Rio Chibel do Povoado Todos os Santos secou |
...No tocante à bacia do Rio Munim, um caso extremo constatado durante o trabal de campo, no município de Urbano Santos, diz respeito ao desaparecimento por completo do Rio Chibel, localizado no povoado Todos os Santos.
O referido rio
fazia parte da microbacia do Rio Boa Hora, por sua vez pertencente à
bacia do Rio Munim, que tem como afluente principal o Rio Mocambo. Esta
microbacia possui uma área de 58.812,64 hectares, com um percurso de 42
km de extensão do seu rio principal desde a nascente, no povoado
Seriema, à sua foz na zona urbana de Urbano Santos (CONCEIÇÃO FILHO;
LEMOS, s/d, p. 3 - 4).
Este recurso
hídrico se constituía em importante fonte de sobrevivência para os
moradores e, segundo os informantes, começou a perder seu volume
hídrico, até secar totalmente, a partir da década de 1980, mais
especificamente no ano de 1983, coincidentemente, na mesma época em que
se iniciaram os plantios de eucalipto no referido povoado, exatamente à
montante de suas cabeceiras, pelas então empresas JS Florestal e
Plantar.
Considerando a
devastação e extinção dos recursos hídricos, tomou-se o caso de Todos os
Santos como situação limite, para demonstrar os estragos ambientais
provocados no município de Urbano Santos e os dramas sociais deles
decorrentes.
A este respeito, afirma um dos entrevistados nesse povoado:
E - Nós... nós
tinha uma lagoa muito grande chamada Baixinha, essa lagoa dava muito
peixe, onde todo animal bebia. Aí eh... ela... essa lagoa tava lá, aí o
pessoal tava pescando, o pessoal foram pescar. Aí eu disse: ‘você sabe
de uma coisa, pra vocês, vocês nunca mais pescam mais naquela lagoa!
Adeus para sempre!’ Ta aí... peixe, traíra que dava de quilo e meio,
dois quilos.
P – Muito?
E – Muito peixe.
Tem gente que pegou foi de paneiro de peixe. E foi... até hoje ta
levantando poeira, quando dá no verão levanta poeira. Nunca foi água
mais pra lá. E nem nos final das casas ali é difícil ir água.
P – Mas é por que... eles interromperam a água?
E – Que eles
interromperam a água. Deixaram o baixão... deixaram... não deixaram nada
no baixão! Eu mostro pra vocês, eu mostro tudo. Olha, só aqui em Urbano
Santos tem Baixa das Palmeiras, que tem lagoa lá que era lagoona que
ainda batia bem nisso aqui da gente [ mostra a altura da cabeça], eu
passava nadando. Hoje ta seca. Aquele riacho que bem acolá assim, vocês
passaram por ele, lá nós passava nadando de primeiro. Hoje, não tem mais
nada.
(...)
E – (...) Eu
posso amostrar o riacho ali, bem aí tem um riacho aí, aonde botava puba
de molho, bem ali... de primeiro, quando não tinha tanque, botava puba
bem ali e tal ... só se você vê: seco, seco! Secou... as plantas
aqui...o... aqui o buriti, tudo no seco, não tem peixe, tudo no seco.
Ontem eu saí aqui, fui até lá em baixo, só tem umas lagoas lá em baixo,
acolá. O resto! Chegava, eu batia assim o pé na beira da água... hoje
não cria nem peixe.
(...)
E - E hoje lá ta
tudo aterrado. Ontem eu passei...eu passei ontem no... como eu tava lhe
falando, eu passei lá na Baixinha, olhando tudinho, observando tudo o
que já foi aqui, a água aqui, pescava aqui, hoje não tem ... já ta só...
só terra! Não tem água, mas da Taboca não tem água, mas tinha, não tem
água. Pausinho não tem água. Baixo das Palmeiras não tem água. É
cabeceira do rio lá de Urbano Santos [Rio Boa Hora].
(...)
E - Bem daquele
riacho é um galho [um braço], vai pra lá pra Baixa das Palmeiras e vai
pra banda da Taboca. Lá dentro tem outro galho [ braço] que vai pra
Baixinha e vai pra ... Taboca. Lá adiante tem outro galho que vai pra o
Pauzinho. E tudo era cheio de água, e, tudo era cheio de peixe. Aqui
tinha muita fartura. Era uma beleza (...) Era um sonho! Era um sonho,
hoje não tem mais...
Além de plantar
eucalipto nas cabeceiras dos rios e riachos, as terceirizadas da Suzano
desviam a água desses corpos hídricos de seu curso normal, fazendo com
que seja dirigida a seus plantios, problema apontado em mais de um
povoado. Conforme o depoimento do entrevistado:
E – A destruição
aqui é grande. Faz calombo no meio da estrada... eles faz que é pra
água não descer no riacho, só desce, só fica lá dentro [do eucaliptal].
