quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A milenar gastronomia dos povos do Cerrado

Diário da Manhã
Bráulio Antônio Calvoso Silva
Piqui:
Características:
Nome tupi (etimologia): piqui: de pir - pele, casca, + quí - áspero, espinhento.
Nomes populares: pequi, piqui, piquiá, piqui do Cerrado.
Nome científico: Caryocar Brasiliense.
Percebam que o nome em tupi “piqui” está acima dos demais, seguido dos nomes populares e, por fim, do científico, por uma questão de justiça em relação aos saberes das populações tradicionais, principalmente as indígenas. Vejamos a motivação para a hierarquia de citações propostas, com base nos dois parágrafos seguintes:
Nos mais de 200 crânios encontrados em Lagoa Santa-MG, nos últimos 150 anos, nota-se uma grande homogeneidade dos primeiros povoadores das terras baixas sul-americanas. Suas características sugerem uma origem pré-mongolóide, o que nos faz supor serem estes originários da Ásia e mantendo, em relação aos povos desse continente, semelhanças genéticas (cabelo, olhos, tipo sanguíneo etc.).
Já os padrões de desgaste dentário, revelam um alto consumo de plantas do Cerrado. Essa informação é possível pela presença de restos de pequi, jatobá e licury nos fósseis de 10.000 a 8.000 anos. Portanto, alguns insumos que dão origem às tradições gastronômicas goianas são conhecidos há aproximadamente 08 a 10 mil anos.
Por isso a nossa proposta em levantar a tese de que a gastronomia goiana tem tradição milenar. Os usos dos frutos da nossa terra têm uma longa tradição, que não deve ser desprezada, quando se fala do tempo decorrido desde o começo do aproveitamento alimentar dos produtos do Cerrado. O objetivo aqui é valorizar os conhecimentos, práticas, saberes e fazeres tradicionais.
Onde ele existe naturalmente: Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins.
Floração: agosto a novembro (época das chuvas) com pico em setembro, mas ocasionalmente em outras épocas após chuvas ou roçados. Em cerrados do Distrito Federal, foi observada floração entre junho a outubro, antes do período chuvoso e a maturação dos frutos de dezembro da mesma estação chuvosa.
Frutificação: novembro a fevereiro
Usos: o piqui é uma planta hermafrodita (possui os dois sexos), melífera (suas flores produzem mel), e sua madeira é usada para fabricação de móveis ou para produzir carvão para a indústria siderúrgica. Sua madeira é muito resistente ao esterco de curral. Isso significa que ele não apodrece com a umidade e com as reações químicas produzidas pela decomposição das fezes dos animais. O óleo de piqui tem efeito tonificante e é usado para curar bronquites, gripes, resfriados e no controle de tumores. É comum o óleo de piqui ser misturado ao mel de abelha em partes iguais e essa mistura resultante ser usada como expectorante. O chá de suas folhas é tido como regulador de fluxo menstrual. Da casca e das folhas extraem-se corantes de ótima qualidade, empregados por tecelões em tinturaria caseira.
Quando jovem o piqui tem a coloração verde; já os maduros tem um cheiro forte e devem ser coletados no chão, no período de outubro a janeiro, logo que caem da árvore. Isso significa que, quando estão na árvore, mesmo que estejam maduros, ainda não estão prontos para o consumo. É melhor deixar que a natureza mostre o momento adequado para apanhar o fruto e consumir.
É importante lavar bem os frutos para evitar a contaminação com produtos químicos, muitas vezes disseminados no ar e que ficam impregnados na casca. Em seguida corta-se o fruto e retira-se os caroços. Observe que os caroços devem sair facilmente. Isso demonstra que os frutos estão maduros.
Pode acontecer de os frutos não se desprenderem da casca assim que caem da árvore. Porém, dois ou três dias depois isso acontece. Portanto não precisamos nos preocupar muito com isso se comprarmos os frutos em uma feira, pois certamente depois de dois dias já estarão prontos para o consumo.
Observe que os caroços do piqui são envolvidos por uma massa pastosa com a cor amarelo-ouro, que tem bastante gordura e é comestível. A polpa pode ser cozida com água e sal e consumida com farinha ou cozida com arroz, feijão ou galinha.
O piqui também pode ser conservado em salmoura, óleo, sob refrigeração em sacos plásticos ou sob a forma de farinha. Mais de 80% do piqui não é comestível, mas pode ser utilizada para a ração animal ou adubo, desde que não esteja contaminada com produtos tóxicos.
