A
conversa acalma o fogo. Nesses tempos, o fogo imprime sua fúria sobre as áreas
de Chapada e sobre as áreas de Baixo. No caminho, entre Chapadinha e Buriti, presenciam-se
inúmeros córregos secos e inúmeras queimadas em áreas de preservação
permanente. A falta de chuva no sertão maranhense em 2012 implicou na perda da
safra de culturas como arroz e milho e no aumento das queimadas. Tanto uma como
a outra não se constituem em nenhuma novidade para o agricultor familiar do
Baixo Parnaiba maranhense que, por séculos, cultiva o solo do qual retira seu
sustento. Houve tempos em que a chuva evitou por completo o leste maranhense. Algumas
áreas se esvaziaram. As pessoas secaram por dentro e por fora.
A
agricultura familiar depende, completamente, dos recursos naturais. A
agricultura familiar modifica os recursos naturais na hora que produz
alimentos, na hora que constrói sua moradia e na hora de consumir produtos
industrializados. O Vicente de Paula, morador do povoado Carrancas, município
de Buriti, rememorou o que sua família enfrentou ao se mudar para a Chapada.
Completara dez anos essa mudança. Eles limparam uma área de mato seco e
levantaram uma choupana que serve de cozinha e despensa. Como necessitavam de
água, construíram um poço. Como necessitavam de verduras, implantaram uma
horta. Para coletar bacuri, valiam-se das áreas dos vizinhos. As áreas dos
vizinhos contam com mais bacurizeiros do que a área do Vicente de Paula.
Incluiu-se o Vicente de Paula no projeto
“Carrancas do senhor Onésio”, financiado pelo CASA (Centro de Apoio Sócio
Ambiental), a pedido do senhor Onésio, um dos proprietários de áreas onde a
família do Vicente coleta bacuri. A expansão da soja pelas Chapadas de Buriti
condenava posseiros como o Vicente de Paula e o senhor Onésio a extinção e com
eles se extinguiria espécies como o bacurizeiro e o pequizeiro, árvores nativas
do Cerrado maranhense. Vicente de Paula defende a tese que não se deveria
permitir nenhum desmatamento na sua região porque as nascentes do rio Preto,
afluente do rio Munim, espocam por toda a Chapada.
Concebeu-se
o projeto “Carrancas do senhor Onésio” em conversas com os pequenos
proprietários e posseiros do povoado. A varanda de dona Graça recepcionava
essas conversas. O objetivo principal do projeto, o reflorestamento das margens
do rio Preto, interligava-se com outros objetivos como a geração de renda a
partir do beneficiamento dos frutos do Cerrado e a segurança alimentar. Para algumas pessoas, um projeto como esse
tardara. As áreas de extrativismo de bacuri e de pequi se reduziram em todo o
município de Buriti e desde que os gaúchos promoveram os desmatamentos pouca
coisa havia sido feito. Os proprietários se mostraram descrentes com o projeto.
À
primeira vista, os pequenos proprietários de Carrancas haviam se rendido aos
plantadores de soja. Essa impressão circulava pelo Baixo Parnaiba maranhense.
Eles não tomaram partido pelos plantadores de soja, apenas não viam motivação
para que confrontassem um segmento que contava com apoio dos governos. E o que
eles argumentariam em contraposição ao projeto da soja no Baixo Parnaiba? Que a
conservação da Chapada perduraria os recursos hídricos, a biodiversidade local
e a cultura das comunidades tradicionais? Bem, essas razões foram incapazes de
segurar a fronteira agrícola no sul do Maranhão e vários dos plantadores de
soja se deslocavam dessa região para o Baixo Parnaiba. De certa forma, os
plantadores de soja prestaram um favor aos pequenos e médios proprietários ao
comprarem suas áreas de Chapada. A compra dessas áreas e os desmatamentos
posteriores cortaram quaisquer afinidades sociais, culturais, ambientais e
econômicas que esses proprietários alegavam em momentos anteriores. A venda da
Chapada reafirmava de forma contraditória o poder politico desses proprietários
sobre os demais moradores que colhiam frutos ou cortavam madeiras na Chapada. Aqueles
que não venderam suas áreas não o fizeram por razões particulares e,
provavelmente, uma delas reside na compreensão de que, desprovidos de suas
áreas de extrativismo, eles não seriam nada.
É só
calcular. O André, plantador de soja, oferecera dez mil reais e mais noventa
hectares espalhados em toda Carrancas para que o Vicente abdicasse dos seus
mais de 160 hectares. Nessa proposta, o sojicultor contestava a posse do
Vicente e o valor do que construíra em dez anos. O Vicente rejeitou a proposta.
A resposta negativa se devia ao simples fato que a propriedade valia muito mais
do ponto de vista financeiro. A recusa repercutiu. Um morador de Carrancas que
recebe pela empreitada em áreas desmatadas perguntava ao Vicente se não era uma
perda de tempo. Com essa pergunta, ele pretendia demover Vicente dos seus
intuitos. Outros bem que fizeram essa mesma pergunta relativa ao projeto
“Carrancas do senhor Onésio”. Caso o André lograsse êxito, o projeto estaria
fadado ao fracasso.
O
Vicente se sagrou vitorioso na quebra-de-braço com o André. Essa vitória
injetou um ânimo nele, de tal jeito, que, logo depois da recusa, ele construiu
um galinheiro e cercou a área de manejo de bacuri. Na área de manejo de bacuri,
uma das brotações, que cresce rapidamente, proveio de um bacurizeiro que botava
em outubro quando a maioria bota em janeiro. Contudo, a real medida do
interesse do Vicente transpareceu na sequencia à sua participação na oficina de
criação de colmeias. A criação de
colmeias de abelhas nativas pode trazer bons resultados como pode não trazer
nenhum. Ele aprendeu a construir as caixas e a fazer a mudança das abelhas
tiuba e uruçú dos troncos velhos para as caixas recentemente aprontadas. Quem
ensinou o manejo foi o Doutor, agricultor familiar do município de Rosário e
integrante da Associação Agroecológica Tijupá. Os bons resultados com a criação
de abelhas fazem ressurgir histórias simples de pessoas em Carrancas que
coletavam o mel em grande quantidade e coletavam a cera apenas para fabricar as
velas que queimariam em homenagem aos mortos no dia dos finados. Esses costumes
desapareceram junto com as pessoas que as requisitavam. Ganhava-se de forma
individual e de forma instintiva. No projeto “As Carrancas do senhor Onésio” se
ganha de forma coletiva e o ano todo porque se tem o bacuri, o pequi, o murici,
o caju, o buriti, a manga, o babaçu e a criação de pequenos animais.
Mayron
Régis
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