quarta-feira, 16 de junho de 2021
Transição do Imperio para Republica em “Batuque na Cozinha”, musica de João da Baiana
João da Baiana compôs “Batuque na Cozinha” em 1917. Sem mais delongas, é uma composição em que o sambista narra o dia em que parou na cadeia devido a uma altercação envolvendo ele e um senhor branco que flertava com sua mulher. Simples assim, só que uma construção artística, qualquer que seja, não se limita ao que está expresso explicitamente. Por quase todo o tempo da musica, a letra de João da Baiana, como o titulo indica, zanza pela cozinha. A cozinha se consagrou como um espaço feminino e dos afazeres domésticos e culinários. O homem, ao entra na cozinha, busca comer e beber. Caso aconteça de um homem ir além disso, as mulheres perguntarão “não tem o que fazer? ” ou ordenarão “Vai procurar o que fazer”. As mulheres são experts nesse tipo de frase. Uma outra frase típica: “ Aqui não é lugar disso, vão fazer isso em outo lugar”. Criança que se preze brinca em qualquer lugar e as mulheres lutam para manter a ordem. O que escreveu e cantou João da Baiana? “Batuque na cozinha sinhá não quer por causa do batuque queimei meu pé”. Quando João da Baiana compôs a musica havia alcançado a idade de 30 anos. Então, o sambista através de um fato do cotidiano relê a historia dos negros, da escravidão, do samba e da cidade do Rio de Janeiro. Pelo que cantava João, a cozinha além de ser um espaço em que se preparava comida também era um espaço de batuque por mais perturbador que fosse afinal “por causa do batuque queimei meu pé”. Ora, batucava-se na cozinha porque nesse espaço havia comida e havia as mulheres que os homens flertavam. É claro que a cozinha da casa grande cabia um bom numero de pessoas. Só que João da Baiana não vivenciou a escravidão como seus parentes vivenciaram. Ele nasceu livre no Rio de Janeiro um ano antes da abolição da escravatura pela princesa Isabel. Associações que poderia fazer da sua realidade com o tempo da escravidão decorriam das historias que escutava da boca dos seus parentes quando frequentava suas casas e os terreiros de religião afro no final do século XIX e começo do século XX, começo da republica. Um dos principais problemas que o governo republicano enfrentará nos seus primeiros anos será o problema da habitação. “Não moro em casa de comodo, não é por ter medo não, na cozinha muita gente, sempre tem alteração”. Quanta diferença a casa de comodo no Rio de Janeiro para a casa grande na Bahia. Nesta, por mais que não fossem donos da casa, os negros admiravam a casa espaçosa enquanto que naquela a casa mal dava para morar uma família. E no decorrer da canção, João da Baiana brincará com as mudanças sociais e econômicas provocadas pela abolição da escravatura e pela proclamação da republica. Na casa grande, quem mandava era a Sinhá que não aceitava o batuque na cozinha. Na sua frente, pois bastava ela sair para rolar o batuque. A casa de comodo onde os negros se acomodavam no Rio de Janeiro era um tanto diferente. Nessa casa por pouco menos espaço para tudo e para todos que tivesse, os moradores não abdicavam do direito de batucarem e esse batuque atraia pessoas de todo o tipo e de todos os lugares. Essa variedade de pessoas num mesmo espaço era incomum para uma sociedade excludente e hierárquica como a brasileira, onde branco não se misturava com negro e vice-versa “seu comissário foi dizendo com altivez/ é da casa de comodo da tal Inez/revista os dois bota no xadrez/Malandro comigo não tem vez”. A musica “Batuque na Cozinha” é um espelho da transição do império para a republica e do regime escravocrata para o trabalho livre. Se no império quem defendia a ordem hierárquica da casa grande era a Sinhá, na Republica que defenderá a ordem hierárquica da casa de comodo será o comissário de policia.
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