terça-feira, 9 de novembro de 2021
Jabiraca
Incontáveis vezes escutara o nome jabiraca. Coincidência ou não, o termo parecia vinculado a região da baixada maranhense. Sempre que viajava com um amigo este ia aos mercados dos municípios onde dormiam para descobrir um comerciante que vendesse jabiraca. Para não passar vergonha, fingia saber o que era jabiraca. Algo relacionado com peixe e peixe de água doce, presumia. Toda a vez que o amigo entrava em algum mercado, ele matutava o que diabo vinha a ser jabiraca. A baixada ocidental maranhense, diferente de outras regiões do Maranhão, excetuando a baixada oriental maranhense, parece um reino aquático de tanta água que se vê. Ou se sentir. A água pode ser invisível aos olhares desatentos, mas ela passeia por debaixo do solo a grandes distancias. As comunidades quilombolas e indígenas mataram sua fome graças aos peixes de água doce que pescavam nos campos naturais que ocupam parte do relevo da baixada. Em tantas viagens, um dia pararam na comunidade quilombola de Ramal, município de Bequimão, e pediram qualquer coisa para comer no bar do João, quilombola e jovem agricultor. A mãe trouxe de entrada um sarrabulho, que são as vísceras do porco cozidas envoltas em um molho bem grosso. O que realmente abriu o apetite: peixe traira seco conservado em sal. O peixe de água doce que os pais de João pescavam nos campos naturais localizados na comunidade quilombola vizinha, Mafra. Não se envergonharam e comeram bem as trairas secas e salgadas. Finalmente provou a jabiraca e pode expressar o sentido da palavra: peixe de agua doce seco e salgado. Em quantos momentos da vida dos familiares de João, essa era a única comida a se botar na mesa para almoçar ou, quem sabe, botar em cima da mesa para as visitas provarem? E pensar que por conta do processo de urbanização e de aglomeração que arrebata as comunidades quilombolas, os mais jovens evitam comer os peixes de agua doce e passam a comer mais carne de gado, porco e frango. As pessoas que comem menos peixe de agua doce e mais carne de outros animais tendem a perder seus vínculos com a água e com os espaços físicos onde os peixes podem ser encontrados e pescados. Projetos como a construção da rodovia e de uma ponte que ligarão Bequimão a Central do Maranhão causam impactos ambientais mas causam impactos sobretudo ao modo de vida das comunidades quilombolas que por décadas sobreviveram comendo peixe, farinha, arroz e babaçu.
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