Preferia
não ter que escrever esta carta ou mensagem eletrônica a vossas
senhorias, pelo simples fato que duvido, e muito, que será lida e
publicada, mas escrevê-la não se configura como um impensado ato e sim
vem em conjunto com um pedido de favor, um pedido especial – desses que
nos pegam no contrapé, sem nada a dizer em contrário para não passar por
um emérito grosseiro ou um parvo qualquer, que, involuntariamente ou
não, se vangloriam de saberem tudo, mas que, no frigir dos ovos, mal
sabem soletrar seus nomes e fogem da raia a menor obrigação de
escreverem qualquer texto com mais de um parágrafo.
Estão
sabendo que atendi ao pedido de escrever por amizade, uma lonjura de
amizade, que o pedido só fez reafirmar, de forma atenciosa e
indiscutível, quem negaria um pedido desses ou deixaria sobre a mesa
mofando, porém, devo lhes confidenciar, todo este texto em seu decurso
se evidencia e se caracteriza por observações que já havia fazendo,
intimamente. Demorei algumas semanas a pôr no papel e no computador
essas observações e envia-las, porque elas ainda não estavam prontas
para uma exposição aos ares jornalísticos, que as afixariam, certamente,
assim que levantassem vôos e investissem suas asas e suas garras em
favor de ideais “ultrapassados” como liberdade de consciência na escolha
do que consumir sem manipulações através da mídia. Uma parte de mim,
não muito evidente, via no, que, agora, designo de relações comerciais
entre um investidor e uma empresa de comunicação, uma atividade normal
dentro de uma sociedade capitalista e que uma negociação de compra de
espaço publicitário num programa jornalístico ou numa revista semanal
como o ou a de vocês transcorre, à revelia de quem quer que seja, por
cima, entre os setores comerciais de cada empresa.
O
pedido para tecer críticas a essas práticas, que são bastante
costumeiras e, deste modo, esperadas da parte de empresas que apostam na
mídia para melhorarem a sua imagem perante aos seus consumidores atuais
ou futuros, os quais são espectadores de toda uma grade de programação
ou de parte dela, e que para isso patrocinam os programas que retém uma
aura de formadores da opinião pública, me pegou desprevenido, mas, ao
mesmo tempo, forçou uma tomada de posição da minha pessoa como um todo,
pois até àquele momento ainda não havia escrito nada e, quem sabe,
agindo desta forma, não escrevendo, logo meu cérebro avisaria que a hora
de escrever já morrera. Sem epitáfio.
Quero,
através deste texto, não condena-los, e sim provoca-los em suas
dignidades de jornalistas sempre a postos, escrevendo ou editando
quaisquer matérias que alguém paute ou que envie para
serem publicadas nos órgãos de imprensa em que vocês trabalham. Vocês
identificam critérios objetivos e imparciais no que é pautado e no que é
publicado na imprensa? De bate pronto, vocês responderiam que sim; que
as pautas e os textos publicados ou veiculados vão de encontro aos
interesses da opinião pública, que mui naturalmente, dependendo da
circunstância, também são os interesses da empresa; que os interesses da
opinião pública e da empresa mesclados sinalizam para critérios
objetivos e imparciais e que, se não agissem com objetividade e
imparcialidade, todos se queimariam.
Sim,
em sua magna carta, uma empresa defenderá, acima de tudo, os interesses
dos consumidores e dos seus funcionários, os quais sorriem largamente
nas propagandas, e para que essa defesa nunca se desarme são necessários
investimentos em marketing. Ao procurar os meios de
comunicação para divulgar seus produtos, uma empresa se faz conhecer e
se fará reconhecer pela marca que a identifica e pelo discurso a que se
dedica. Quem divergiria do que se expõe na mídia? As
frases feitas, irremediáveis e cintilantes nos convencendo que só o amor
em forma de tempero, a devoção em forma de margarina e a admiração em
forma de carro do ano livrarão o ser humano do seu infortúnio.
Como
divergir do que se expõe na mídia? O que não tem remédio, remediado
está, repica o antigo ditado popular com trombetas. Agimos como se nada
pudéssemos. Os únicos direitos e deveres respeitados e cobrados, como
manda e como quer a lei, são os de consumir e pagar as contas em dia. Sem
falta. Não faz muito tempo, exatos trinta e um anos, houveram uns
atrevidos que advertiam - em vez da advertência ser sobre a taxa de
inflação, casos de corrupção, o preço da gasolina, a reunião do COPOM e a
previsão do tempo - sobre o advento da democracia: “Quem avisa, amigo
é: se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em
eleições; se o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em
manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas
pessoas pensem por sua própria cabeça; e, sobretudo, se o governo
continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e
crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia”. A revista
irreverente e crítica, cuja primeira edição, de maio de 64, vendeu 40
mil exemplares, um marco para a época e um marco pela proposta política,
e que na oitava edição, onde podia se ler a advertência acima, foi
fechada, se chamava Pif-Paf e os tratantes que a criaram e a levaram
adiante, por quatro meses, foram Millôr, Ziraldo, Fortuna e Jaguar. Já
conhecia o texto “Advertência” de outras paragens, mas ele veio a
propósito justo nessa exata hora em que nos sentimos logrados - escrevo
como um coletivo, porque a indignação encruza em muitos, não só em mim –
e perguntamos: em que ponto da recente história a classe dos
jornalistas, que era uma classe de mãos cheias, errou a sua pena em
favor de quem se julga poder acima de quaisquer suspeitas? Aqueles foram
outros tempos, tempos de jornalistas e suas penas bem empregadas para
desopilar o fígado e ridicularizar pretensos poderosos. Quem, hoje,
escreveria um texto como o de Millôr Fernandes? As suas qualidades
inerentes, não só de texto bem escrito como de texto desavergonhado e
abusado, não são mais a pedra de toque nos textos jornalísticos vistos
Brasil afora; vivemos envergonhados: as vergonhas de ler, de interpretar
e, por fim, de escrever são nossas convidadas para o jantar.
Parafraseando
Heinrich Heine, autor alemão do século XIX, os jornalistas, escrevendo
notícias, deveriam decantar a verdade aos seus leitores para que estes
nunca a esqueçam. Contudo, as notícias só existem se forem pagas e se o
preço for de ocasião.
A
causa principal desta carta é não acreditar que o jornalismo virou mero
noticiador de artefatos publicitários, que um programa televisivo ou
uma matéria num jornal ou numa revista reflitam apenas os interesses do
patrocinador. Minha descrença no que o jornalismo se tornou vem da
esperança de que ele pratique sempre a busca da verdade em detrimento de
tudo e de todos. Não é bem assim a realidade. A Rede Globo aceitando
que a Bunge Alimentos patrocine o Globo Repórter, similar atitude da
Cultura que aceita o patrocínio da Bunge para os programas Roda Viva e o
repórter Eco, surpreendeu a quem se interessa pela causa ambientalista
neste Brasil – a minha amiga ficou mais surpresa pelo Jornal da Ciência
noticiar o prêmio Fundação Bunge. Os sabedores dos limites do discurso e
das práticas da Bunge se assombraram. Isto deveria acontecer também com
os jornalistas? Estes formam a sua própria opinião sobre os assuntos
que são debatidos ou veiculados nos programas televisivos, jornais e
revistas em que trabalham? No mais, o que é noticiado por esses veículos
em nada contradiz o patrocínio e sim ratifica a idéia de uma empresa
que pratica a responsabilidade social. mayron régis artigo de 2005
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