sexta-feira, 2 de março de 2012

BREVE ANÁLISE SOBRE O ORÇAMENTO ESTADUAL PARA 2012: AS PRINCIPAIS POLÍTICAS AGRÁRIAS E DE DIREITOS HUMANOS E A COMPARAÇÃO COM 2011.



Igor Martins Coelho Almeida[1]

Segundo a crença da maioria da população brasileira, o ano só começa, efetivamente, após o carnaval. Na administração pública, essa crença parece se tornar cada vez mais real, na medida em que, geralmente, o orçamento dos entes públicos só está liberado para utilização no mês de março. A partir daí, licitações são realizadas, contratos são assinados, compras começam a ser feitas e obras começam a ser executadas. Também é após o carnaval que as casas legislativas reiniciam os trabalhos.

Pois bem. É nesta esteira, pegando carona com o dito popular e com a abertura do orçamento (que deve ocorrer agora no mês de março) é que passamos a esta breve análise do orçamento do Estado do Maranhão para o ano de 2012.

Da mesma forma que o ano de 2011, o orçamento do Maranhão ratifica vultosas somas em áreas voltadas para ações e programas de publicidade. O orçamento para a Secretaria de Comunicação Social do Estado do Maranhão chega a ser quase 12 vezes maior do que o orçamento destinado para a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Cidadania, que entre outros, é responsável pela gestão do Procon e pelos recursos do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas ameaçadas (PROVITA).

Segundo estimativa da Lei Orçamentária, o Estado do Maranhão deverá ter uma receita total de no valor de R$ 11.058.722.883,00 (onze bilhões, cinquenta e oito milhões, setecentos e vinte e dois mil, oitocentos e oitenta e três reais), um acréscimo na ordem de mais de 1 bilhão e 300 mil reais. Isso representa quase todo o recurso destinado para a Secretaria de Estado da Educação (R$ 1.254.979.352,00), o segundo maior do Executivo Estadual. A Secretaria de Estado da Saúde é a detentora da maior receita prevista para 2012: R$ 1.789.640.461,00 (hum bilhão setecentos e oitenta e nove milhões seiscentos e quarenta mil quatrocentos e sessenta e um reais).[2]

Neste contexto, importante ressalvar como a Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão destinou as emendas ao orçamento do Estado. Secretaria de Infraestrutura (26,3 milhões), Fundo Estadual de Saúde (26 milhões), Departamento Estadual de Infraestrutura de Transportes (16,1 milhões) e Secretaria de Cultura (15,1 milhões) receberam os maiores recursos por parte dos deputados e deputadas estaduais. O Fundo de Desenvolvimento Agropecuário e Agroindustrial (FEDAGRO) e a Secretaria de Desenvolvimento Agrário receberam, respectivamente, 4,7 e 4,1 milhões de reais. Secretaria de Segurança Pública (300 mil), a Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (270 mil) e a Universidade Estadual do Maranhão (100 mil) foram os órgãos menos contemplados com emendas pelos parlamentares maranhenses.

Como dito acima, no campo das políticas públicas relacionadas com a afirmação e efetivação dos Direitos Humanos no Maranhão, a SEDIHC tem orçado para despesas o valor de R$ 3.835.035,00 (três milhões oitocentos e trinta e cinco mil e trinta e cinco reais). Deste valor, 618 mil reais estão alocados para serem investidos no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) estadual. Apesar de, a princípio, parecer um valor alto, o mesmo é insuficiente para atender todas as demandas das pessoas protegidas pelo programa, bem como arcar com os salários dos profissionais que realizam o acompanhamento social, psicológico e jurídico das pessoas protegidas.

Ainda na área de proteção aos direitos humanos, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Cidadania dispõe de um recurso anual de 40 mil reais para garantir a implementação do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Ameaçados. Todo este montante deverá ser utilizado para montagem de uma equipe interdisciplinar para acompanhamento dos casos; pagamento de remunerações e despesas dos técnicos e das pessoas protegidas; aluguel de veículos, combustível, hospedagem, dentre outros gastos rotineiros para um programa que exige constante deslocamento para as mais diversas regiões de um Estado que é dos maiores da Federação.

