domingo, 24 de novembro de 2019

O Almoço


O almoço se atrasaria na casa de Luzimar no povoado Caxingó, município de Buriti. Haviam marcado para o começo da tarde do dia 21 de novembro de 2019. Pedira a Edmilson, presidente da Associação do Araça, que levasse o recado do almoço ao Antonio José, morador do Mato Seco. A filha deste morava do lado da Luzimar. Então, bastaria uma ligação de celular de Antonio José, morador do Mato Seco, à sua filha, moradora do Caxingó, que informaria a Luzimar. Dependendo de qual estrada se queira seguir, o tempo que se leva de Mato Seco ao Caxingó vai de dez minutos a meia hora. O caminho mais longo é o mais interessante porque desliza pela Chapada. Vê-se os caminhos que se direcionam para a comunidade do Belem e uma roça recentemente aberta, aproveitando a chuva sem paradeiro que caira depois de tantos dias secos. A pequena posse de Antonio José se encrava no território do povoado Belém, uma localidade que correu o risco de ser riscada do mapa de Buriti em função do conflito com o grupo João Santos nos anos 90. Os mais velhos se recordam bem desse conflito em que os moradores do Belem se escondiam dos pistoleiros do grupo João Santos nos alagados (como Edivan, militante do MST, mostrou em 2015) ou no povoado vizinho Araça. Os moradores do Araça abrigaram seus parentes do Belem por bastante tempo e, além de abrigar, davam-lhes comida. Transportava-se quantidades e quantidades inimagináveis de comida no lombo de animais para alimentar um grande numero de pessoas que não faziam a menor ideia se um dia retornariam ou não as suas casas. Não podiam lhes negar casa e nem comida. Nem que fosse só um local para esticar a rede e nem que fosse só servido um prato de arroz feijão e farinha por dia. Quem olha para as casas onde as pessoas moram e para o que elas comem na atualidade nem imagina o que era morar e o que era comer (pouco, quase sempre) nos anos 90. O grupo João Santos nessa época primava pela intimidação no trato com aqueles que se opunham aos seus projetos os quais eram desmatar o Cerrado, secar os córregos de água e plantar cana de açúcar ou bambu. Caso os moradores de Belem não tivessem rechaçado o grupo João Santos e caso os moradores do Araça não tivessem lhes auxiliado talvez aquela Chapada não existisse mais como lugar de refugio para os animais e de moradia para as pessoas. Restaria somente uma tênue lembrança na cabeça das pessoas do que fora a convivência com a Chapada. 
 O Antonio Jose mora sobre essa Chapada com a mulher e os filhos. A sua mulher cita os pes de manga e outras frutas que eles plantaram nesses anos. Ela nem pensa em se mudar dali, afinal se mudar quer dizer reconstruir toda uma vida em outro lugar onde, quem sabe, obter água será mais difícil do que ali tão próximo de um afluente do rio Parnaiba. E porque eles se mudariam afinal se sentiam tão bem naquele terreno? A possibilidade do Ze Vilar, politico e proprietário de terras em Buriti, vender o Caxingó e uma parte da Chapada para o Andre Introvini. A concretização da venda pode resultar no desmatamento da área bem em frente a casa do Antonio José o que traria despejo diário de agrotóxicos, o aumento de calor e o aumento da poeira. A venda ou não da Chapada so ocorre se o ze Vilar comprovar a legalidade do documento que atesta a propriedade do Caxingó em seu nome. “Como assim ele é o dono do Caxingó?”, questiona Luzimar. Minha família mora aqui há mais de cem anos e essa terra nunca teve dono.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

