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Encarar o tempo em Carrancas, Baixo Parnaiba maranhense
A linguagem, afinal, é um anseio.
“Quem me ensinou a apreciar essas as belezas sem dono foi Diadorim...”,
escreveu Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. A linguagem retoma a beleza
de sua inércia. “Estradas vão para as veredas tortas – veredas mortas “. A
linguagem se apega ao solo. O solo se escreve com a enxada. A escrita dos
homens se esconde sob a roça e revela-se na hora da colheita. “...as invenções estéticas são
«arcaicas». Trazem em si o pulsar de uma fonte distante.” Para alguns, o
jornalismo confere agilidade ao texto. Para outros, a agilidade impede que o
texto se exponha ao leitor. Para alguns, os agricultores familiares não são
muito ágeis, demoram a decidir e demoram a por em pratica a decisão. Para
outros, o agricultor, antes de decidir, encara o tempo e nem sempre o tempo
devolve a encarada. A dona Rita, esposa do Vicente de Paula, atendeu o celular:
o Vicente de Paula saiu cedo, não sei que horas ele retorna. Numa outra
ligação, o Vicente, agricultor do povoado Carrancas, município de Buriti,
explicou que a manhã toda capinara a capoeira perto da sua casa. Ele se
dispusera a retirar os matos menos importantes e deixar os bacurizeiros
crescerem sem competição. Os bacurizeiros o impressionavam pelo porte e pela
densidade. A impressão que ele passava por telefone cativava. Eles suplantavam
as distâncias físicas e de comunicação, em boa parte, por conta dos
bacurizeiros. Fora assim, naquela vez em que Vicente de Paula se aconselhara a
respeito de uma denuncia que fizera a justiça do município de Buriti de Inácia
Vaz. Os funcionários do André, plantador de soja, entraram cinco hectares
dentro de sua propriedade e desmataram vários bacurizeiros em 2009. Passados
quatro anos, Vicente de Paula se surpreende com a chegada do André em sua
propriedade. Em todo o tempo que vivia sobre aquela Chapada, Vicente só vira o
André na vez em que este fizera uma proposta para comprar a propriedade. O
André explicou a visita inesperada. O juiz de Buriti acatara a denuncia contra ele
e concedera uma liminar que o forçava a pagar uma multa de valor imenso. Queria
que o Vicente retirasse a denuncia e para provar seu arrependimento trocaria o
favor por um campo agrícola e pela promessa de nunca mais tocar na propriedade
do vizinho. O André quase levou o Vicente na conversa. Ele omitiu em sua
conversa que a decisão judicial o impedia de realizar qualquer atividade na
propriedade do Vicente. Se o Vicente retirasse a denuncia, ele se enfiaria mais
vezes no terreno sem qualquer preocupação em ser denunciado. Quase que ele obtém
sucesso. O Vicente se preparava para se deslocar com o propósito de retirar a
denuncia quando resolveu pedir à filha que ligasse para um amigo em São Luís.
Aconselhar-se-ia com o amigo, antes de decidir. O amigo o escutou com toda
solicitude e, mesmo sem conhecer o teor da decisão, aconselhou-o a não fazer
qualquer tipo de acordo pelo histórico de pressões que os funcionários do André
exerceram sobre o Vicente de Paula por vários anos; um desses funcionários apertou
a mão do Vicente, em frente a sua casa, com uma força brutal como uma forma de
amedronta-lo. O amigo objetava qualquer acordo porque a
pressa interessava ao André e não ao Vicente. O Vicente concordou com os
argumentos do amigo e declarou ao André que não faria nenhum acordo. A resposta
do André foi que o Vicente ficara muito esperto.
Mayron Régis
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