MCP luta pelo respeito à
biodiversidade. Na foto, Maria, camponesa de Vianópolis (GO) mostra seu
cultivo de milho crioulo e a mata ao fundo
(foto: Marina Muniz)
A
relação entre biodiversidade e transmissão de doenças vem sendo
debatida por especialistas em todo o mundo. Com as constantes mudanças
climáticas e a diminuição significativa da biodiversidade,
principalmente nos grandes centros urbanos, uma questão muito abordada é
como as alterações na biodiversidade podem afetar a transmissão de
doenças.
A Fiocruz – por meio do Projeto Nacional de Ações Integradas
Público-Privadas para a Biodiversidade (Probio), que faz parte do
Programa Institucional Biodiversidade & Saúde da Vice-Presidência de
Pesquisa e Laboratórios de Referência – tem trabalhado nessa temática,
com intuito de alertar que a biodiversidade equilibrada é uma excelente
aliada na prevenção da transmissão de agentes etiológicos de doenças,
especialmente daqueles que demandam vetores para completar o ciclo
biológico.
Coordenado
pela pesquisadora Márcia Chame, da Escola Nacional de Saúde Pública
(Ensp/Fiocruz), o Probio está em sua segunda edição e conta com a
subcoordenação de Norma Labarthe, também pesquisadora da Fiocruz. Em
entrevista ao Informe Ensp,
falou sobre a relação entre biodiversidade e transmissão de doenças.
Segundo ela, a inclusão do conhecimento científico disponível nos
dispositivos legais e criação de guias de vigilância seriam ações
governamentais possíveis para reduzir a disseminação de doenças tendo a
natureza como aliada. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Qual
é a relação entre biodiversidade e disseminação de doenças por vetores,
como carrapatos, mosquitos, roedores e outros animais?
O
ponto de partida dessa reflexão é: biodiversidade equilibrada é uma
excelente aliada na prevenção da transmissão de agentes etiológicos de
doenças, especialmente daqueles que demandam vetores para completar o
ciclo biológico.
A relação nem sempre é direta, mas, simplificando um sistema altamente
complexo, podemos dizer que a biodiversidade conservada reduz a
disseminação.
Cientistas
– inclusive pesquisadores de renomadas universidades internacionais –
afirmam que, quanto maior a biodiversidade de uma região, menor é a
transmissão de doenças para os homens. Já é possível explicar por que
isso ocorre?
O
conhecimento atual mostra que a simplificação da biodiversidade
desequilibra as relações inter e intraespecíficas e, nesses casos,
ocorre alteração dos padrões de transmissão de patógenos. Assim, a
alteração pode ser no sentido da inclusão de humanos em um ciclo que
antes não os incluía.
Imaginemos que, no ambiente em questão, alguns hospedeiros que serviam
como fonte alimentar para os vetores desapareceram. Concomitantemente,
seres humanos, que são mamíferos de grande porte e, portanto, apresentam
grande superfície para que os vetores hematófagos realizem suas
refeições, tornaram-se abundantes. É provável que carrapatos e mosquitos
infectados passem a se alimentar de sangue humano. Esse é um exemplo de
como os vetores podem aproximar os parasitos que circulam no local dos
seres humanos e, assim, aumentar as chances de haver emergência ou
reemergência de novas doenças.
Poderia citar um exemplo concreto de como a mudança na biodiversidade afeta a transmissão de doenças?
Um
exemplo bem conhecido é a doença de Lyme, nos Estados Unidos. O agente
etiológico da doença é uma bactéria transmitida por carrapatos, cujo
hospedeiro é um camundongo silvestre. O carrapato alimenta-se no roedor e
também em outros pequenos mamíferos e passarinhos. Naturalmente, as
fontes alimentares dos carrapatos são animais de pequeno porte. Logo,
tais animais não têm sangue suficiente para alimentar grandes
quantidades de carrapatos.
Quando
apareceu, na região, grande quantidade de cervos, que são mamíferos
grandes, a oferta de sangue ampliou. Consequentemente, a população de
carrapatos também aumentou. Assim, a circulação de carrapatos e de
bactérias passou a ser mais intensa. Ao entrarem nesse ambiente
modificado, os seres humanos passaram a ser picados por carrapatos
infectados pela bactéria e contraíram o que foi descrito como doença de
Lyme.
O senso comum diz que, quanto menos animais ao redor, menor é a chance de disseminação de doenças. Essa premissa é falsa?
Generalizar
é muito difícil. Se eu devolver a pergunta a você, modificando-a, qual
seria a resposta? De qual espécie animal você pode contrair o maior
número de doenças? Provavelmente, você pensou o mesmo que eu: de nós
mesmos! Tudo o que pega em seres humanos pode pegar em mim. Seguindo
esse pensamento, quanto mais parecidas as espécies entre si, maior risco
elas têm de contrair alguma doença. Mas precisamos lembrar que, para
oferecer perigo, o outro precisa albergar um parasito e que, se houver
muitas espécies diferentes no ambiente, umas serão suscetíveis a ele e
outras não. Então, se pensarmos friamente, verificaremos que as espécies
resistentes (refratárias ao agente etiológico em questão) funcionam
como uma barreira, um filtro natural que tenderá a proteger, e não
ameaçar.
Para
melhor compreensão de suscetíveis e resistentes, pode-se pensar em
vacinados (resistentes) e não vacinados (suscetíveis) contra uma virose.
Quando há poucos vacinados em uma comunidade, o risco a que estão
expostos os suscetíveis é muito maior do que o risco dos suscetíveis
numa comunidade onde há 90% de vacinados.
Diante
dessa relação entre biodiversidade e transmissão de doenças, que ações o
governo poderia tomar para reduzir a disseminação de doenças, usando a
natureza como aliada?
Incluir o conhecimento científico disponível nos dispositivos legais e criar guias de vigilância seriam ótimas e viáveis ações.
mcpbrasil
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