sábado, 9 de fevereiro de 2013

Pagamento por produção adoece e mata cortadores de cana, adverte pesquisador

07/02/2013- Informe da CUT nacional


Francisco Alves, da UFSCar, diz que esse sistema leva o trabalhador à
exaustão, doença e morte


por: Cida de Oliveira, <mailto:leonardo@cut.org.br>  da Rede Brasil Atual


Os atestados de óbito de cortadores de cana geralmente declaram razões
desconhecidas ou parada cardiorrespiratória, segundo a Pastoral do Migrante
de Guariba, no interior de São Paulo. Mas alguns deles podem trazer como
causa um acidente vascular cerebral (derrame), edema pulmonar ou hemorragia
digestiva, entre outras. No entanto, para Francisco da Costa Alves,
professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Produção da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as mortes são o desfecho da
exaustão causada pelo trabalho excessivo exigido pelo sistema de pagamento
<http://www.cut.org.br/destaque-central/51241/pagamento-por-producao-adoece-
e-mata-cortadores-de-cana-adverte-pesquisador?utm_source=cut&utm_medium=emai
l&utm_term=informacut&utm_campaign=informacut>  por produção. Antes de
matar, o sistema provocou problemas respiratórios, musculares, sérias lesões
nas articulações pelo esforço repetitivo, entre outros. “Essa forma de
remuneração, que leva o cortador a trabalhar mais e mais, em longas
jornadas, com alimentação e hidratação inadequadas, está na raiz do
adoecimento e morte desses trabalhadores”, disse. 

Nesse sistema antigo, que já era criticado no final do século 18 por ser
perverso e desumano, os trabalhadores recebem conforme produzem, tendo a
responsabilidade pelo ritmo do seu trabalho. Ganham mais conforme a
produção. Como trabalham pela subsistência, se submetem a esse ritmo cada
vez mais intenso para melhorar suas condições de vida. 

Conforme Francisco Alves, que há mais de 20 anos pesquisa a produção no
setor canavieiro, o excesso de trabalho pode ser demonstrado pela rotina dos
bóias frias. Para a produção diária de seis toneladas, eles têm de cortar a
cana rente ao solo para desprender as raízes; cortar a parte onde estão as
folhas verdes, que por não ter açúcar não servem para as usinas; carregar a
cana cortada para a rua central e arrumá-la em montes. Segundo o
pesquisador, tudo isso é feito rápida e repetidamente, a céu aberto, sob o
sol e calor, na presença de fuligem, poeira e fumaça, por um período que
varia entre 8 e 12 horas. Para isso, eles chegam a caminhar, ao longo do
dia, uma distância de aproximadamente 4.400 metros, carregando nos braços
feixes de 15 quilos por vez, além de despender cerca de 20 golpes de facão
para cortar um feixe de cana. Isso equivale a aproximadamente 67 mil golpes
por dia. Isso tudo se a cana for de primeiro corte, ereta, e não caída,
enrolada. Do segundo corte em diante, há mais esforço.

O gasto energético ao andar, golpear, agachar e carregar peso torna-se ainda
maior devido à vestimenta com botina de biqueira de aço, perneiras de couro
até o joelho, calças de brim, camisa de manga comprida com mangote de brim,
luvas de raspa de couro, lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné, quase
sempre sob sol forte. Com isso, eles suam abundantemente, perdendo muita
água e sais minerais. A desidratação provoca câimbras frequentes, que
começam pelas mãos e pés, avançando pelas pernas até chegar ao tórax – as
chamadas birolas. Provocam fortes dores e convulsões. Para tentar evitar o
problema e garantir maior produção, algumas usinas distribuem soro
fisiológico e, em alguns casos, suplementos energéticos. E há casos em que
os próprios trabalhadores procuram um hospital na cidade, onde recebem soro
na veia. 

“Ademais, o excesso de trabalho não é realizado apenas para alcançar esse
salário, mas também para atingir as próprias metas fixadas pela usina (cerca
de 10 a 15 toneladas diárias), a fim de garantir ao trabalhador que lhe seja
oferecido a vaga na próxima safra. E, para que o trabalhador possa atingir
essa meta, é obrigado a trabalhar invariavelmente cerca de 10 horas diárias,
senão mais”, escreveu o juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de
Matão, em sua sentença do final do ano passado que proibiu a Usina Santa Fé
S.A., de Nova Europa, na região de Araraquara, a remunerar seus empregados
do corte de cana por unidade de produção. A decisão, inédita, baseou-se em
pesquisas coordenadas por Francisco Alves, além de outros pesquisadores da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para complicar, esse sistema de pagamento impede a adoção da norma
regulamentadora (NR) 31, considerada um avanço para a segurança e saúde dos
trabalhadores rurais por obrigar o uso de equipamentos de proteção
individual. É o caso de óculos de proteção contra as cortantes folhas da
cana, que causam muitos ferimentos nos olhos. Só que para serem limpos da
poeira e da fuligem, exigem a interrupção da produção. 

Para Alves, a mudança do pagamento por produção para um salário fixo depende
de um longo processo de discussão e reflexão da situação. Enquanto o fim do
pagamento associado à produção representa saúde, envelhecimento digno e mais
vida, muitos trabalhadores o entendem como redução dos ganhos. No entanto,
cortadores mais velhos, que já não têm o mesmo vigor dos mais jovens, e
mulheres, que têm outra jornada de trabalho em casa, aceitam ganhar um
salário fixo mesmo que seja inferior ao que ganhariam por produção.

Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo,
os valores da tonelada de cana cortada variam entre R$ 3,80 e R$ 4. E o piso
salarial mensal, regional, varia entre R$ 775 e R$ 840 para uma jornada
semanal de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h20. “Para se sustentar e à
sua família, o cortador de cana deveria ter um piso correspondente a pelo
menos três salários mínimos (R$ 2.034)”, disse Roberto dos Santos,
secretário geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de
São Paulo (Fetaesp). De acordo com o dirigente, não há no momento nenhuma
opção que permita ao trabalhador ganhar o suficiente. “É claro que seria
mais vantajoso um piso salarial superior ao que se ganha por produção, mas
essa forma de pagamento ainda é a que permite ganho maior e por isso os
trabalhadores sempre se manifestam favoráveis a esse sistema.”  

Os patrões propõem a mecanização do corte da cana, que elimina o problema,
mas também acaba com os empregos. Estima-se que só em São Paulo sejam 200
mil os que perderão o trabalho. Por isso, Alves defende políticas de curto
prazo, elaboradas pelo conjunto da sociedade, para a qualificação desses
trabalhadores que ocuparão parte dos empregos na agricultura mecanizada. Só
que não haverá vagas para todos: uma colheitadeira faz o serviço de 80
trabalhadores. Ele estimam ainda que, com a mecanização, 20% da terra hoje
tomada pela cana em São Paulo não poderá mais ser usada com essa finalidade.
“Uma alternativa é que os municípios, que têm o direito constitucional de
decidir o que fazer com suas terras, decidam com seus moradores se vão
destiná-las à produção de alimentos ou recompor florestas nativas, que
permitem a recomposição de mananciais”, disse. “Outra é a reforma agrária,
política pública mais barata, capaz de proporcionar trabalho e renda para
esses trabalhadores da cana.”

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