quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A goiaba-araçá e as cabeceiras do riacho Toca



 

 

Eles formavam um grupo.  Eles não derrubariam a mata, nem arrancariam os tocos e nem plantariam o arroz, nada fariam juntos, mas agiam como um grupo, afinal eram parentes ou quase parentes e suas áreas de roça se ligariam assim que derrubassem a mata e começassem os plantios. O primeiro ano que Vicente de Paula roçou a Chapada e plantou arroz foi em 1974. Ele acompanhara o seu padrasto. Os dois não viram outra saída: o proprietário da área onde plantavam dissera para procurarem outro lugar.   A mudança de Vicente e de seu padrasto para a Chapada ocorreu em função da diminuição de áreas agriculturáveis localizadas nas proximidades do povoado Carrancas. Eles foram atrás de espaço. As pessoas perguntavam ao Vicente se enlouquecera. Quem aguenta a sequidão da Chapada? A dona Rita, esposa do Vicente, visitou-o e ao ver a situação do plantio de arroz, coberto de mato, questionara-o: “Desse plantio sairá alguma coisa para comermos?”. Transcorreram três meses até que o arroz ganhasse volume e pudesse ser colhido pelo Vicente. O Vicente de Paula perdeu várias safras de arroz por conta das secas consecutivas nos anos 80. A seca fustigava os agricultores de um lado e a crise econômica do outro. Um agricultor trocava uma saca de farinha por um quilo de feijão. A prefeitura de Buriti de Inácia Vaz incentivava os agricultores a... capinar matos na estrada?!!! Os agricultores recebiam uns trocados por isso. Esse quadro desolaria qualquer um. Não foram poucas as vezes em que Vicente pôs os pés na estrada. Sempre que viajava, e essas viagens duravam dois meses cada uma, deixava um dinheiro para Dona Rita manter a casa e os filhos. Em um dos retornos dessas viagens, fixou residência de vez na Chapada. A propriedade de 18 hectares, onde morara por vários anos, destinou a sua filha. O Vicente ponderou bastante antes de se mudar para a Chapada. Eles se deparariam com a escassez de água e sem água na Chapada a vida se desguarnece. Contaram com a cara e a coragem na hora da mudança. A água foi obtida com a construção do poço, mas a família se investiu mesmo foi de coragem. A monocultura da soja amedrontava os agricultores que possuíam áreas de Chapada. Os funcionários de uma fazenda de soja proibiram o Vicente e o Baltazar, irmão do Vicente, de lavrarem a terra porque a terra pertencia ao André, patrão deles.  A proibição não surtiu efeito. O André julgava inaceitável que o Vicente e sua família se apossassem de 160 hectares. O seu projeto prevê o desmatamento das áreas do Vicente, do Adão, tio do Vicente, do Francisco, vizinho do Vicente, e do seu Onésio. Essas áreas juntas somam mais de 600 hectares. Por várias vezes, o André, ou algum funcionário seu, propôs a troca da Chapada do Vicente por um terreno mais próximo do rio por conta da água. Ele adquiriu terrenos próximos ao rio Preto por valores irrisórios com a intenção de troca-los no futuro por áreas de Chapada. Argumenta-se que o trato com a Chapada estorva o agricultor familiar. A Chapada não incomoda mais o Vicente de Paula. Ele a domou com o arroz. O grupo de agricultores que lidera plantou arroz justamente no trecho da Chapada em que o convívio do Vicente e do André estremece mais. O Vicente, o Baltazar e o João, genro do Vicente, roçaram esse trecho porque espécies extrativistas como o bacurizeiro e o pequizeiro se desincumbiram dele. Acaba que cada pedaço de Chapada desempenha uma função para a agricultura familiar. A função do extrativismo se destaca nas áreas só de bacurizeiro, nas áreas só de pequizeiro e nas áreas só de muricizeiro. Entretanto, frutas como a goiaba-araçá e a murta são pouco valorizadas pelos agricultores nessa parte do Baixo Parnaiba maranhense. A valorização da goiaba-araçá, no caso da propriedade do Vicente de Paula, dificultaria as pretensões do André sobre uma parte da Chapada e protegeria as cabeceiras do riacho Toca, afluente do rio Preto.

Mayron régis

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