As empresas nacionais e transnacionais
cingidas ao setor de produção de papel e celulose investem muito na vã
tentativa de consolidar a imagem do monocultivo do eucalipto como sendo florestas plantadas,
no claro intento de escamotear os severos e até hoje imensurados
impactos socioambientais defluentes da escala oceânica da expansão
irrefreada dessa espécie monocultural no território nacional,
já presente em vários estados como Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio
Grande do Sul, Maranhão, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul dentre
outros.
Essas “florestas plantadas” –
não podemos olvidar – são formadas pelo cultivo de uma única espécie
exótica (o eucalipto), a partir de formas clonais das espécies Eucalyptus grandis e Eucalyptus uropphylla, e
implantadas sobre biomas como Mata Atlântica, Cerrado Floresta
Amazônica e Pampa através da incidência massiva de pesticidas químicos à
base de glifosato, ou do formicida Mirex, à base de Sulfluramida,
dentre outros agrotóxicos, a fim de eliminar a presença do que os
gestores dos manejos denominam de “ervas daninhas”, matinhos rasteiros,
formigas e outros elementos naturais potencialmente nocivos ao esperado
desenvolvimento das clonadas mudinhas, em processo tecnicamente
conhecido como capina química.
O eufemismo subjacente à eucaliptização
de vastas regiões do país não leva em conta as conseqüências do
lançamento indiscriminado da larga carga de pesticidas no solo, assim
como a FAO, braço das Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e
a Agricultura, não considerou essa importante questão ambiental quando,
por influência mercadológica das corporações que enriquecem com a
produção de celulose no hemisfério sul, passou a considerar florestas
como terras com superfície superior a 0,5 hectares com árvores de
mais de 5 metros de altura e com cobertura de copa de mais de 10 por
cento, em conceituação rasa urdida sob o indisfarçável viés de
albergar, na terminologia oficial da ONU, o monocultivo industrial do
eucalipto como “florestas”, para todos os efeitos legais, inclusive para
formalizar subsídios estatais ao setor silvicultural e possibilitar que
as empresas ligadas ao segmento da agroindústria também conseguissem
extrair lucros no famigerado mercado de crédito de carbono.
Embora a conceituação de floresta pela
FAO seja mui conveniente para atender aos interesses mercantis das
transnacionais que vicejam no setor industrial da produção de commodities
de celulose, não há, do ponto de vista científico, como aceitar-se que o
cultivo de uma única espécie, no caso o eucalipto, com tempo escasso de
corte (em média de 6 a 7 anos a partir do cultivo da muda clonada) e
que só se desenvolve, de maneira tão espevitada, por conta da incidência
de toneladas e toneladas de pesticidas químicos e adubo sintético no
solo que a abriga, possa ser aceito como floresta.
É que o eucalipto – como toda e qualquer
monocultura semeada nas artificialidades dos laboratórios das grandes
corporações – não interage com a natureza. Nele não há possibilidade
alguma de existir vida, intercâmbio natural, cadeia alimentar a permitir
a sobrevivência até mesmo do mais rasteiro dos insetos.
As espécies exóticas implantadas em
milhões de hectares contínuos pelo país afora são, no limite,
mercadorias direcionadas ao mercado agroexportador, conformadas em um
ciclo curtíssimo entre o cultivo das mudas e o corte das árvores, lapso
esse que não suplanta os seis a sete anos. Nesse ínfimo espaço temporal,
espécie animal alguma pode desenvolver seu ciclo biológico de
existência e reprodução genética.
Nos monocultivos comerciais de eucalipto
não há a presença de diversidade biológica necessária para que o
aglomerado de clones exóticos possam ser aceitos tecnicamente como
florestas.
Dessa sensação resulta a imagem – tão bem lapidada ao tema – do DESERTO VERDE, concebida pela população rural afligida por seus negativos impactos.