P – Desvia a água?
E – Desvia a água e faz calombo no meio da estrada, faz calombo. Aquela água que vem de lá pra cá.
P – Mas é de propósito?
E – É! Ele faz de propósito, eles faz aqueles calombo no meio.
P – Pra água ir pra onde eles querem?
E – Ir pra onde
eles quiserem, lá pra dentro do eucalipto. Que os eucalipto são
daqueles...que consomem muita água, muita água demais...
Caminhando com
os entrevistados, marcando pontos de GPS e filmando a conversa, os
pesquisadores colheram outro depoimento, no mesmo sentido:
P: Qual era o nome desse riacho aqui?
E: Esse aqui?
Esse aqui se chamava Chibel. (...) em oitenta e dois o rio começou a
secar (...) que foi a chegada da [empresa] Florestal...
P: Mas esse rio ele fornecia peixe?
E: (...) Peixe.
Muito peixe. Peixe com fartura. Nós passava aqui... nós botava um
cocho[canoa] e atravessava de um lado pra outro...
P: E hoje ele se encontra desse jeito...
E: E hoje ele se encontra nessas condições...
P: Mas você acha que isso é devido a quê?
E: É devido ao
eucalipto (...). Ele que faz isso aqui, é o eucalipto. (...). Só pra cá
tem três cabeceiras desse riacho aqui e tão todos os três desse jeito.
Tem Pauzinho mais a Taboca, tem Baixinha, tem a cabeceira do Baixo das
Palmeiras. (...) Aqui é onde eu pescava, que eu tava contando pra vocês.
Aqui é aonde eu vinha. A mulher fazia o almoço... fazia o almoço, mas
não tinha mistura, eu vinha pescar aqui, pegava o peixe com a mão,
parece uma mentira mas é verdade, pegava peixe com a mão...
P: Secou tudo?
E: Secou tudo.
Daqui pra frente vocês tão vendo aqui... daqui pra frente esse riacho
pegava de um lado a outro aqui, de um lado a outro, todinho de um lado a
outro. Olha aí, ta tudo seco! Aqui nós passava, a água passava... agora
ta tudo seco, tudo seco. Só tem muita água aqui porque choveu. Outro
dia passei aqui tava sequinho....
P: Isso tudo você associa ao plantio de eucalipto?
E: Ao plantio de
eucalipto. Porque não tem as cabeceiras, não vai mais água pras
cabeceiras e não pode mais descer água pro riacho...
P: As cabeceiras desse rio ficam na chapada?
E: Fica na chapada, na chapada...
P: Onde ta sendo plantado o eucalipto...
E: Onde ta sendo
plantado. Eu peguei peixe na chapada! (...) quando chovia eu ia pegar
peixe na chapada, ficava aquele poço de água, a gente subia pra chapada e
ficava, aí no riacho ficava muito peixe, hoje não tem mais nada...
P: Nem lá e nem aqui...
E: Nem lá e nem aqui, não tem mais. Vocês tão vendo aí a largura que era o riacho aqui...
A fartura de peixes
e a abundância de água desse corpo hídrico contrasta com o que os
pesquisadores observaram e filmaram. Conforme explica o entrevistado, de
acordo com a época do ano, as águas do rio adentravam as chapadas e,
conforme baixavam, permanecia uma lama. O entrevistado se guiava pelas
borbulhas que os peixes faziam e, metendo sua mão, conseguia agarrá-los e
assim prover o alimento para a família rapidamente. Percebe-se, assim, o
quanto a dieta dessas famílias foi comprometida com o secamento desse
rio e o quanto sua vida tornou-se mais difícil, passando elas a
depender, agora, da compra de alimentos industrializados e, portanto, de
entradas monetárias fixas, seja de salários ou de
aposentadorias/bolsas. O contraditório nesta situação é que produtores
de alimentos autônomos, passaram a depender de auxílios governamentais
para poder sobreviver. Neste caso, esses empreendimentos produzem a
miséria e não o que chamam de desenvolvimento.
Observe-se, no mapa ao lado,
o destaque em vermelho para o que seria o curso desse rio, no povoado
Todos os Santos. Para tal representação, utilizou-se como referência uma
carta da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG), do município de Urbano Santos, de 1977.
A escolha desta
base cartográfica deu-se justamente por sua antiguidade e detalhamento.
