segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

JORNALISTAS: A CLASSE QUE ERROU A PENA



Preferia não ter que escrever esta carta ou mensagem eletrônica a vossas senhorias, pelo simples fato que duvido, e muito, que será lida e publicada, mas escrevê-la não se configura como um impensado ato e sim vem em conjunto com um pedido de favor, um pedido especial – desses que nos pegam no contrapé, sem nada a dizer em contrário para não passar por um emérito grosseiro ou um parvo qualquer, que, involuntariamente ou não, se vangloriam de saberem tudo, mas que, no frigir dos ovos, mal sabem soletrar seus nomes e fogem da raia a menor obrigação de escreverem qualquer texto com mais de um parágrafo.
Estão sabendo que atendi ao pedido de escrever por amizade, uma lonjura de amizade, que o pedido só fez reafirmar, de forma atenciosa e indiscutível, quem negaria um pedido desses ou deixaria sobre a mesa mofando, porém, devo lhes confidenciar, todo este texto em seu decurso se evidencia e se caracteriza por observações que já havia fazendo, intimamente. Demorei algumas semanas a pôr no papel e no computador essas observações e envia-las, porque elas ainda não estavam prontas para uma exposição aos ares jornalísticos, que as afixariam, certamente, assim que levantassem vôos e investissem suas asas e suas garras em favor de ideais “ultrapassados” como liberdade de consciência na escolha do que consumir sem manipulações através da mídia. Uma parte de mim, não muito evidente, via no, que, agora, designo de relações comerciais entre um investidor e uma empresa de comunicação, uma atividade normal dentro de uma sociedade capitalista e que uma negociação de compra de espaço publicitário num programa jornalístico ou numa revista semanal como o ou a de vocês transcorre, à revelia de quem quer que seja, por cima, entre os setores comerciais de cada empresa.
O pedido para tecer críticas a essas práticas, que são bastante costumeiras e, deste modo, esperadas da parte de empresas que apostam na mídia para melhorarem a sua imagem perante aos seus consumidores atuais ou futuros, os quais são espectadores de toda uma grade de programação ou de parte dela, e que para isso patrocinam os programas que retém uma aura de formadores da opinião pública, me pegou desprevenido, mas, ao mesmo tempo, forçou uma tomada de posição da minha pessoa como um todo, pois até àquele momento ainda não havia escrito nada e, quem sabe, agindo desta forma, não escrevendo, logo meu cérebro avisaria que a hora de escrever já morrera. Sem epitáfio.
Quero, através deste texto, não condena-los, e sim provoca-los em suas dignidades de jornalistas sempre a postos, escrevendo ou editando quaisquer  matérias que alguém paute ou que envie para serem publicadas nos órgãos de imprensa em que vocês trabalham. Vocês identificam critérios objetivos e imparciais no que é pautado e no que é publicado na imprensa? De bate pronto, vocês responderiam que sim; que as pautas e os textos publicados ou veiculados vão de encontro aos interesses da opinião pública, que mui naturalmente, dependendo da circunstância, também são os interesses da empresa; que os interesses da opinião pública e da empresa mesclados sinalizam para critérios objetivos e imparciais e que, se não agissem com objetividade e imparcialidade, todos se queimariam.
 Sim, em sua magna carta, uma empresa defenderá, acima de tudo, os interesses dos consumidores e dos seus funcionários, os quais sorriem largamente nas propagandas, e para que essa defesa nunca se desarme são necessários investimentos em marketing. Ao procurar os meios de comunicação para divulgar seus produtos, uma empresa se faz conhecer e se fará reconhecer pela marca que a identifica e pelo discurso a que se dedica. Quem divergiria do que se expõe na mídia?  As frases feitas, irremediáveis e cintilantes nos convencendo que só o amor em forma de tempero, a devoção em forma de margarina e a admiração em forma de carro do ano livrarão o ser humano do seu infortúnio.       
Como divergir do que se expõe na mídia? O que não tem remédio, remediado está, repica o antigo ditado popular com trombetas. Agimos como se nada pudéssemos. Os únicos direitos e deveres respeitados e cobrados, como manda e como quer a lei, são os de consumir e pagar as contas em dia. Sem falta. Não faz muito tempo, exatos trinta e um anos, houveram uns atrevidos que advertiam - em vez da advertência ser sobre a taxa de inflação, casos de corrupção, o preço da gasolina, a reunião do COPOM e a previsão do tempo - sobre o advento da democracia: “Quem avisa, amigo é: se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas pessoas pensem por sua própria cabeça; e, sobretudo, se o governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia”. A revista irreverente e crítica, cuja primeira edição, de maio de 64, vendeu 40 mil exemplares, um marco para a época e um marco pela proposta política, e que na oitava edição, onde podia se ler a advertência acima, foi fechada, se chamava Pif-Paf e os tratantes que a criaram e a levaram adiante, por quatro meses, foram Millôr, Ziraldo, Fortuna e Jaguar. Já conhecia o texto “Advertência” de outras paragens, mas ele veio a propósito justo nessa exata hora em que nos sentimos logrados - escrevo como um coletivo, porque a indignação encruza em muitos, não só em mim – e perguntamos: em que ponto da recente história a classe dos jornalistas, que era uma classe de mãos cheias, errou a sua pena em favor de quem se julga poder acima de quaisquer suspeitas? Aqueles foram outros tempos, tempos de jornalistas e suas penas bem empregadas para desopilar o fígado e ridicularizar pretensos poderosos. Quem, hoje, escreveria um texto como o de Millôr Fernandes? As suas qualidades inerentes, não só de texto bem escrito como de texto desavergonhado e abusado, não são mais a pedra de toque nos textos jornalísticos vistos Brasil afora; vivemos envergonhados: as vergonhas de ler, de interpretar e, por fim, de escrever são nossas convidadas para o jantar.
Parafraseando Heinrich Heine, autor alemão do século XIX, os jornalistas, escrevendo notícias, deveriam decantar a verdade aos seus leitores para que estes nunca a esqueçam. Contudo, as notícias só existem se forem pagas e se o preço for de ocasião.
A causa principal desta carta é não acreditar que o jornalismo virou mero noticiador de artefatos publicitários, que um programa televisivo ou uma matéria num jornal ou numa revista reflitam apenas os interesses do patrocinador. Minha descrença no que o jornalismo se tornou vem da esperança de que ele pratique sempre a busca da verdade em detrimento de tudo e de todos. Não é bem assim a realidade. A Rede Globo aceitando que a Bunge Alimentos patrocine o Globo Repórter, similar atitude da Cultura que aceita o patrocínio da Bunge para os programas Roda Viva e o repórter Eco, surpreendeu a quem se interessa pela causa ambientalista neste Brasil – a minha amiga ficou mais surpresa pelo Jornal da Ciência noticiar o prêmio Fundação Bunge. Os sabedores dos limites do discurso e das práticas da Bunge se assombraram. Isto deveria acontecer também com os jornalistas? Estes formam a sua própria opinião sobre os assuntos que são debatidos ou veiculados nos programas televisivos, jornais e revistas em que trabalham? No mais, o que é noticiado por esses veículos em nada contradiz o patrocínio e sim ratifica a idéia de uma empresa que pratica a responsabilidade social.    
mayron régis artigo de 2005

Nenhum comentário:

Postar um comentário