sábado, 2 de outubro de 2021
Refazenda
Por quase setenta anos, quem queria fazer musica no Brasil tinha uma certeza: antes de qualquer coisa o musico devia gostar de samba. O samba se tornou a maior expressão cultural do pais graças ao governo Getulio Vargas que viu no gênero possibilidades de controle ideológico e social da sociedade brasileira. Em alguns momentos, essa certeza de que o samba era a maior expressão artística cultural foi contestada por movimentos modernistas como a Bossa Nova, Jovem Guarda e tropicalismo. Movimentos que em suas genéticas apresentavam elementos oriundos do samba por mais que defendessem a modernização do gênero com a inclusão de samba, rock e outros gêneros musicais em sua composição. O que esses movimentos criticavam era que devido as transformações econômicas sociais e culturais pelas quais o Brasil passava a musica não podia ficar limitada a padrões estéticos consagrados nos anos da republica velha e ditadura varguista. O samba se formata na ditadura de Getulio Vargas mas suas raízes aparecem no começo da republica período que ficará conhecido como republica velha. Afirmar que quem cantava samba trazia consigo um forte tom emocional que transmitia uma sensação de saudade não seria nenhum exagero. O titulo do primeiro disco de João Gilberto “Chega de Saudade” investe contra a emotividade do gênero. Como foi escrito, os genros musicais modernistas criticavam o samba não com a inenção de depo-lo e sim com a intenção de reinventa-lo. Um pouco dentro das discussões que se travavam nos anos 60 de reinventar o Brasil e assim por diante. Reinventar o Brasil seria superar o modelo de desenvolvimento social e econômico que imperava desde a colônia. Superarem todos os setores. O golpe de 64 e o golpe dentro do golpe de 68 visavam manter as estruturas do jeito que elas estavam. E mantiveram. Os gêneros musicais modernistas que cobravam a atualização do samba em termos estéticos e políticos ou foram abafados ou foram acondicionados no sistema de produção de informações. Gilberto Gil em 1975 grava o disco Refazenda cuja musica principal tem o mesmo nome. A musica cantada por Gilberto, e que a Nação Zumbi regravou no álbum “Radiola” em, tem como base o verbo “refazer” e brinca com seus sentidos e um desses sentidos é a palavra refazenda. A economia brasileira ficou conhecida por ser uma grande fazenda de cana, café, gado e etc. e os primórdios do samba vem das batucadas dos negros na fazenda. O que Gilberto coloca é que para ele se refazer deve dar alguns passos para trás como aconteceu com a sociedade brasileira pós golpes de 64 e 68. Isso inclui aceitar que o Brasil é uma refazenda em que o que pode ser cantado é tamarindo, abacate, namorar e etc. Gilberto Gil, discretamente, rele o samba tradicional e faz uma critica politica tanto ao samba como o Brasil arcaico. Era possível ainda elaborar processos estéticos que confrontassem a realidade e esses processos estéticos passavam pelo samba e suas tradições. Se a pretensão dos modernistas dos anos 60 era reinventar o Brasil, as produções de final dos anos 70 em diante partiram do premissa de que o Brasil é essa refazenda conservadora e temos que lidar com isso. O Mangue Beat, movimento modernista dos anos 90, é o ultimo grande suspiro dessa linhagem de releitura do samba e a critica a sociedade a partir dessa leitura. Depois desse ultimo suspiro, o que se escuta é a negação completa do samba e da historia de suas relações com a sociedade.
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