terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Os bacurizeiros quase não se conta


Os bacurizeiros quase não se conta. Não porque sejam incontáveis. Não porque sejam difíceis de visualização. Os bacurizeiros se posicionam pelos vários caminhos da Chapada. Eles marcam o ambiente com seu tronco, seus galhos, sua folhagem e com seus frutos. Numa floresta de árvores de grande porte, os frutos do bacurizeiro se confundem com as folhas da árvore e só alguém com um senso de visão muito bom para as coisas da natureza que é capaz de distingui-los no alto da copa onde geralmente eles se desenvolvem.   
Mayron Régis


O vale dos cinco (5) leões


Certa vez assisti um clássico filme de ação “Rambo III” -, o mesmo que animava as tardes da garotada na Sessão da Tarde dos anos noventa. O enredo trata do veterano de guerra Rambo, que após  a Guerra do Vietnã se refugia num mosteiro em um vilarejo da Tailândia. Vivendo em paz e sobre as disciplinas dos monges budistas; ele tenta esquecer o mundo de guerra – mas se surpreende com a visita de seu coronel de pelotão Trautman que lhe convida para mais uma missão – desta vez, na fronteira do Afeganistão: com o intuito de tentar bloquear as ações dos soviéticos naquele país com a ajuda dos rebeldes afegãos. A sinopse do filme mostra: “O ex-soldado John Rambo que recusa um pedido de seu coronel Trautman, antigo líder de pelotão, para uma nova missão, pensando apenas em continuar com o seu novo estilo de vida, baseado na crença budista. No entanto, quando Trautman  raptado pelos russos na fronteira e o governo americano é incapaz de intervir oficialmente, Rambo decide agir por sua conta e risco”. Já assistir o filme várias vezes. Uma passagem me chama a atenção é quando o guia que leva Rambo até o forte soviético conta sobre a história dos afegãos; onde muitos tentaram conquistar seu país: primeiro “Alexandre O Grande”, depois Gengis Khan, a Inglaterra e agora a Rússia – mas eles nunca se renderam. O Guia contara uma velha lenda afegã que um certo rei impôs que cinco mil soldados deveriam ir para uma batalha, depois estudou que estes cinco mil, a maioria estava com medo, então dos cinco mil soldados ele elegeu os cinco melhores de todo aquele exercito. E os cinco soldados venceram a guerra naquele vale - campo de batalha que ficara conhecido como o “Vale dos cinco leões”. Isso também lembra a história do personagem bíblico Gideão que liderava uma guerra com milhares de soldados – dali, em uma batalha a maioria dos homens estavam com medo, ele pediu a Deus que ficasse só com os corajosos, restou destes, apenas trezentos e dezoito (318) guerreiros que alcançaram a vitória.
A narrativa tende objetivar a coragem das pessoas em certos desafios da vida. Nem sempre se vence uma guerra com legiões de soldados, muitos não tem coragem de agir, normal. No dia cinco de setembro de 2019, foi realizado o tradicional desfile das escolas da cidade de Urbano Santos – Maranhão. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais resolveu botar em prática um velho pedido de nosso Bispo Diocesano e militante dos Direitos Humanos Don Valdecir. A ideia foi participar do evento com o “Grito dos Excluídos”. Fizemos uma convocação para todos os participantes que viajaram conosco para a Marcha das Margaridas – em Brasília, de 11 a 16 de agosto, os dois dias na Capital Federal foram 13 e 14. Infelizmente dos que foram, quase ninguém confirmou a participação em nosso chamado, não paramos com o projeto! Construímos uma faixa com os dizeres “GRITO DOS EXCLUÍDOS: A Amazônia pede socorro”. Pela manhã cedo estávamos na concentração, achávamos que vinha mais pessoas para nossa ala, que por mera conscidência fomos colocados pela organização do evento na última posição da fila, ironicamente excluídos mesmo! Mas talvez não fora por isso, foi porque decidimos comunicar já na véspera da atividade. Lembrando o filme do trecho acima, apareceu naquele momento somente “5 guerreiros” – estávamos dispostos e otimistas de mostrar nosso trabalho, ideologia e sentimento para com os excluídos e desprovidos de direitos deste país, como dizia Lula! Os povos e comunidades tradicionais que tanto sofrem. Nosso povo da zona rural, humilde, quase que esquecidos da sociedade, os que estão perdendo seus direitos conquistados com sangue e luta. A problemática da situação caótica da Floresta Amazônica nos dias atuais sendo devastada pelo fogo, por grileiros e grandes projetos de mineração e barragens. Os índios, quilombolas e caboclos que moram e vivem da terra e das águas. Esta foi a mensagem que os “Cinco Leões” mostraram para os espectadores.
Muitas das vezes a coragem das pessoas é medida de acordo a ocasião. Muitos pensamentos nos ensina a lição dos que ousam e tem coragem de vencer. Numa guerra, nem todos tem coragem – isso muito depende do sistema genético de cada um de nós. As vezes o sangue ferve nas veias – então a coragem aparece do nada, fica escondida somente por algum momento, surge como um tiro de espingarda no estampir da fumaça. Alguém escrevera e nos deixou a lição no estandarte da história. “A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras qualidades”. “Saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem”. “Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo”. “A coragem cresce com a ocasião”. Por fim a melhor delas diz: “A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo”.

