01/03/2013 - Mercado Ético
- Eduardo Gudynas*
‘Extrahección’ (super-extração) é um termo novo para descrever a
apropriação dos recursos naturais desde a imposição de poder e violação
dos direitos humanos e da natureza. A palavra é nova, mas o conceito é
bem conhecido. Descreve situações que pouco a pouco estão se tornando
mais comuns, assim como os empreendimentos de mineração ou petroleiros
impostos em um contexto de violência, ignorando as vozes dos cidadãos,
deslocando comunidades camponesas ou indígenas, ou contaminando o meio
ambiente.
‘Extrahección’ é uma palavra que provem do latim ‘extrahere’, que significa tomar algo, arrancando-o ou arrastando-o. É, portanto, um termo adequado para descrever situações onde se arrancam os recursos naturais, seja das comunidades locais ou da natureza. Nestas circunstâncias, violam-se diversos direitos, e este precisamente é o aspecto que se põe em evidência com este novo termo. Os direitos violados cobrem uma vasta gama, entre os quais se podem indicar alguns para tomar consciência da gravidade destas situações.
Impactos ambientais, como a destruição de ecossistemas silvestres, a contaminação das águas, solos, ar ou a perda de acesso à água, são todas violações dos chamados direitos de terceira geração. Estes estão focados na qualidade de vida de um ambiente ou em um ambiente são, e entre os exemplos conhecidos se pode indicar a contaminação por agrotóxicos nas monoculturas de soja. Em países onde mais se reconhecem os direitos da natureza (como no Equador), existem empreendimentos extrativistas que são claramente incompatíveis com o mandato ecológico constitucional.
Os direitos dos indivíduos são afetados de diversas maneiras. Repetidamente se violam as consultas prévias, livres e informadas às comunidades locais, ou se forçam seus resultados, como tem sido denunciado em vários projetos nos países andinos. Também existem violações quando se impõe o deslocamento de comunidades, como vem ocorrendo com as operações de mineração da região de Carajás no Brasil. Em locais onde há novos empreendimentos, ouvimos queixas de violações dos direitos dos trabalhadores, quer na sua sindicalização, quer em condições sanitárias e de saúde (como relatado por trabalhadores de carvão na Colômbia).
Não podemos esquecer as práticas de corrupção, como nos esquemas de suborno, para aceitar práticas de alto impacto social ou ambiental, ou inclusive para obter as permissões de funcionamento de um projeto.
A ‘extrahección’ também descreve as circunstâncias de empreendimentos que se impõem silenciando de maneira distinta as vozes cidadãs. Nos últimos anos, tem sido comum a volta da judicialização dos protestos, iniciando-se ações legais contra seus líderes, que são submersos por processos que duram anos, têm seus bens embargados, suas viagens restringidas etc. Um outro passo é criminalizar as ações cidadãs, colocando-as à sombra de atos de vandalismo, sabotagem ou terrorismo. Recentemente, o Observatório de Conflitos Mineiros da América Latina (OCMAL) coletou casos de criminalização em vários países latino-americanos.
Finalmente, na ‘extrahección’, também se chega à violência direta através de distintos formatos. Esta pode estar em mãos de indivíduos ou a cargo de grupos, os quais, por sua vez, podem ser força de segurança ou paramilitares, ou estar em mãos das próprias forças estatais (policiais ou militares). Uma recente revisão internacional detectou que as três maiores corporações na área de mineração (Rio Tinto, Vale e BHP Billition) têm estado envolvidas em casos de violência, vários dos quais na América Latina.
Tudo isto se expressa em repressões violentas de mobilizações, raptos e até mesmo assassinatos. Uma vez mais se encontram muitos exemplos recentes, desde as repressões às mobilizações sociais em diferentes localidades da Argentina, ou a marcha a favor do TIPNIS na Bolívia, bem como o saldo de pelo menos cinco mortos e mais de cinquenta feridos nas marchas de oposição ao projeto de mineração de Conga, no Peru.
