quinta-feira, 13 de junho de 2013

Isto é vinagreira


  • 12 de junho de 2013|
  • 23h11|
  • Por Cintia Silva
Por Cíntia Bertolino
Especial para o Estado

No Norte, quem reina é a vinagreira. No Sul, é o hibisco. Na verdade, são a mesma planta: vinagreira é a folha, hibisco, as sépalas que envolvem o fruto. No Norte, a planta dá folhas e frutos o ano inteiro. Por aqui, só uma vez por ano (corra, porque está na época!).
A vinagreira é a protagonista de um dos grandes pratos nacionais, o arroz de cuxá, joia da cozinha maranhense.

Esse arroz é uma apetitosa mistura de vinagreira, arroz, camarão seco salgado e pimenta-de-cheiro – além de uma pimenta murici para esquentar o prato. A vinagreira é cozida até amaciar e depois, “batida” com a face oposta da lâmina de faca até virar uma massa homogênea. Em seguida, é refogada com o camarão e as pimentas.
“No Maranhão se come muito arroz de cuxá, em casa e no restaurante. É comum servir o arroz com pescado ou camarão frito”, diz Camilla Ewerton Ramos, do restaurante Maracangalha, em São Luís.
Por lá, também é comum combinar o azedinho do arroz com uma moqueca de frutos do mar. É uma daquelas receitas tão tradicionais e familiares que o preparo varia conforme a casa. Há quem cozinhe o camarão seco e salgado com o arroz. E quem prefira adicioná-lo no final, junto com a vinagreira.
Sem o arroz, o cuxá vira uma outra receita. Um prato que, segundo Caloca Fernandes em Viagem Gastronômica através do Brasil, é um amálgama da influência dos povos (o negro, o índio, o árabe e o português) que tiveram grande importância na formação do Estado.
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Na receita do cuxá entram vinagreira, joão-gomes (uma hortaliça também conhecida como língua-de-vaca ou caruru), gergelim torrado, camarão seco e pimentas. A herança indígena vem na utilização da hortaliça (de origem africana), praticamente desconhecida para quem nasceu no Sul ou no Sudeste. O gergelim entrou no prato por influência dos árabes; os portugueses contribuíram com o método de preparo. A técnica de reduzir a vinagreira a uma papa tem como inspiração os esparregados portugueses (cozidos de verduras, macerados e quase reduzidos a um purê).
Além do cuxá, outra preparação tradicional é o batipuru, que é um cuxá sem o arroz, acrescido de quiabo, para ser comido puro ou com pão.

Será? As folhas da vinagreira lembram as de Cannabis sativa. Mas o barato aqui vem do sabor. Ela é rica em ferro e acidez. FOTOS: André Dusek/Estadão
O cuxá está tão associado ao cotidiano dos maranhenses que rendeu algumas lendas urbanas. Uma delas faz troça da semelhança das folhas da vinagreira com as da Cannabis sativa, para explicar a “leseira”, pós refeição. Se bem que depois de um belo prato de arroz de cuxá, sob o sol maranhense, dá para saber de onde vem o barato.
Está na época. No Cerrado goiano, os arbustos de hibisco também estão carregados nesta época do ano. Na fazenda e reserva natural Vagafogo, em Pirenópolis, a plantação local abastece a lojinha com hibisco cristalizado, geleias e compotas. Quem chega por lá é recebido com um refrescante chá de hibisco e convidado a provar a saborosa salada de vinagreira, cebola e temperos servida com um condimentado pão de mel.
À frente da cozinha da fazenda, Uirá Ayer está fazendo experiências com a vinagreira desidratada. Ela pode ser doce ou salgada, e é ideal para polvilhar desde sobremesas que precisem de um toque ácido até saladas de folhas verdes.
Por aqui, a falta de costume sulista no consumo da vinagreira talvez tenha uma explicação: as folhas, com sua acidez elegante, são muito delicadas, murcham e perdem o viço com rapidez. O ideal é colher a vinagreira e não demorar muito para botar na panela. A dificuldade em encontrá-la fresca também pode ser um obstáculo, mas nada que não possa ser contornado com um fornecedor.
Antônia Padvaiskas, do Empório Poitara, traz as hortaliças direto do Pará. Para algumas receitas desta edição, Marisa Ono, do blog Delícia, cedeu as folhas de sua horta particular.

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