Neste
dia 5 de Fevereiro aconteceu em Campos Lindos, TO, uma Audiência
Pública convocada pelo Ministério Público Federal do Tocantins. A
Audiência correu das 13h30 até às 17h30. Sua convocação resultou de um
processo amplo de mobilização dos camponeses e povos indígenas da
região, por meio de várias manifestações reivindicativas ocorridas
principalmente no ano passado.
O evento contou com a participação de mais de 200
pessoas, em sua maioria camponeses pertencentes às comunidades rurais da
Serra do Centro (Raposa, Primavera, Vereda Bonita e outras), região da
Rancharia, Sussuarana, Serra da Cangalha, todas de Campos Lindos, além
de representantes do povo indígena Krahô, de Goiatins. Estiveram
presentes também representantes dos plantadores de soja, vários deles
membros da Associação Planalto. Da sociedade civil organizada,
participaram ainda o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos
Lindos, a Comissão Pastoral da Terra e o Conselho Indigenista
Missionário. Do poder público marcaram presença: os procuradores João
Raphael Lima e Victor Mariz, do MPF, e vários órgãos governamentais de
âmbito federal, estadual e municipal, tais como: o NATURATINS, o IBAMA, o
INCRA, a Ouvidoria Agrária Regional, o ITERTINS, a Secretaria Estadual
da Agricultura, o IPHAN, a Defensoria Pública de Ações Coletivas e
Agrárias do Tocantins, a Prefeitura e, pelo legislativo, a Câmara
Municipal.
O Dr João Raphael Lima, Procurador da República no
Município de Araguaína, abriu a Audiência, cumprimentando a todas as
autoridades e comunidades presentes e propondo como pauta de discussão:
1- Aspectos fundiários do Processo de licenciamento do projeto Campos
Lindos em relação aos posseiros; 2- Impactos sociais e ambientais do
Projeto Campos Lindos (intoxicação de pessoas); 3- Regularização dos
posseiros da região da Rancharia; 4- Regularização dos posseiros da
fazenda Sussuarana; 5- Implantação da Unidade de Conservação “Parque
Serra da Cangalha” e impactos sociais, principalmente para os moradores
da área de abrangência do projeto.
Foi ouvido o depoimento de cinco posseiros e de uma
indígena Krahô. Todos denunciaram os problemas ocasionados há décadas
pelos conflitos resultando da confusão fundiária e agrária instalada no
município, principalmente depois do governo do Tocantins, por meio do
Decreto nº 436/97, ter declarado de utilidade pública para fins de
desapropriação, uma extensa área (105.590,8653 hectares), para a
implantação de um Polo de Produção de Grãos e Frutas, destinando em
seguida aquela área para um número reduzido de plantadores de grão. Na
sequência e de forma constante, passou a ter aplicação massiva,
desproporcional, de agrotóxicos nos plantios de soja resultando em
fortes indícios de contaminação e no registro de doenças, inclusive
alguns casos de óbito, com suspeita de envenenamento. Paralelamente,
como demonstram estatísticas chocantes publicadas na imprensa nacional, a
situação de miséria e pobreza tem se agravado no município, em razão da
dificuldade de acesso a terra e da falta de emprego, vez que boa parte
da população local não preenche os requisitos de escolaridade e
qualificação exigidos nas lavouras e atividades relacionadas.
A associação Planalto, representada por um advogado e por
um técnico ambiental, ao expor sua posição e tentar justificar a
ausência de licença ambiental, alegou dificuldades relacionadas às
constantes alterações na legislação e ao peso da burocracia; culpou a
ocupação desordenada da área destinada à Reserva em Condomínio por ter
inviabilizado a legalização do projeto até hoje. Disse ainda ser
responsável somente por 40% da área plantada com grãos no município, não
podendo, portanto, recair só sobre ela toda a responsabilidade pelos
problemas ocorridos. Em contradição com os fatos apresentados no início
da Audiência, negou haver problemas de envenenamento nos cursos d´água.
Por fim, ao apontar para os mil empregos atualmente mantidos pelo
Projeto, a Planalto foi cobrada pelo Procurador de produzir a cópia das
carteiras de trabalho correspondentes.
Contrariando as afirmações dos representantes da
Associação Planalto, o representante da Comissão Pastoral da Terra,
Pedro Ribeiro, apresentou várias denúncias, com base documental, que
foram encaminhadas às autoridades e relatam impactos drásticos da
implantação do projeto sobre a vida dos camponeses da região. Frisou o
agravamento dos problemas de ordem ambiental, os quais chegam a afetar a
vida das pessoas, referindo-se às fortes suspeitas de envenenamento
resultando da aplicação de agrotóxicos, e à decorrente contaminação das
nascentes dos rios e ribeirões no entorno de Campos Lindos. Destacou
ainda que este é um município fundamentalmente camponês, o que se
comprova pela qualidade das relações sociais estabelecidas, seus
aspectos comunitários, econômicos e principalmente culturais, no que
concerne especialmente à relação de respeito para com o meio ambiente.
Referiu-se à situação de extrema pobreza característica deste município
nas estatísticas nacionais (cf IDH e IFDM). Por fim ele afirmou que a
Associação Planalto não cumpriu os 34 condicionantes aos quais havia se
comprometido, um descumprimento confirmado pelo último parecer técnico
emitido pelo NATURATINS, em 2007.
A ausência de licença – para a implantação do projeto
Campos Lindos, foi em seguida explicitamente reconhecida pelo presidente
do NATURATINS e pelo Superintendente do IBAMA.
Por sua vez, a Defensoria Pública do Estado do Tocantins
expressou que mantem compromisso firme de atuar na defesa dos posseiros,
os quais considera terem sido vítimas da expropriação decidida pelo
Estado, citando oportunamente uma matéria da revista Carta Capital,
intitulada “Golpe contra os camponeses – uma reforma agrária às avessas”
(edição de 23/11/2009).
Entre os vários encaminhamentos propostos e assumidos
publicamente na conclusão da Audiência, destacam-se os seguintes
compromissos, subscritos pelas autoridades e entidades presentes:
1) Criação de uma Comissão Mista composta por um
antropólogo ( a ser disponibilizado pelo MPF) e por representantes da
Defensoria Pública, INCRA, ITERTINS, CPT, STR e Associação Planalto, com
a finalidade de produzir um Relatório Histórico Ocupacional, visando
identificar os posseiros antigos da Serra do Centro e os direitos
relacionados;
2) Compromisso do NATURATINS de fiscalizar via perícia a
possível contaminação da água pelo uso indiscriminado de agrotóxico no
plantio de soja em todo o município;
3) Compromisso do IBAMA de apresentar parecer jurídico no que se refere às competências envolvidas nessa situação;
4) Compromisso da Defensoria Pública de atuar,
habilitando-se, nas ações legais envolvendo os posseiros de Rancharia,
Sussuarana, Serra do Centro entre outros, tratando-se de pessoas
hipossuficientes em situação de vulnerabilidade social.
Os Procuradores da República concluíram avaliando
positivamente a realização da Audiência Pública, por ter sido um espaço
democrático favorecendo a construção de compromissos, os quais poderão
minimizar os conflitos existentes, com base na aplicação do direito e da
justiça.
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