientais e sociais quer escrever um mapa de afetividades da região metropolitana de São Luis. Um mapa não se desenha e nem se escreve simplesmente. Ele passa, antes de tudo, por um processo de compreensão e por um processo de composição. O que é um mapa de afetividades? Seria um mapa daquilo que lhe afeta bem todo santo dia ou lhe afetou bem em algum momento de sua vida. Também pode ser um mapa de lugares, situações e pessoas que deixaram boas lembranças na sua memória. Lendo essas descrições, como não lembrar de imediato o que escreveu Marcel Proust em “No caminho de Swann”:
“Ela então mandou buscar um desses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleines, que parecem ter sido moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago. E logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine. Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem a noção de sua causa. Rapidamente se me tornaram indiferentes às vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou, antes, essa essência não estava em mim, ela era eu. Já não me sentia medíocre, contingente, mortal. De onde poderia ter vindo essa alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-o infinitivamente, não deveria ser da mesma espécie.[…]E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray (porque nesse dia eu não saía antes da hora da missa), quando ia lhe dar bom-dia no seu quarto, depois de mergulhá-lo em sua infusão de chá ou de tília...”. As meninas que estão a frente do projeto de escrever o mapa das afetividades na região metropolitana de São Luis um dia foram atrás de uma senhora que vendia pirulitos no centro de São Luis. Um padre a ensinara na arte da fabricação de pirulitos e através da venda destes ela criou os filhos. Por conta da pandemia de Coronavirus, a senhora se mantinha trancada em sua casa com a filha na estrada de Ribamar. Ela não cogitava desistir do seu pequeno negócio de pirulitos. Vender pirulitos era sua vida e o que ela mais desejava para o seu futuro pós pandemia.
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