Está claro que estes e outros casos representam ações ilegais que ocorrem em países que contam com coberturas legais para os direitos humanos. Mas não podem passar despercebidas as situações de ‘alegalidade’, onde se mantêm as formalidades legais, mas as consequências das ações são claramente ilegais. Neste caso encontramos as corporações que aproveitam, por exemplo, os vazios normativos para fazerem avançar contaminações ambientais, ou que ignoram as empresas que subcontratam para levar a cabo ações de maior impacto para as comunidades locais.
Quando o Estado não assegura seu próprio marco normativo de direitos, as comunidades locais têm apelado a instâncias internacionais, tais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desta maneira, têm sido visibilizadas muitas demandas que antes eram sepultadas mediante a indiferença estatal – como ocorreu na Guatemala, diante da solicitação do fechamento da mina Marlin, para garantir a saúde das comunidades locais.
É necessária uma nova palavra, ‘extrahección’ pra descrever estas situações? Certamente que é. Estas violações aos direitos humanos e à natureza não são meras consequências inesperadas, ou produto de ações isoladas levadas adiante por indivíduos deslocados. Esta é a justificativa variadas vezes empregada por setores governamentais ou corporativos, com a finalidade de separar suas atividades destas violações. Esta postura é inaceitável.
Na realidade, as violações de direitos têm se tornado um componente inseparável e inevitável de certo tipo de extração dos recursos naturais. Isto ocorre quando estas atividades comprometem enormes superfícies, realizam procedimentos intensivos (por exemplo, utilizando agrotóxicos) ou os riscos em jogo são de enorme gravidade e, portanto, nunca seriam aceitáveis sob os marcos legais para as comunidades locais. Então, a única forma com que podem ser executadas é por meio da imposição e da violação aos direitos fundamentais. A violação destes direitos não é uma consequência, senão uma condição para fazer valer este tipo de apropriação dos recursos naturais. Trata-se de facetas de um mesmo tipo de desenvolvimento, intimamente vinculadas entre si.
É esta a dinâmica particular que explica o conceito de ‘extrahección’. Não basta dizer, por exemplo, que uma das consequências do extrativismo mais intensivo é a violação de alguns direitos. Deve-se deixar claro que existe uma íntima relação entre estes fatores, onde estas estratégias de apropriação de recursos naturais somente são possíveis quebrando-se os direitos das pessoas e da natureza.
* Eduardo Gudynas é pesquisador do CLAES (Centro Latino Americano de Ecología Social)
Tradução: Valéria Nader
(Correio da Cidadania)
‘Extrahección’ é uma palavra que provem do latim ‘extrahere’, que significa tomar algo, arrancando-o ou arrastando-o. É, portanto, um termo adequado para descrever situações onde se arrancam os recursos naturais, seja das comunidades locais ou da natureza. Nestas circunstâncias, violam-se diversos direitos, e este precisamente é o aspecto que se põe em evidência com este novo termo. Os direitos violados cobrem uma vasta gama, entre os quais se podem indicar alguns para tomar consciência da gravidade destas situações.
Impactos ambientais, como a destruição de ecossistemas silvestres, a contaminação das águas, solos, ar ou a perda de acesso à água, são todas violações dos chamados direitos de terceira geração. Estes estão focados na qualidade de vida de um ambiente ou em um ambiente são, e entre os exemplos conhecidos se pode indicar a contaminação por agrotóxicos nas monoculturas de soja. Em países onde mais se reconhecem os direitos da natureza (como no Equador), existem empreendimentos extrativistas que são claramente incompatíveis com o mandato ecológico constitucional.
Os direitos dos indivíduos são afetados de diversas maneiras. Repetidamente se violam as consultas prévias, livres e informadas às comunidades locais, ou se forçam seus resultados, como tem sido denunciado em vários projetos nos países andinos. Também existem violações quando se impõe o deslocamento de comunidades, como vem ocorrendo com as operações de mineração da região de Carajás no Brasil. Em locais onde há novos empreendimentos, ouvimos queixas de violações dos direitos dos trabalhadores, quer na sua sindicalização, quer em condições sanitárias e de saúde (como relatado por trabalhadores de carvão na Colômbia).
Não podemos esquecer as práticas de corrupção, como nos esquemas de suborno, para aceitar práticas de alto impacto social ou ambiental, ou inclusive para obter as permissões de funcionamento de um projeto.
