sábado, 22 de dezembro de 2012

Denúncias de violência e trabalho escravo envolvem cultura do dendê no Pará





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Denúncias de violência e trabalho escravo envolvem cultura do dendê no Pará
Ministério Publico investiga ligação de assassinato de quilombolas com disputa de
terras para dendê. Agropalma, maior empresa do setor no país, compra produção de
vice-prefeito de Moju, duas vezes flagrado com exploração de trabalho escravo
Por Verena Glass
Os investimentos em dendê no Pará, principal estado produtor do país, aumentaram
consideravelmente este ano, com recursos que superaram os R$ 27 milhões, de acordo
com o Banco da Amazônia. Esta injeção de dinheiro e a concomitante instalação ou
expansão de grandes empresas no Estado, porém, tem preocupado o Ministério Publico
Estadual (MPE), que teme o acirramento de disputas fundiárias e da pressão sobre 
territórios de populações tradicionais, como quilombolas e indígenas.

Aposta de programa de biodiesel, dendê pode afetar comunidades tradicionais. Foto:
Verena Glass
No início de novembro, quilombolas da Comunidade Dezenove de Maçaranduba, localizada
na divisa dos municípios de Acará e Tomé Açu, sofreram um ataque de pistoleiros que
deixou dois mortos e quatro feridos. O crime ocorreu na vila de Quatro Bocas,
ironicamente o local onde o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o
Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo em 2010.
De acordo com a denúncia encaminhada pelos quilombolas à promotora de justiça
agrária, Eliane Moreira, parte de suas terras vem sendo disputada por um fazendeiro,
interessado em vendê-las para a empresa Biopalma (braço produtor de dendê da
mineradora Vale), o que pode ter motivado o ataque. A empresa tem como meta plantar
dendê em 60 mil hectares no estado.

“A área hoje ocupada por várias comunidades quilombolas na região está em processo
de regularização junto ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa) desde 2010, mas,
segundo os quilombolas, parte das terras já teria sido ocupada pela Biopalma. Para
garantir a posse do território até a finalização da análise do Iterpa, que já
vistoriou e gerreferenciou a área, os quilombolas ocuparam aquela parcela, e a
Biopalma entrou com pedido de reintegração de posse. Mas não há nenhum elemento que
ligue os assassinatos à empresa”, explica a promotora.

De acordo com José Carlos Galiza, coordenador da associação Malungu, que representa
as organizações quilombolas do estado, “o que nós, das comunidades quilombolas da
região, estamos reivindicando, é a titulação coletiva de 4,3 mil hectares. A
comunidade Maçaranduba está em uma área muito cobiçada para o dendê. A Biopalma, que
diz que comprou parte dessa terra, pelo que a gente saiba não tem documentação, mas
já desmatou boa parte da área. O que tem mesmo é pressão de outros fazendeiros que
querem vender parte do nosso território para o dendê. E tem criminalização da
polícia, porque no dia do velório dos dois assassinados, a policia prendeu não os
assassinos, mas quatro familiares dos mortos”.

 Desde 2008, a Biopalma têm pressionado áreas quilombolas para compra de terra.
Foto: Verena Glass
Para a promotora Eliane Moreira, o caso dos quilombolas de Maçaranduba é sintomático
e preocupa o MP. “Estamos verificando como o dendê tem afetado os direitos
territoriais das comunidades tradicionais, bem como se as empresas estão cumprindo o
Protocolo Socioambiental do Óleo de Palma (que prevê critérios de sustentabilidade
ambiental, social, produtiva e econômica), acordado com o governo do Estado. Mas
partimos do princípio que, em casos de disputas em territórios tradicionais, por
mais que os fazendeiros tenham título da terra, este não tem condão de macular os
direitos territoriais das comunidades”, explica a promotora.

Agropalma compra produção de trabalho escravo
Outro exemplo que evidencia problemas na cadeia produtiva do dendê no Pará é o caso
do produtor Altino Coelho de Miranda, vice-prefeito reeleito do município de Moju
pelo PSB, flagrado duas vezes com trabalho escravo. Miranda é fornecedor da empresa
Agropalma, maior do país no setor do dendê.
A primeira fiscalização na fazenda de Miranda, conhecido como Dedeco, ocorreu em
2007 e resultou no resgate 15 trabalhadores. Na época, o Grupo Móvel de
fiscalização, composto por cinco auditores fiscais do Ministério do Trabalho e
Emprego e seis agentes da Polícia Federal, iniciou a ação com uma busca por
armamentos, já que havia uma denúncia de que os trabalhadores seriam impedidos de
deixar a propriedade enquanto tivessem dívidas na cantina da fazenda. No local, foi
encontrada e apreendida munição de armas de fogo.