Vale ressaltar que, atualmente, 21 maranhenses estão inseridos no Programa Federal de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Sabe-se que, infelizmente, a demanda é bem maior, em virtude de vários conflitos, principalmente agrários, que estouram pelos quatro cantos do Estado. A pergunta que fica é: o que será possível fazer em todo o ano de 2012 com um orçamento de 40 mil reais?

Como dito em parágrafos anteriores, a Secretaria de Estado da Comunicação Social mereceu atenção especial. Os recursos destinados em 2012 estão na ordem de mais de 53 milhões de reais. No detalhamento da despesa elaborado pelo Governo do Estado chama a atenção que, dos 07 programas específicos dentro do orçamento da secretaria, apenas 02 (Publicidade de utilidade pública e publicidade de atos legais) não tem relação com a divulgação de atos e/ou realizações por parte do Executivo Estadual (a famosa “propaganda do governo”). Para estas duas ações, foram destinados apenas 6,9 milhões de reais. Trocando em miúdos: o orçamento do Estado do Maranhão para divulgação de ações e eventos do governo; produção de reportagens; conteúdo para a imprensa; dentre outras, gira em torno dos 46 milhões de reais.

Em um Estado com uma população de cerca de 35% ainda morando na zona rural é fundamental que passemos a abordar agora a destinação dos recursos públicos para o desenvolvimento do setor agrário.

Nesse cenário é inevitável a comparação do orçamento destinado pelo Governo Estadual ao Agronegócio (voltado, majoritariamente, para o mercado externo) e à regularização fundiária e desenvolvimento agrário do Maranhão.

Para as questões do campo, a exemplo de outros Estados federados, a organização administrativa do Executivo Estadual prevê dois órgãos principais: a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Pesca (SAGRIMA) e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (SEDAGRO). A primeira foi criada para estimular o desenvolvimento do agronegócio no Maranhão[3]. Já a segunda, foi criada para dar especial visibilidade nas ações de fortalecimento da agricultura familiar e apoiar concretamente os beneficiários dos processos de ordenamento e reordenamento agrário, alicerçado na articulação e interação das políticas e ações federais, estaduais e municipais de desenvolvimento agrário, desenvolvimento socioeconômico e igualdade racial.[4]

Em relação ao ano de 2011, o orçamento da SAGRIMA encolheu R$ 6.959.149 (seis milhões novecentos e cinquenta e nove mil cento e quarenta e nove reais). Para 2012, foram destinados apenas pouco mais de 12 milhões de reais para o desenvolvimento de suas ações. Posteriormente, foi incorporados apenas 1,2 milhão de reais (Anexo IX, art. 12, Lei 9.554/2012), destacando-se como uma das secretarias de estado que menos recebeu acréscimos em seu orçamento. Desse montante, podemos destacar algumas ações.

A primeira delas se refere à pesca. O Maranhão apresenta o segundo maior litoral do país. Felizmente, a produção pesqueira no Estado ainda é voluptuosa. Ressalte-se, por exemplo, que grande parte da lagosta consumida nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte é pescada no litoral maranhense. Ainda assim, o executivo estadual parece não estar atento a esta peculiaridade do nosso Estado.

No projeto do orçamento de 2012 encaminhado pelo Poder Executivo, o recurso destinado para a Pesca Produtiva (gestão do programa; fortalecimento da cadeia produtiva da pesca extrativista; capacitação para dinamização econômica de empreendimentos pesqueiros; e coleta e sistematização de informações sobre a pesca extrativista maranhense) receberá, durante todo o ano, incentivos na ordem de 300 mil reais[5].

Em sentido contrário, a “Aquicultura Produtiva” receberá o triplo em investimentos/incentivos por parte do Governo Estadual: 900 mil reais. Ou seja, o Governo do Maranhão continuará permitindo que cearenses e potiguares continuem explorando predatoriamente o nosso rico litoral, e destinará boa parte de recursos orçamentários para o incentivo à produção de peixes e camarões em terra.