A ‘extrahección’ também descreve as circunstâncias de empreendimentos que se impõem silenciando de maneira distinta as vozes cidadãs. Nos últimos anos, tem sido comum a volta da judicialização dos protestos, iniciando-se ações legais contra seus líderes, que são submersos por processos que duram anos, têm seus bens embargados, suas viagens restringidas etc. Um outro passo é criminalizar as ações cidadãs, colocando-as à sombra de atos de vandalismo, sabotagem ou terrorismo. Recentemente, o Observatório de Conflitos Mineiros da América Latina (OCMAL) coletou casos de criminalização em vários países latino-americanos.
Finalmente, na ‘extrahección’, também se chega à violência direta através de distintos formatos. Esta pode estar em mãos de indivíduos ou a cargo de grupos, os quais, por sua vez, podem ser força de segurança ou paramilitares, ou estar em mãos das próprias forças estatais (policiais ou militares). Uma recente revisão internacional detectou que as três maiores corporações na área de mineração (Rio Tinto, Vale e BHP Billition) têm estado envolvidas em casos de violência, vários dos quais na América Latina.
Tudo isto se expressa em repressões violentas de mobilizações, raptos e até mesmo assassinatos. Uma vez mais se encontram muitos exemplos recentes, desde as repressões às mobilizações sociais em diferentes localidades da Argentina, ou a marcha a favor do TIPNIS na Bolívia, bem como o saldo de pelo menos cinco mortos e mais de cinquenta feridos nas marchas de oposição ao projeto de mineração de Conga, no Peru.
Está claro que estes e outros casos representam ações ilegais que ocorrem em países que contam com coberturas legais para os direitos humanos. Mas não podem passar despercebidas as situações de ‘alegalidade’, onde se mantêm as formalidades legais, mas as consequências das ações são claramente ilegais. Neste caso encontramos as corporações que aproveitam, por exemplo, os vazios normativos para fazerem avançar contaminações ambientais, ou que ignoram as empresas que subcontratam para levar a cabo ações de maior impacto para as comunidades locais.
Quando o Estado não assegura seu próprio marco normativo de direitos, as comunidades locais têm apelado a instâncias internacionais, tais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desta maneira, têm sido visibilizadas muitas demandas que antes eram sepultadas mediante a indiferença estatal – como ocorreu na Guatemala, diante da solicitação do fechamento da mina Marlin, para garantir a saúde das comunidades locais.
É necessária uma nova palavra, ‘extrahección’ pra descrever estas situações? Certamente que é. Estas violações aos direitos humanos e à natureza não são meras consequências inesperadas, ou produto de ações isoladas levadas adiante por indivíduos deslocados. Esta é a justificativa variadas vezes empregada por setores governamentais ou corporativos, com a finalidade de separar suas atividades destas violações. Esta postura é inaceitável.
Na realidade, as violações de direitos têm se tornado um componente inseparável e inevitável de certo tipo de extração dos recursos naturais. Isto ocorre quando estas atividades comprometem enormes superfícies, realizam procedimentos intensivos (por exemplo, utilizando agrotóxicos) ou os riscos em jogo são de enorme gravidade e, portanto, nunca seriam aceitáveis sob os marcos legais para as comunidades locais. Então, a única forma com que podem ser executadas é por meio da imposição e da violação aos direitos fundamentais. A violação destes direitos não é uma consequência, senão uma condição para fazer valer este tipo de apropriação dos recursos naturais. Trata-se de facetas de um mesmo tipo de desenvolvimento, intimamente vinculadas entre si.
É esta a dinâmica particular que explica o conceito de ‘extrahección’. Não basta dizer, por exemplo, que uma das consequências do extrativismo mais intensivo é a violação de alguns direitos. Deve-se deixar claro que existe uma íntima relação entre estes fatores, onde estas estratégias de apropriação de recursos naturais somente são possíveis quebrando-se os direitos das pessoas e da natureza.
* Eduardo Gudynas é pesquisador do CLAES (Centro Latino Americano de Ecología Social)
Tradução: Valéria Nader
(Correio da Cidadania)
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