O projeto "genial" da soja no Maranhao

Os 900 hectares desmatados na Chapada do Brejão, município de Buriti, ocorreu em sua maior parte devido a politica do governo do Maranhão em flexibilizar e agilizar o licenciamento ambiental, principalmente, para os plantios de soja. Não houve um direcionamento explicito até porque isso é ilegal. Agora, sendo a soja a cultura que traz mais retorno financeiro para o estado do Maranhão, chegar a conclusão de que qualquer politica de flexibilização do licenciamento tende a favorecer em grande medida, justamente, esse setor é quase inevitavel. É claro que não se deve esquecer que alguns grupos empresariais que lidam com a soja plantam outras culturas depois da colheita. As elites dirigentes e econômicas do estado do Maranhão fizeram sua escolha em relação a soja tem bastante tempo. Elas foram empurradas a essa escolha e outras decorrentes desta pela necessidade de captar moeda estrangeira, principalmente o dólar, em curto prazo e assim financiar a estrutura estatal e certas demandas da sociedade como um todo. Uma dessas demandas é o consumo. Não custa nada lembrar a lei Kandir dos anos 90 que liberou a  soja de pagar impostos com a desculpa de que ela assim seria mais competitiva. Essa liberação de impostos ocorre com o proposito de complementar a implantação do plano real, politica econômica que por um certo passe de mágica equiparou o real ao dólar. Ora o que precifica a comercialização da soja a nível mundial é o dólar. Quanto mais se abate os impostos em real mais o produto ganha em dólar e o pais aumenta suas reservas financeiras. Como é um dinheiro de curto prazo em todos os sentidos a lógica de quem o administra é investi-lo novamente em negócios de ganho rápido na especulação financeira e na compra ininterrupta de terras. Como se diz “Não pode deixar o dinheiro parado”. Caso fique parado, perde-se uma oportunidade que, de repente, tem tudo para ser a “genial”. O projeto de desmatamento da Chapada do Brejão idealizado pela família Introvini provavelmente era visto como “genial” tanto por esta família como pelo grupo João Santos que repassou a terra. “Genial” por que? Os Introvini iriam receber e desmatar mais de três mil hectares o qual pagariam 500 reais por hectare só após as primeiras colheitas. E por que eles pagariam apenas 500 reais o hectare ao grupo João Santos imaginando que com o tempo o hectare valeria muito mais? O Grupo João Santos fraudou documentação no cartório para passar a certeza de que a Chapada do Brejão lhe pertence. Provavelmente, os Introvini, sabedores da fraude cartorial, impuseram o preço e as condições de pagamento e o grupo João Santos em estado de falência aceitou sem pestanejar.    

domingo, 17 de novembro de 2019

As ilegalidades das licenças ambientais


Os bacurizeiros tremulavam em toda a Chapada do Brejão. Eles assumiram os seus lugares na Chapada bem antes do que se imagina. A presença humana se iniciou por onde? Houve um ponto único ou ela se originou em vários pontos? O ser humano se conformou à Chapada e aos Baixões (A Chapada é privilegiada pelas incontáveis espécies de madeira enquanto que os Baixões se aferram aos cursos de água e aos babaçuais). Os nomes das comunidades ligadas ou interligadas a Chapada do Brejão dão boas pistas dos relevos nos quais elas se estabeleceram. Brejão e Brejinho, nomes de duas comunidades, indicam proximidade com os veios de água que nascem ao pé da Chapada e descem pelo vale ou pelos baixões, ou seja, a água vai se abaixando até chegar ao nível do relevo. Causa estupor que o técnico responsável pelo projeto de desmatamento da fazenda Belem, projeto da família Introvini, tenha afirmado em 2017 à frente do então promotor de Buriti, o senhor Clodoaldo, que não havia nascentes nem do rio Munim e nem do rio Preto na área prevista para o desmatamento. Com o desmatamento de mais de 900 hectares não “haveria” mais nascentes em canto algum da Chapada do Brejão o que afetaria diretamente as comunidades citadas assim como as comunidades do Belem, Araça e Capão. Na verdade, afetará porque o desmatamento foi realizado com licença concedida pela Secretaria de meio Ambiente do Maranhao e mesmo com as denuncias de irregularidades o órgão garantia a legalidade do licenciamento. Entretanto, por conta da pressão da sociedade civil, uma equipe de fiscalização da SEMA vistoriou o local de desmatamento e constatou inúmeras irregularidades. Uma delas é o fato de que a área do desmatamento apresentada a SEMA está a cinquenta quilômetros de onde ele realmente aconteceu.
Mayron Régis