Merecem destaque ainda as repetitivas ações de visibilidade e publicidade das ações governamentais. As mesmas encontram-se espalhadas por todos os órgãos da administração estadual direta e indireta, e não apenas na Secretaria de Estado de Comunicação Social. Com a SAGRIMA não poderia ser diferente.

Serão destinados 80 mil reais para a “Publicidade de Utilidade Pública do Agronegócio”, que tem por objetivo implementar mecanismos de comunicação integrada interna e externa visando mostrar a importância do agronegócio à sociedade. Além disso, outros 300 mil reais serão gastos para a “Promoção do Agronegócio Maranhense” que visa propiciar aos produtores rurais e à sociedade em geral, o acesso às informações e inovações tecnológicas nas diversas áreas do setor agropecuário, projetando e divulgando a imagem institucional da SAGRIMA e detectar novas oportunidades de parcerias e trocas de informações para o desenvolvimento agropecuário.

Existem ações importantes que nas quais estão alocadas recursos para investimento pela SAGRIMA. Nesse segmento podemos destacar o apoio à estruturação de cadeias produtivas e arranjos produtivos locais; ao associativismo e cooperativismo agropecuário; ao desenvolvimento da agricultura orgânica; e implantação do zoneamento agroclimático do Maranhão. Contudo, os recursos para efetivar tais ações ainda são escassos: em média, 100 mil reais anuais para cada uma dessas ações. Tais ações são de fundamental importância na medida em que fixa o homem/mulher no campo, garantindo a produção sustentável e ecologicamente correta de um grande número de famílias, propiciando, desta forma, considerável aumento na qualidade de vida dessas pessoas.

Ainda neste contexto, o orçamento estadual deste ano desconsiderou algo que faz parte da história, da cultura e do modo de vida tradicional do campo maranhense, principalmente por parte das mulheres: a coleta e quebra do côco babaçu.

O orçamento de 2011 destinava 500 mil reais para o apoio ao agroextrativismo, em especial aquele realizado pelas quebradeiras de coco babaçu, possibilitando, destarte, agregar valor ao produto, promovendo o uso sustentável e integral das culturas, e ainda valorizar as entidades organizativas e extrativistas. Para 2012, não existe previsão de rubrica específica para o desenvolvimento de tais ações de fortalecimento.

Chama a atenção o aumento de recursos para a Secretaria de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e para a Superintendência do Núcleo de Programas Especiais (NEPE). Em 2011, esses dois órgãos receberam 60,9 milhões de reais (14,6 milhões e 46,2 milhões, respectivamente). Para 2012, foram destinados pouco mais de 52,7 milhões de reais (47,1 milhões e 9,6 milhões, respectivamente).[6] Importante ressaltar que 44 milhões do orçamento 2011 do NEPE estavam ligados ao Programa de Redução da Pobreza Rural, fruto de um convênio com o Banco Mundial.

A Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Maranhão (AGERP/MA) obteve um salto de 10,9 milhões (2011) para 16,1 milhões (2012). Nestes casos, é importante ressaltar que alguns programas e/ou ações foram deslocados para outros órgãos. Podemos citar como exemplo a ação “implantação de sistemas agroecológicos” que em 2011 era uma ação da AGERP/MA, passou a ser da SEDAGRO.

À primeira vista, tem-se a impressão de um grande salto orçamentário previsto para esta ação (Implantação de sistemas agroecológicos). Em 2011, foram destinados apenas 610 mil reais para sua execução. Em 2012, 8,9 milhões de reais. Contudo, uma análise mais atenta e detalhada apresenta diferenças substanciais para além dos valores.

Segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA)/2011, tal ação tinha por objetivo proporcionar aos agricultores familiares e pescadores artesanais a transferência de conhecimento na transição da matriz produtiva com a implementação de sistemas produtivos agroecológicos (roça stop, aléia, orgânica e outros). Já na LOA/2012 apresenta como objetivo implantar sistemas de transição ecológica em áreas de assentamentos rurais e comunidades tradicionais e promover a regularização fundiária.