Como se percebe, os recursos hídricos aí aparecem com grande riqueza de
detalhes, dos rios principais a seus afluentes e subafluentes. Desse
modo, por meio da marcação de pontos de GPS no referido rio, a partir da
indicação dos moradores, foi possível localizá-lo nessa base
cartográfica.
Fez-se, ainda, a
representação de plantios de eucalipto existentes no povoado, destacados
no mapa em verde, igualmente com base em alguns pontos de GPS marcados
nesses locais. Menciona-se que em Todos os Santos há várias outras
plantações da espécie em questão e se decidiu por representar somente
estas pelo fato de estarem, conforme depoimento dos moradores, situadas
próximas às principais cabeceiras do Rio Chibel e, portanto,
responsáveis diretamente por sua extinção.
Observa-se, a
partir do mapa, que se tratava de um rio relativamente extenso e, como
mostrado no depoimento acima, expressivamente largo e piscoso. Um dos
motivos para ter secado por inteiro, está relacionado ao fato de os
plantios de eucalipto terem sido realizados exatamente em suas
principais cabeceiras, denominadas pelo entrevistado de Pauzinho,
Taboca, Baixinha e Baixa das Palmeiras. De fato, segundo nos informa
Lima (1993), a alta demanda de água da espécie (eucalipto) esgota a
umidade do solo e destrói a descarga da água subterrânea,
desestabilizando o ciclo hidrológico.
RECURSOS HIDRÍCOS EXTINTOS OU AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO:
Bonfim
Entrevistados apontam a diminuição, a cada ano, do leito do rio que passa no povoado (afluente do Rio Preguiças).
Plantação de eucaliptos na nascente do rio, em local chamado Campineira.
Ingá
Os carros e tratores da Suzano deslocam-se pelo leito do rio que dá acesso ao povoado provocando aterramento.
Juçaral
A Lagoa da Onça,
localizada na nascente do riacho que banha o povoado, está completamente
seca e com extinção de sua fauna nativa. A diminuição de seu leito vem
ocorrendo desde a devastação da vegetação, a cerca de 50 metros de suas
margens, para implantação de campos de eucalipto. Segundo os moradores,
era uma lagoa funda, que permanecia sempre cheia, e abrigava jacarés,
sucurujus e variedades de peixes. O riacho também diminuiu sem volume.
Duas grotas que atravessam o povoado – chamadas grota Pau D’Arco e grota
Cedro- têm origem na pequena área de chapada restante, que está na
iminência de devastação pela empresa para novas plantações de eucalipto.
Mangabeirinha
Redução do volume de água do rio e da única lagoa existente no povoado, chamada Lagoa de Mangabeirinha.
A construção de
estradas pela empresa vem provocando o assoreamento da Lagoa. Em
períodos chuvosos, a areia e detritos escoam para dentro da Lagoa
assoreando-a. As famílias fazem barreiras para impedir esse processo,
mas a ação da chuva provoca a destruição das barreiras.
Todos os Santos
Extinção dos
corpos hídricos que servem o povoado e de sua fauna nativa. Os
entrevistados afirmam que utilizavam os corpos hídricos que servem o
povoado ou estão próximos e que, nos dias atuais, não encontram mais
água denominando essa situação como sequidão. A alternativa encontrada é
o uso da água de poços dos quintais, mas que não é considerada boa para
consumo.
Desaparecimento do Rio Chibéu.
Desaparecimento da Lagoa da Baixinha e de sua fauna nativa.
Desaparecimento das nascentes de três riachos – Pauzinho, Taboca e Baixinha.
Desaparecimento da
chamada Baixa das Palmeiras, local próximo ao povoado onde fica a
nascente do Rio da Boa Hora e onde, atualmente, existem plantações de
eucalipto.
Aterramento da Lagoa das Cajazeiras.
Desaparecimento de local utilizado para banho das famílias chamado Baixa Seca.
Trecho do relatório de pesquisa "CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO LESTE MARANHENSE, problemas
provocados pela atuação da Suzano Papel e Celulose e dos chamados
gaúchos no Baixo Parnaíba", de elaboração do Grupo de Estudos Rurais da
UFMA sob a coordenação da antropóloga Profa. Dra. Maristela de Paula
Andrade.
Bom dia,
ResponderExcluirSeu blog foi mapeado como um importante ator na rede que monitoro em minha pesquisa de doutorado “As redes ambientais na internet e a gestão da natureza”, da Escola da Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Será que você pode fazer a gentileza de responder a este breve questionário online? https://www.surveymonkey.com/s/YS7NSFP
Sua participação é muito importante para minha pesquisa, agradeço de antemão e posso esclarecer qualquer dúvida se precisar.
Atenciosamente,
Débora de Carvalho Pereira
deborapereira.blog.br
debcarpe@gmail.com