quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A luta pela biodiversidade no Maranhão.



O dia de trabalho começa muito cedo para o ativista Mayron do Fórum Carajás, bem como para o seu motorista e companheiro de luta, Jeová. Na maioria dos casos as distâncias que precisam ser percorridas estão entre 250 km e 700 km. De qualquer forma, a viagem é interessante. Galinhas, burros, cavalos, vacas, cabras, cães; caminhões de 25 m de comprimento que transportam soja, ferro, carvão ou eucalipto; pedestres, vendedores ambulantes e ciclistas - tudo você vê na estrada federal. A cerca de 100 km/h, todas essas impressões passam rapidamente, com pequenos desvios por causa dos buracos na estrada.
A paisagem muda da costa - caracterizada por florestas de mangue, marés fortes e dunas. Estamos agora no Cerrado, uma zona de transição entre a Amazônia e o Sertão. Então, de repente, a paisagem é moldada por plantações de eucalipto e monoculturas de soja. Saímos da estrada principal e continuamos em uma estrada de terra arenosa.
O Maranhão não é apenas rico em paisagem, mas também em cultura. É o estado com mais comunidades quilombolas do Brasil. Os quilombolas eram refúgios para os escravos africanos e seus descendentes. Eles simbolizam a reorganização da sociedade e a resistência contra a escravidão. A cultura quilombola no Maranhão acontece em festivais e tradições como o Bumba-Meu-Boi e o Tambor de Crioula. O modo de vida é marcado por quebradeiras de coco-babaçu, agricultura de subsistência (produção de farinha de mandioca) e colheita de juçara (açaí), entre muitas outras atividades. O reconhecimento da comunidade como quilombola pode garantir os direitos de terra.
Pequenos agricultores tradicionais e agricultores familiares também estão lutando pelos seus direitos de terra. Ao chegarmos a uma propriedade de 150 hectares, uma mancha verde no meio dos campos de soja, até onde os olhos podem ver, encontramos o Sr. Vicente e a Dona Rita em sua casa perto de Buriti. Eles nos contam de suas vidas, de suas lutas e compartilham seu grande conhecimento conosco. "Aqui moram três famílias, quer dizer 10 pessoas (incluindo crianças e idosos). Nós cuidamos de nós mesmos e vivemos do que produzimos. Cultivamos arroz, feijão, milho, mandioca e melão. Às vezes, também, vendemos cabras, galinhas, madeira e carvão”, diz Dona Rita. A vida está ficando cada vez mais difícil, além do medo constante de serem expulsos, eles sentem as consequências fatais das plantações de soja. "Hoje moramos ao lado de um deserto", segundo o Sr. Vicente, que conhece todas as espécies de árvores e plantas no seu terreno. Para a extensa produção de soja, são necessários muitos agrotóxicos. Se os agrotóxicos são utilizados (tanto por tratores, como por pequenas aeronaves), os moradores não saem de casa devido ao mau cheiro e ao efeito de queimação na pele. No entanto, a infestação de pragas na roça ecológica está aumentando. Com o desmatamento de florestas e o estabelecimento de monoculturas, vários problemas começam a atingir a comunidade: perda de biodiversidade, mudança no microclima, perda de qualidade de vida, secagem de fontes ou afundamento das águas subterrâneas e envenenamento por agrotóxicos dessas, além da ocorrência de doenças.
Apesar das ameaças à saúde e da intimidação direta, as famílias não saem de casa. Elas vivem com a natureza. Elas conhecem todos os tipos de árvores e sabem como gerenciar adequadamente sua área para que a natureza possa se regenerar novamente. Muitas vezes, existem mais de 10 espécies diferentes de árvores em uma área de somente 10 m². A biodiversidade ainda é grande. A natureza também está resistindo.
Em outra viagem de trabalho perto de Urbano Santos, no município de São Raimundo, o Fórum Carajás iniciou o cultivo sustentável da árvore Bacuri. Francisca, que participou de um treinamento do Fórum Carajás, diz: “Temos uma grande riqueza aqui: a grande diversidade que nos dá a natureza.” Nesse contexto, ela enumera as árvores mais comuns da região, como Bacuri, Pequi, Murici e Buriti. “Vivemos dessa diversidade e temos que protegê-la. A união da nossa comunidade de São Raimundo é a mais importante no combate ao eucalipto."
