terça-feira, 27 de agosto de 2013

Você conhece o patrimônio genético e os conhecimentos tradicionais do Cerrado?

Foto: Saite Estudo Prático
Foto: Saite Estudo Prático
MPF promove audiência pública sobre os temas, dias 11 e 12 de setembro, na cidade de Mineiros, em Goiás
Você já ouviu falar sobre patrimônio genético? E sobre conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético? Se não ouviu, não se culpe. A invisibilidade é justamente uma das características desses dois termos, embora não devesse ser, dada sua importância histórica, social, ambiental, científica e econômica. Para fortalecer a discussão sobre o assunto, com foco no Cerrado brasileiro, o Ministério Público Federal realizará audiência pública, dias 11 e 12 de setembro, na comunidade quilombola do Cedro, no município de Mineiros, em Goiás – em 11 de setembro, é comemorado o Dia Nacional do Cerrado.
Definição, importância e dificuldades - Patrimônio genético é qualquer informação de origem genética contida em espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos ou de extratos obtidos deles. Conhecimento tradicional associado é a informação ou a prática de comunidade indígena ou local que tenha relação com esse patrimônio genético. Ou seja, um medicamento produzido por um povo indígena ou uma comunidade quilombola a partir do extrato de plantas é um conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético. Mas qual a relevância desse conhecimento?
Em primeiro lugar, há ligação direta com a sobrevivência de comunidades locais e populações indígenas. Além do uso para subsistência, muitas delas têm nos recursos biológicos sua fonte de renda – caso, por exemplo, da comunidade quilombola do Cedro, que possui um laboratório de plantas medicinais amplamente reconhecido.
Um dos problemas é que há dificuldade para a viabilização econômica de iniciativas desse tipo. A legislação atual não prevê regras específicas, isto é, as comunidades tradicionais são submetidas às mesmas leis aplicadas a grandes laboratórios farmacêuticos e de cosméticos. “Temos uma vigilância sanitária que cria obstáculos por não reconhecer esses conhecimentos como válidos, como importantes”, explica o procurador da República Wilson Rocha Assis, membro do Grupo de Trabalho Conhecimentos Tradicionais, vinculado à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (populações indígenas e comunidades tradicionais). “As comunidades acabam não dando conta de colocar seus produtos no mercado e se veem obrigadas a vender o conhecimento a empresas com infraestrutura para dialogar com o poder público”, complementa, adiantando outro ponto da discussão proposta para os dias 11 e 12: a repartição equitativa dos benefícios comerciais derivados da utilização do conhecimento tradicional. Há inúmeros casos de recursos de países em desenvolvimento acessados sem consentimento e transformados em direitos proprietários nos países industrializados, que passam a vendê-los aos próprios detentores originais dos materiais biológicos.
Meio ambiente e modelo econômico – A discussão sobre conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético, contudo, não pode ser feita de forma isolada, em cima de um ou outro caso. É necessária compreensão ampla do modelo econômico implementado pelo Estado brasileiro, que não favorece comunidades como as indígenas e as quilombolas. Para o MPF, o Cerrado não deve ser visto apenas como área de expansão do agronegócio: “o modelo baseado na mecanização intensiva, na monocultura e na utilização de semente transgênica deve respeitar os direitos das comunidades tradicionais há séculos instaladas no Cerrado”, diz Assis.
A importância ambiental do Cerrado, que justifica sua preservação, é facilmente perceptível a partir de números fornecidos pelo Ministério do Meio Ambiente:
  • segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território nacional. Neste espaço, encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata);
  • do ponto de vista da diversidade biológica, é reconhecido como a savana mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. Cerca de 199 espécies de mamíferos são conhecidas, e a avifauna compreende cerca de 837 espécies. Os números de peixes (1200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são elevados. Também é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos.
  • mais de 220 espécies têm uso medicinal e mais 416 podem ser usadas na recuperação de solos degradados, como barreiras contra o vento, proteção contra a erosão, ou para criar habitat de predadores naturais de pragas. Mais de 10 tipos de frutos comestíveis são regularmente consumidos pela população local e vendidos nos centros urbanos, como Pequi, Buriti, Mangaba, Cagaita, Bacupari, Cajuzinho do cerrado, Araticum, além das sementes do Barú.
  • contudo, inúmeras espécies de plantas e animais correm risco de extinção. Estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas já não ocorram em áreas protegidas e que pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana.
  • de todos os hotspots mundiais de biodiversidade, é o que possui a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral: apenas 8,21%.
A audiência - O Ministério Público Federal, portanto, propõe um ponto inicial de diálogo: a conservação do Cerrado exige o respeito e a promoção dos conhecimentos tradicionais associados ao rico patrimônio genético do bioma presente no coração do Brasil. “O reconhecimento e a valorização dos conhecimentos de que são detentores os povos tradicionais do Cerrado são um componente essencial do equilíbrio socioambiental assegurado pela Constituição republicana de 1988″, defendem os representantes do grupo de trabalho.
Foram convidados para a audiência pública as comunidades tradicionais do Cerrado, entidades da sociedade civil (como organizações não governamentais) e órgãos públicos locais, regionais e nacionais (entre eles, o ICMBio, o Ibama, a Anvisa, os ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Educação, e a Secretaria-Geral da Presidência da República). O evento, apoiado pela Rede Cerrado, pela prefeitura de Mineiros, pela Articulação Pacari e pelas comunidades quilombolas do Cedro e do Buracão, está aberto à imprensa e à população em geral.

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