Ou seja, os recursos alocados nesta ação para o ano de 2012 não atendem apenas o objetivo real da ação (a implantação dos sistemas agroecológicos) mas também outras ações diversas (regularização fundiária), que deveriam estar dispostas em órgãos e programas específicas, pois as mesmas são completamente diversas, dando assim a [falsa] impressão de grande aumento de recursos.

Em 2011, a ação Fortalecimento da Agricultura Familiar (dentro da AGERP) possuía 2,9 milhões de reais para a sua execução. Já em 2012, a mesma ação conta com 1,6 milhão de reais. Observa-se que, dos recursos das emendas parlamentares destinados ao FEDAGRO[7], nenhuma faz referência a Agricultura Familiar.

O Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA) também sofreu redução orçamentária. Em números absolutos, para o desenvolvimento de todos os programas e ações (incluindo despesas com pagamento de pessoal), os recursos do órgão fundiário estadual caíram de 7,5 para 7,1 milhões de reais.

No que tange aos recursos para realização de reforma agrária, os números, além de continuarem ainda bastante tímidos, sofreram redução. Em 2011, as ações assentamento de famílias e regularização fundiária, vinculadas ao ITERMA, contavam com 2,3 milhões de reais. Em 2012, as mesmas ações somam apenas 2 milhões de reais!

A nota positiva vai para a criação da ação específica Regularização Fundiária em áreas de Remanescentes de Quilombos, não prevista em LOA’s anteriores. Contudo, no Estado com a maior quantidade de comunidades quilombolas do país[8], 150 mil reais parecem muito pouco para atender à demanda.

De maneira geral, esses são os números do orçamento estadual para 2012. Apesar do aumento de mais de 1 bilhão de reais em relação a 2011, áreas, programas e ações fundamentais para a efetivação de direitos humanos no Maranhão ainda possuem receitas que não atendem a demanda.

Destacam-se os elevados recursos para a publicidade das ações governamentais em detrimento de outras políticas fundamentais, como a agricultura familiar, a regularização fundiária e a política de direitos humanos. Podemos citar o orçamento de mais de 3,9 milhões de reais para a Secretaria de Estado de Assuntos Políticos, um pouco menos do que destinado a importantes órgãos que executam as políticas de trabalho e economia solidária (7,7 milhões) e direitos humanos (4,6 milhões) e bem mais do que o destinado para a Secretaria de Estado da Mulher (2,5 milhões).

No Maranhão, ainda existe um grande déficit das entidades da sociedade civil em incidir junto ao Executivo e ao Legislativo para alocar recursos em áreas fundamentais para a realização dos direitos. Fica o desafio para a construção da LOA 2013.



[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão; Especialista em Direitos Público pela UNIDERP/LFG. Advogado. Assessor jurídico do Centro de Cultura Negra do Maranhão e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos; membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA.
[2] Valores consolidados com o acréscimo das emendas parlamentares ao projeto de Orçamento encaminhado pelo Governo do Estado: Lei n. 9.554, de 16 de janeiro de 2012. DOE 17/01/2012.  O Projeto de lei encaminhado pelo Executivo estimava a receita total e as despesas em 10,9 bilhões de reais.
[3] Objetivo exposto no endereço eletrônico do Governo do Estado do Maranhão. Disponível em http://www.ma.gov.br/index.php/governo/?id=9910
[4]  Objetivo exposto no endereço eletrônico do Governo do Estado do Maranhão. Disponível em http://www.ma.gov.br/index.php/governo/?id=10003
[5] Somente na Assembleia Legislativa se conseguiu um acréscimo de 700 mil reais por meio de emendas dos deputados.
[6] As emendas previstas no Anexo IX da Lei 9.554/2012 acrescentaram pouco mais de 4 milhões de reais à SEDAGRO.
[7] Segundo Anexo IX da Lei 9.554/2012, foram destinados ao FEDAGRO 4,7 milhões de reais.
[8] Estimativa do movimento quilombola do Maranhão é de que existam cerca de 700 comunidades espalhadas por todo o Estado. Já foram certificadas, pela Fundação Cultural Palmares, 407 comunidades quilombolas: http://www.palmares.gov.br/?page_id=88

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