O marido dela, José, acrescenta: “Não sei ler, mal escrever o meu nome, mas eu conheço bem a natureza. Usamos as plantas de maneira sustentável. Nossas casas, construímos só com madeira da nossa propriedade. Somos independentes e não precisamos comprar nada. Vivemos da floresta do Cerrado, do nosso mato. Mesmo que a resistência seja difícil – ainda estamos bem.”
O modo de vida simples, longe de qualquer estrutura da cidade, é difícil. No entanto, os moradores estão saudáveis, sempre têm comida suficiente e são felizes. Eles não podem imaginar outra vida para si mesmos.
Longe de qualquer estrutura de cidade grande, o isolamento das comunidades tradicionais favorece o esquecimento ou a não divulgação dos conflitos. As diferenças marcantes entre a vida rural e a urbana no Brasil representam um desafio social caracterizado por preconceito e ignorância. O agronegócio é frequentemente retratado como a estratégia de desenvolvimento, onde a agricultura familiar e a proteção ambiental não têm lugar. A penetração capitalista das áreas rurais no Brasil está entrelaçada com o estado, elites, lobistas, mídias e empresas. O suposto progresso que o agronegócio traz é justaposto à proteção ambiental. Esses confrontos são realizados às custas da população rural pobre. A invasão das plantações de soja e eucalipto causa desertificação, perda da biodiversidade e da diversidade cultural. Isso anda de mãos dadas com a perda cultural e a perda de conhecimento.
A agricultura familiar alimenta a população brasileira, enquanto a agricultura monocultural produz para exportação e, a longo prazo, destrói a fertilidade do solo e a biodiversidade (agrícola). Os pequenos agricultores são fortes guerreiros solitários por seus direitos, eles tentam se conectar, porém existem poucas pessoas que falam por eles. Em contrapartida, o oponente - o agronegócio - é extremamente forte.
Portanto, o trabalho do Fórum Carajás é essencial. A ONG promove o trabalho em rede entre os afetados e o intercâmbio de experiências, possibilitando apoio sindical e judicial. Comunidades e indivíduos apoiados estão localizados em diferentes regiões geográficas do Estado do Maranhão, mas enfrentam dificuldades semelhantes, principalmente no que diz respeito à propriedade da terra e a conservação da biodiversidade.
O ativista Mayron usa o jornalismo, em particular, como uma arma pacífica para atrair a atenção da mídia e contar histórias de pessoas, nunca antes ouvidas, de uma maneira muito sensível. O Fórum Carajás cria uma visão de esperança para os afetados. Além disso, a ONG contribui para que os problemas sejam percebidos com mais clareza, cria consciência das causas da pobreza e dos problemas ambientais, bem como dos efeitos sociais e ecológicos da agricultura globalizada e capitalista. Nesse sentido, o ativismo junto aos pequenos agricultores provou promover a democracia.
A riqueza do Maranhão é sua grande diversidade. A diversidade de métodos de produção, modos de vida, grupos populacionais e a diversidade da paisagem. O objetivo deve continuar sendo preservar a agrobiodiversidade e a soberania alimentar. É importante fortalecer a autonomia e os direitos das comunidades tradicionais. Porque a contribuição deles é fundamental. As comunidades tradicionais têm cada vez menos espaço para continuar vivendo em harmonia com a natureza. Poderíamos aprender muito com eles e trabalhar juntos para construir um futuro melhor. Seu modo de vida deve ser o novo (velho) moderno, onde o foco está na proteção do meio ambiente. Afinal, proteção ambiental significa não apenas a proteção da natureza, mas também às comunidades tradicionais; à sua cultura e ao seu conhecimento.
O agronegócio deve estar comprometido em agir com responsabilidade. O atual sistema agrícola global está forçando os agricultores a produzir o máximo e o mais barato possível. O uso responsável de agrotóxicos não está sendo recompensado. Padrões e controles mais rigorosos no nível global, bem como incentivos à produção ecológica e ambientalmente amigável, economizariam custos a longo prazo. Os custos externalizados para a saúde e o meio ambiente não estão incluídos no atual modelo agrícola. Nós, a população das nações industrializadas, contribuímos para isso pelo nosso desejo de alimentos baratos - especialmente carne. O objetivo é difundir conhecimento e sensibilizar os consumidores a respeito do seu comportamento. O meio ambiente, a saúde e os direitos humanos são igualmente sensíveis e merecem proteção em todos os lugares.
Simone Gottardt

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