*Diogo Cabral
Foram 7 dias acampados na
sede do Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA), contudo os
cinquenta lavradores das Comunidades Arame e Campo do Bandeira,
situadas em Alto Alegre do Maranhão, decidiram que dali saíram
somente com o título de suas terras assinada pela governadora
Roseana Sarney.
Na tarde de 2 de fevereiro
de 2014, o diretor-presidente do ITERMA entregou ao lavrador João
Roza Filho (João Calu) o título de domínio comunitário número
14845, que outorgou às dezenas de famílias do povoado Arame o
direito de plantar e colher nas terras onde estão enterrados vários
dos antepassados.
A história de violência
contra os lavradores de Arame e Campo do Bandeira se inicia no começo
dos anos 2.000, quando o ex-prefeito de Codó e escravocrata Biné
Figuereido (PDT-MA) tenta se apossar de 1.700 hectares de terras
públicas, tradicionalmente ocupadas há quase cem anos por 60
famílias. Valendo-se da influência política e poder, Biné
Figuereido ajuizou 4 ações de reintegração de posse contra as
famílias, já no ano de 2005, quando ocorreu o primeiro despejo das
comunidades Arame e Campo do Bandeira. Casas, roças e até mesmo
cemitérios foram destruídos por policiais militares e pistoleiros.
Passados alguns meses, em
2006, os trabalhadores reocuparam as comunidades e retomaram suas
atividades, reconstruindo casas e roças. Em 2007, organizados, com o
apoio da Comissão Pastoral da Terra e da Diocese de Coroatá, na
pessoa de Dom Reinaldo Punder, os lavradores foram recebidos em
audiência pelo então governador Jackson Lago (PDT), que garantiu às
famílias a permanência nas comunidades. Passados sete dias da
reunião, todos os lavradores foram despejados de seus lares, tiveram
suas roças destruídas, em função de mais uma liminar expedida
pela Comarca de São Mateus do Maranhão.
Entre os anos de 2008 a
2012, várias foram as audiências envolvendo ITERMA, Ouvidoria
Agrária, Ministério Público Estadual, STTR de Alto Alegre do
Maranhão, FETAEMA e CPT, sem que o Estado do Maranhão oferecesse
segurança jurídica para as famílias camponesas, impedidas de fazer
um palmo de roça. Ao mesmo tempo, a área foi vendida a um grupo
empresarial liderado por Edvaldo Fagundes, megaempresário
nordestino, envolvido em escandalosas sonegações fiscais que
ultrapassam duzentos milhões de reais.
Em julho de 2013,
organizados pelo STTR de Alto Alegre do Maranhão e pela FETAEMA, com
o apoio da Diocese de Coroatá, na pessoa de Dom Sebastião Bandeira
e da Comissão Pastoral da Terra, os lavradores organizaram dois
acampamentos e retomaram o plantio de várias culturas de
subsistência, como milho, mandioca, feijão e arroz.
Em agosto do mesmo ano,
pistoleiros, arregimentados por Edvaldo Fagundes, atacaram o
acampamento no Povoado Arame de helicóptero. Em setembro, cerca de
15 jagunços dispararam mais de 200 tiros contra 50 trabalhadores
acampados no Povoado Campo do Bandeira. Em outubro, roças e paiol
foram incendiados por jagunços nas duas localidade e em novembro,
mesmo com a informação do ITERMA de que a área litigiosa pertencia
ao Estado do Maranhão, e que seria destinada às famílias, mais uma
vez os trabalhadores foram despejados. Várias foram as intimidações
contra trabalhadores rurais e dirigentes sindicais e um grupo de 5
pessoas (em que me incluo) sofreram ameaças de morte.
Em
razão da gravidade da situação, a Anistia Internacional, em
novembro, lançou Ação Urgente, em defesa das comunidades Arame e
Campo do Bandeira, exigindo que as autoridades investigassem
minuciosamente os ataques contra a comunidade Campo do Bandeira e aos
quarto membros da comunidade “marcados para morrer” e a garantir
sua segurança e que fosse fornecida moradia adequada em caráter
emergencial para as famílias que foram removidas forçadamente.
Cansados
de tanto sofrimento e humilhações, mesmo diante de tanta violência
e provações, num ato de bravura e resistência, na manhã de 28 de
fevereiro de 2014, os lavradores,ladeados pela FETAEMA e STTR de Alto
Alegre do Maranhão e ocuparam a sede do ITERMA, com uma única
exigência dirigido à governadora do Maranhão: o título de terra.
Os
lavradores venceram uma batalha contra o latifúndio e contra o
Estado. O cenário que se coloca para os próximos meses é de maior
luta dos trabalhadores de Arame e Campo do Bandeira e de suas
organizações. O Estado do Maranhão se comprometeu em titularizar o
povoado Campo do Bandeira até o mês de abril de 2014, bem como
garantir as investigações referentes às atuações da jagunçagem
(tiros, incêndios e ameaças de morte contra os lavradores).
O
caminho da luta, da esperança e da verdade está sendo trilhado por
centenas de famílias camponesas de Arame e Campo do Bandeira, e de
outras parte do Maranhão, como em Vergel, Três Irmão e Santa Maria
dos Moreiras (Codó), Aldeia Velha (Pirapemas), Charco (São Vicente
Ferrer), Cruzeiro (Palmeirândia) e Tiúba (Chapadinha). O inimigo,
por mais poderoso que possa parecer, não intimida os passos de
homens e mulheres que resolveram romper com as cercas da injustiça e
da desigualdade. Os pobres possuirão a terra!(Sl, 37,11)
* Diogo Cabral, 30 anos, é
assessor jurídico da FETAEMA e da CPT-MA, membro da Comissão de
Direitos Humanos da OAB-MA
Nenhum comentário:
Postar um comentário