Munição encontrada na primeira fiscalização, quando 15 trabalhadores foram
libertados. Fotos: Divulgação/MTE
Quanto aos fatores que caracterizaram condições de trabalho análogas à escravidão,
de acordo com os auditores, além de alojamentos extremamente precários, os
trabalhadores não tinham salário fixo, não tinham carteira assinada, eram obrigados
a comprar alimentos na cantina da fazenda, não tinham controle sobre os preços – que
eram anotados em caderneta e descontados do pagamento no fim do mês -,  não recebiam
água potável nas frentes de trabalho, e não recebiam ferramentas, que eram obrigados
a adquirir por conta própria. Também foi constatado que um dos trabalhadores se
acidentou por falta de equipamento de proteção individual. Nesta ocasião, foram
lavrados 25 autos de infração.  

Em abril de 2008, o Ministério Público Federal denunciou o produtor na Justiça por
prática de trabalho escravo, e em 2009 Miranda foi condenado a nove anos de prisão
em regime fechado. O réu apelou, e o processo se encontra parado no Tribunal Federal
Regional da 1a Região (TRF1), em Brasília.
Banheiro dos trabalhadores libertados em fazenda de vice-prefeito de Muju (PA) 
Fotos: Divulgação/MTE
Reincidente
A segunda libertação ocorreu em agosto deste ano, e resgatou 10 trabalhadores. Nesta
ação, os auditores fiscais encontraram trabalhadores  alojados em um barraco de
madeira, coberto de lona, sem paredes laterais, portas, janelas e, principalmente,
sem banheiros. O assoalho estava podre, e o telhado de cavaco, em adiantado estado
de deterioração, tinha muitas goteiras. Ainda segundo os fiscais, durante a noite,
quando chovia, os empregados eram obrigados a levantar de suas redes e protege-las
para não molhar.
Já as refeições eram preparadas em um fogareiro improvisado no interior do barraco,
não havia mesas, cadeiras, armários e local adequado para armazenar mantimentos. Os
trabalhadores comiam sentados no chão, sustentando o prato sobre as pernas. Roupas,
objetos pessoais, louças e outros também ficavam no chão. Como não havia banheiros,
os trabalhadores tinham que fazer suas necessidades no mato. 

O alojamento também servia de galinheiro, e, do lado de fora, o pátio barrento era
usado pelos porcos. “A área adjacente à cozinha era alagadiça, na qual acumulavam-se
resíduos orgânicos. Essa área era local de recreação dos porcos, que ali banhavam-se
na lama, além de ser foco de um odor péssimo. Tal situação expunha os trabalhadores
à contaminação parasitária, degradava as condições de trabalho e humilhava os
empregados”, afirma a fiscalização.




Empregados eram transportados em trator sem freios 




No campo, os trabalhadores não tinham lugar pra comer, não havia banheiro, kit de
primeiros socorros, abrigo contra chuva, e o transporte até a frente de trabalho era
feito em um trator sem freio e demais dispositivos de segurança.
Sem carteira de trabalho assinada, no ato da fiscalização os trabalhadores estavam
90 dias sem receber. De acordo com os fiscais, o produtor afirmou que não pagava os
funcionários "porque não estavam dando produção". Também foi constatada escravidão
por dívida, ja que os alimentos eram comprados na cantina da fazenda, e as dívidas,
anotadas em caderneta e descontadas do pagamento no fim do mes. "Os trabalhadores
estão trabalhando por comida, porque chega no dia do pagamento o patrão diz que não
tem saldo", afirmaram os fiscais. Nesta segunda ação do Grupo Móvel, foram lavrados
22 autos de infração.

Procurada pela reportagem, a Agropalma afirmou que, mesmo com todos os problemas,
não irá rescindir o contrato com Miranda. De acordo com Túlio Dias, gerente de
responsabilidade socioambiental da empresa, a Agropalma tem um contrato de 25 anos
com o produtor e, apesar da existência de uma clausula contratual que permite a
rescisão em função de desrespeitos à legislação trabalhista, a política da empresa é
implementar ações pedagógicas que levem à melhora das práticas dos produtores
parceiros. “Cancelar o contrato significaria que estamos correndo do problema, não
resolvendo”, justifica Dias. Segundo ele, a empresa também poderia ser questionada
na Justiça se resolvesse terminar a parceria.

A Agropalma é signatária do Protocolo Socioambiental do dendê mas, segundo Dias, o
acordo tem pouca eficácia uma vez que o próprio governo, seu proponente, nunca
implementou mecanismos de fiscalização. 

A reportagem tentou entrar em contato com Altino Miranda via a prefeitura de Muju,
município do qual é vice-prefeito, mas ninguém atendeu às ligações.

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