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O riacho e o poço

O rio Gengibre é permanente. Outros rios do Baixo Parnaiba maranhense também o são, portanto não é o único rio permanente seja em Santa Quiteria ou seja no Baixo Parnaiba como um todo. O que pega é o numero considerável de riachos que secam antes do reinicio do inverno. O numero de riachos aumenta ano após ano. Não há um dado preciso de nenhuma parte. É o caso de enumerar e nomear os rios que secaram, os que estão em processo de diminuição do volume e os que seguem volumosos. Um dos rios que secaram por completo, na altura do mês de novembro, corta a área da comunidade do Riachinho  que principia a sequencia de comunidades presentes ao longo da estrada que vai da sede do município de Santa Quiteria a zona rural. O leito do riacho por debaixo da ponte aflige quem gostaria de ver água ocupando aquele espaço. Em que momento exato a água some? O único rastro que ela deixou foi uma poça. Os animais, que bebiam da água do riacho, transferem-se para regiões onde a água segue abundante. O ser humano continua no povoado Riachinho ou em outro povoado com o mesmo problema. Cavou-se um poço que abastecerá a casa ou a comunidade. A água permanece no subsolo e com o poço ela reaparece. Não em forma de riacho que assume várias formas em seu trajeto. Sim na forma de um circulo que é a forma de um poço.  
mayron regis

domingo, 10 de novembro de 2019

Os pequis no chão da Chapada

Quantas páginas foram precisas para iniciar a viagem? Com certeza, só uma página responde a contento essa pergunta. Entretanto, outras perguntas precisam ser respondidas antes de iniciar a pagina e a viagem. O dia amanhecera do mesmo jeito para todos? Em alguns lugares chovera, umas gotas que seja, um chuvisco mais demorado, nada a comemorar no caso de uma chuva mais intensa. A chuva se precipitou volumosa em trechos mais longínquos do centro da cidade que ainda dormia em seus sonhos e sonhava em seu sono. Nesses locais de precipitação demasiada, as pessoas acordam bastante cedo porque suas rotinas as obrigam a se deslocarem para trabalharem em regiões opostas a onde residem. A chuva caia grossa nesses recantos não tanto cobertos de vegetação, sobretudo descobertos pela precariedade de infraestrutura e pela precariedade de serviços públicos de qualidade. Para onde essas pessoas se dirigiriam, a chuva se revelou apenas na molhadura das ruas e de alguns espaços das casas. Caso alguém perguntasse ao do centro como começara o dia, o perguntado responderia “preguiçoso”. Caso alguém perguntasse ao da periferia como começara o dia, o perguntado responderia “complicado”. A chuva atrapalhara o deslocamento das pessoas por alguns quilômetros, na saída de casa, no aguardar do ônibus, nas ruas esburacadas e encharcadas e nos engarrafamentos. Não é essa viagem a que nos referimos. Ela ainda não iniciou como se previa. O motorista não dera partida no carro. A água do café fervia na chaleira. A padaria só abriria sete horas. Um ou outro dormia no sonho e no sonho dormia. Quem dormia sonhava com a chuva ou simplesmente sonhava o esquecimento da chuva? Chovia para onde iriam? A chuva venceria a secura e as queimadas? No dia seguinte, em São Raimundo das Mangabeiras, Francisco, presidente do STTR, anunciaria que a chuva estava por vir. Os incrédulos perguntaram como. Os pequis no chão da Chapada indicavam. 
mayron regis