José Antonio Basto - Setembro – 2019.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Soja em Buriti de Inácia Vaz: um divisor de águas



Um conhecido falou do projeto do seu pai em uma conversa casual em meio a tantas conversas casuais. Não restou nenhuma recordação das demais conversas casuais (o conteúdo delas) e não restou nenhuma recordação de como essas conversas se iniciavam e com quem travava esse tipo de conversa propensa ao esquecimento. A conversa do projeto não cairia no esquecimento.  Quem saberia dizer o porquê? Algum dispositivo secreto da memória guardou a por quase dez anos em algum recinto fechado. Ela (a conversa) não representava nada de especial para o conhecido. Ele se achegara ao grupo por transparecer simpatia e por querer ser simpático com uma das moças ou com todas as moças. Uma conversa rolava entre eles antes da sua chegada. De alguma forma, a conversa permitiu a ele que tocasse no nome do seu pai e no seu projeto pessoal. O pai fotografava e planejava publicar um livro que retratasse com fotos a situação atual do município onde nascera e onde erguera parte de sua vida pessoal. Depreendia-se pela conversa que o fotografo corria contra o tempo. Quem sabe, poderia auxilia-lo, afinal necessitava de alguém para escrever o texto que serviria de legenda a cada foto. O município em questão: Buriti de Inácia Vaz. As fotos: capturavam imagens da natureza e da destruição do Cerrado causada pelos plantios de soja. Não pensou duas vezes e pediu o endereço do pai-fotografo. Ele residia no Caiçara, prédio da rua Grande, principal rua comercial do Centro de São Luis.  Mudara-se havia muito tempo para São Luis, justamente num momento de modernização social e econômica da cidade e isso significava destruir o que tivesse pela frente e o que tivesse ficado à distância. Habitua-se com a destruição e com a reconstrução da memória (o passado não pode ser destruído). A fotografia promete ocupar com imagens o vazio deixado pelo processo destrutivo despertado e desencadeado pelo capitalismo.  O fotografo mostrou algumas fotos do município de Buriti naquele momento crucial para a sua cidade, começo dos anos 2000, em que os plantios de soja ocupavam as Chapadas. A soja representaria um divisor de águas para a sociedade buritiense. Dali em diante, nem as Chapadas e nem as águas de Buriti seriam mais as mesmas.   


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

O maracujazeiro e o Pequizeiro



Bem ou mal, o maracujazeiro do Cerrado não se nota de sopetão. Ele se enrama dos pés de um pequizeiro ao seu tronco com letargia. O pequizeiro, numa Chapada, encarna o movimento milimétrico. Cada milímetro de crescimento corresponde a um determinado tempo. Não conseguiria discernir quantos anos aquele pequizeiro levou para alcançar a fase adulta com tanto esplendor sobre a Chapada. De tantos pequizeiros, ele sobreviveu ao evento crucial das ultimas décadas: a troca da vegetação nativa pelas monoculturas. Os Cerrados não existem em uma dimensão paralela e os efeitos da destruição deles se sente e pressente-se todo santo dia ao redor do cenário da destruição. O maracujazeiro faz companhia ao pequizeiro porque outros como este não existem mais num raio de quilômetros

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

A frente do povoado

Antes ninguém se tomava pelo outro. Poucos sabiam redigir os nomes de lugares tão calmos e tão puros. Os caminhos, quase sempre, carregavam a solidez da solidão. Que horas o povo virá buscar o de comer? Não se envergonhem; abram as panelas, peguem os pratos e colheres e comam sem pena. Todos nesta casa comeram o suficiente para aguentar o dia. A senhorita cozinhou esse de comer tão simples e tão bom que não se quer mais nada. Ela acordara bem cedo para arrumar a casa. Assistiria a partida do pai para a sede do município e assistiria a partida da mãe para a casa do tio. A manhã exigia urgência nos propósitos das pessoas e exigia incerteza no horário da volta.  O pai se mantinha firme a frente da associação de moradores do povoado.  A frente do povoado (vegetação nativa) se mantem como uma barreira natural que protege os moradores do povoado dos impactos causados pelos plantios de soja (agrotóxicos e poeira). A associação do povoado disputa a frente do seu território com grileiros e sojicultores, cerca de 100 hectares os quais foram requeridos para regularização ao órgão fundiário do Estado em nome da associação. Os 100 hectares requeridos pela associação nem se comparam em tamanho às fazendas de soja que ocupam diversos quilômetros quadrados da área do município de Brejo. Os caminhos mantidos pelos sojicultores destoam completamente do caminho mantido pela prefeitura de Brejo e que passa por diversas comunidades da zona rural do município. Os dos sojicultores são corrigidos enquanto o da prefeitura é só pedra. Para se chegar as comunidades de Pacoti e São Raimundo, é preciso percorrer os caminhos abertos pelos sojicultores e perguntar aos motoqueiros apressados a que altura do caminho se deveria trocar de estrada.  Quando visse um cemitério seria o momento de virar a direita. Então, só a visão de um cemitério faria o caminho se endireitar saindo dos plantios de soja para se chegar as comunidades tradicionais e quilombolas de Brejo.
Mayron Régis