O ideal é fazer um teste em uma pequeno grupo de plantas, que pode ser uma hortaliça, para testar o seu grau de contaminação, se não for possível constatar a presença de produtos químicos e o produtor estiver em dúvida se há ou não contaminação.
Receitas com piqui
Farinha de piqui:
Fervente os caroços e retire do fogo. Deixe esfriar e logo em seguida raspe com a colher ou faca aquela polpa amarela, que já estará mole e sairá do caroço com facilidade. Coloque em tabuleiros, assadeiras, formas, refratárias e leve ao fogo baixo,mexendo até secar. Depois de seca, podemos ainda levar ao liquidificador ou bater no pilão ou passar no moedor. Logo em seguida passe na peneira. Se for grande a quantidade de farinha a ser produzida, então leve a um forno grande.
Amêndoa de piqui:
Os caroços do piqui, depois de retirada a sua polpa, devem ser levados ao sol para secar. Após a secagem, parta em duas partes, tomando muito cuidado com os espinhos que estão entre a casca do caroço, e a amêndoa.
Óleo de piqui:
O óleo de piqui é encontrado à venda nas feiras de beira de estrada, em Alexânia, Abadiânia, Santa, Valparaiso de Goiás e em feiras livres do Distrito Federal.
Arroz com piqui
Ingredientes:
20 a 30 caroços de piqui com polpa;
01 quilo de arroz;
Óleo;
Sal, alho, cebola e cheiro verde.
Modo de fazer:
Coloque uma chaleira cheia de água para esquentar (aproximadamente 800 ml (mililitros) de água).
Lave o arroz e deixe escorrer, para tirar o excesso de pó de amido, e deixa-lo mais solto.
Pegue os caroços com polpa e coloque em uma panela grossa e grande, com óleo, e deixe em fogo médio. Será melhor escolher uma panela que seja de ferro batido ou alumínio grosso.
Quando os caroços de piqui (com polpa) estiverem com um amarelo escuro, aproximadamente dez minutos depois que forem colocados no óleo quente, acrescentar a cebola e deixar apenas um pouco para murcharem. Antes que a cebola fique dourada, acrescente o alho e deixe-o derreter vagarosamente, mexendo bem para que o gosto do alho e da cebola fique misturado ao óleo.
Assim que o alho começar a dourar, coloque o arroz já lavado e mexa bem.    
Espere um pouco e mexa novamente.
Faça isso até que o arroz fique seco e o óleo apareça brilhando na superfície do arroz. O ponto ideal para o acréscimo de água é o momento em que o óleo se incorpora ao arroz, deixando-o “envernizado”. Isso levará uns dez a doze minutos aproximadamente.
Quando refogamos ou fritamos o arroz, ele adquire uma camada de verniz de gordura que impede a aglomeração dos grãos. Isso o deixa soltinho e com sabor mais apurado, principalmente se usarmos o azeite de oliva.
Nesse momento, quando o arroz estiver já refogado e com uma camada de verniz de gordura na sua superfície, acrescente a água fervente de modo que ela não ultrapasse um dedo acima do nível do arroz.
Somente depois de colocar a água, coloque o sal. Se colocamos o sal antes da água, ele perde o sabor, e deixa o arroz com um sabor desagradável e amargo.
Verifique sempre o nível da água, enfiando uma colher de sopa até o fundo da panela e verificando se ainda não há água. Quando o fundo da panela estiver  seco, experimente um pouco do arroz e veja se ele ainda está duro. Se ele estiver muito duro coloque um pouco de água (um copo americano). Se estiver quase bom, coloque meio copo e abaixe o fogo, deixando que o fogo baixo termine o serviço.
Depois que o arroz estiver pronto, coloque ervas frescas por cima, e ele já estará pronto para ser servido. Bom apetite!
Silva Braulio A. Calvoso. Cerrado: 11 mil anos em histórias – uma perspectiva socioambiental da ocupação do Cerrado (ainda sem publicação);
Fontes: Almeida S. P.; Proença, C.E.B.; Sano, S.M.; Ribeiro, J.F.; Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina: Embrapa – CPAC, 1998. XIII + 464p;
(Bráulio Antônio Calvoso Silva, pesquisador de culturas do Cerrado e escritor. brauliocalvoso@hotmail.com)

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