MPF promove audiência pública sobre os temas, dias 11 e 12 de setembro, na cidade de Mineiros, em Goiás
Você já ouviu falar sobre patrimônio
genético? E sobre conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio
genético? Se não ouviu, não se culpe. A invisibilidade é justamente uma
das características desses dois termos, embora não devesse ser, dada sua
importância histórica, social, ambiental, científica e econômica. Para
fortalecer a discussão sobre o assunto, com foco no Cerrado brasileiro, o
Ministério Público Federal realizará audiência pública, dias 11 e 12 de
setembro, na comunidade quilombola do Cedro, no município de Mineiros,
em Goiás – em 11 de setembro, é comemorado o Dia Nacional do Cerrado.
Definição, importância e dificuldades - Patrimônio
genético é qualquer informação de origem genética contida em espécime
vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e
substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos ou de
extratos obtidos deles. Conhecimento tradicional associado é a
informação ou a prática de comunidade indígena ou local que tenha
relação com esse patrimônio genético. Ou seja, um medicamento produzido
por um povo indígena ou uma comunidade quilombola a partir do extrato de
plantas é um conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético.
Mas qual a relevância desse conhecimento?
Em primeiro lugar, há ligação direta com
a sobrevivência de comunidades locais e populações indígenas. Além do
uso para subsistência, muitas delas têm nos recursos biológicos sua
fonte de renda – caso, por exemplo, da comunidade quilombola do Cedro,
que possui um laboratório de plantas medicinais amplamente reconhecido.
Um dos problemas é que há dificuldade
para a viabilização econômica de iniciativas desse tipo. A legislação
atual não prevê regras específicas, isto é, as comunidades tradicionais
são submetidas às mesmas leis aplicadas a grandes laboratórios
farmacêuticos e de cosméticos. “Temos uma vigilância sanitária que cria
obstáculos por não reconhecer esses conhecimentos como válidos, como
importantes”, explica o procurador da República Wilson Rocha Assis,
membro do Grupo de Trabalho Conhecimentos Tradicionais, vinculado à 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (populações indígenas e
comunidades tradicionais). “As comunidades acabam não dando conta de
colocar seus produtos no mercado e se veem obrigadas a vender o
conhecimento a empresas com infraestrutura para dialogar com o poder
público”, complementa, adiantando outro ponto da discussão proposta para
os dias 11 e 12: a repartição equitativa dos benefícios comerciais
derivados da utilização do conhecimento tradicional. Há inúmeros casos
de recursos de países em desenvolvimento acessados sem consentimento e
transformados em direitos proprietários nos países industrializados, que
passam a vendê-los aos próprios detentores originais dos materiais
biológicos.
Meio ambiente e modelo econômico – A
discussão sobre conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio
genético, contudo, não pode ser feita de forma isolada, em cima de um ou
outro caso. É necessária compreensão ampla do modelo econômico
implementado pelo Estado brasileiro, que não favorece comunidades como
as indígenas e as quilombolas. Para o MPF, o Cerrado não deve ser visto
apenas como área de expansão do agronegócio: “o modelo baseado na
mecanização intensiva, na monocultura e na utilização de semente
transgênica deve respeitar os direitos das comunidades tradicionais há
séculos instaladas no Cerrado”, diz Assis.
A importância ambiental do Cerrado, que
justifica sua preservação, é facilmente perceptível a partir de números
fornecidos pelo Ministério do Meio Ambiente:
- segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território nacional. Neste espaço, encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata);
- do ponto de vista da diversidade biológica, é reconhecido como a savana mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. Cerca de 199 espécies de mamíferos são conhecidas, e a avifauna compreende cerca de 837 espécies. Os números de peixes (1200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são elevados. Também é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos.
- mais de 220 espécies têm uso medicinal e mais 416 podem ser usadas na recuperação de solos degradados, como barreiras contra o vento, proteção contra a erosão, ou para criar habitat de predadores naturais de pragas. Mais de 10 tipos de frutos comestíveis são regularmente consumidos pela população local e vendidos nos centros urbanos, como Pequi, Buriti, Mangaba, Cagaita, Bacupari, Cajuzinho do cerrado, Araticum, além das sementes do Barú.
- contudo, inúmeras espécies de plantas e animais correm risco de extinção. Estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas já não ocorram em áreas protegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana.
- de todos os hotspots mundiais de biodiversidade, é o que possui a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral: apenas 8,21%.
A audiência - O
Ministério Público Federal, portanto, propõe um ponto inicial de
diálogo: a conservação do Cerrado exige o respeito e a promoção dos
conhecimentos tradicionais associados ao rico patrimônio genético do
bioma presente no coração do Brasil. “O reconhecimento e a valorização
dos conhecimentos de que são detentores os povos tradicionais do Cerrado
são um componente essencial do equilíbrio socioambiental assegurado
pela Constituição republicana de 1988″, defendem os representantes do
grupo de trabalho.
Foram convidados para a audiência
pública as comunidades tradicionais do Cerrado, entidades da sociedade
civil (como organizações não governamentais) e órgãos públicos locais,
regionais e nacionais (entre eles, o ICMBio, o Ibama, a Anvisa, os
ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação, e a
Secretaria-Geral da Presidência da República). O evento, apoiado pela
Rede Cerrado, pela prefeitura de Mineiros, pela Articulação Pacari e
pelas comunidades quilombolas do Cedro e do Buracão, está aberto à
imprensa e à população em geral.
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