Como nos lembra Américo Luis Martins da
Silva, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio – 92), acordou-se, na letra g do item 9 da Agenda
21 que as florestas são essenciais para o desenvolvimento econômico e para a manutenção de todas as formas de vida”,
vida essa impossibilitada face ao despejo estratosférico de largas
quantidades de agrotóxicos a insuflar, como já explicitado, o
desenvolvimento dessa modalidade monocultural.
Diante dessas precisas e exatas
características subjacentes ao monocultivo do eucalipto, nos deparamos
com relatos cotidianos da extinção da fauna e flora nas regiões já
afligidas pela expansão, em escala industrial, dessa questionada
eucaliptização, como, por exemplo, o histórico de degradação ambiental
vivenciada nas áreas de cerrado, na região de Três Lagoas, no Mato
Grosso do Sul, exposto por MIECESLAU KUDLAVICZ, destacado pesquisador
das severas alterações socioambientais decorrentes da implantação do
pólo produtor da pasta de celulose naquela localidade, que nos conta “que
um dos indicadores mais visíveis do desequilíbrio ambiental proveniente
dos desmatamentos para implantação de pastagens e, mais recentemente,
para plantio de eucalipto, é a presença de aves na cidade. A migração de
papagaios, periquitos, tucanos e araras ocorre de forma mais freqüente a
partir do final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Também é a
partir deste período que os camponeses passam a sofrer ataques mais
agressivos dos papagaios em suas lavouras de milho na Microrregião de
Três Lagoas. (..) Ultimamente as aves estão invadindo os pomares dos
camponeses e se alimentando de todas as frutas, inclusive de limão
quando não encontram outro alimento. Esse fenômeno também se repete nos
perímetros urbanos de outras cidades da região leste do Estado”.
Também no Vale do Paraíba Paulista há
sucessivos relatos do campesinato sobre o êxodo de animais e aves,
inclusive de onças e diversas outras espécies em extinção, que premidas
pela perda de habitat, vivem a revirar os nichos de lixo das
casas-sede das fazendas vizinhas às áreas de remanescentes de Mata
Atlântica, estranguladas pela pressão do monocultivo, à cata de
alimentos que já não mais podem acessar nos territórios naturais a cada
dia aniquilados pela expansão, sem precedentes, dos implantes
artificiais dessas monoculturas industriais.
É dogma inquestionável que as florestas tropicais, até mesmo por conta de imensa biodiversidade que as sustentam,
encerram em si um sistema autorregulador de vida que alberga não só a
fauna como a flora visíveis e principalmente a microfauna sedimentada em
seu solo, construindo um sistema próprio de humificação que é
absolutamente incompatível com a aplicação, em larga escala, de
pesticidas químicos.
Portanto, afora os impactos ambientais
visíveis decorrentes da escala industrial do monocultivo de eucaliptos,
temos a extinção em massa de todas as bactérias, micro-organismos,
insetos benéficos que são imprescindíveis no processo natural de
fecundidade da terra e na retenção de carbono no solo.
Calha aqui, como luva, rememorarmos as
lições emprestadas ao tema por RACHEL CARSON em obra de justo prestígio
que, a respeito do solo, sublinhou:
Há poucos estudos mais fascinantes, e
ao mesmo tempo mais ignorados, do que esses a respeito das populações
abundantes que existem nos reinos escuros do solo. Sabemos muito pouco
dos laços que unem os organismos do solo uns aos outros e ao seu mundo, e
ao mundo acima deles.
Talvez os organismos mais essenciais
no solo sejam os menores – as hostes invisíveis de bactérias e de
fungos filiformes. As estatísticas sobre sua abundância nos levam de
imediato a cifras astronômicas. Uma colher de chá da camada superficial
do solo pode conter bilhões de bactérias. (…)As bactérias, os fungos e
as algas são os principais agentes da decomposição, reduzindo os
resíduos vegetais e animais a seus componentes minerais. Os vastos
movimentos cíclicos de elementos químicos como o carbono e o nitrogênio
pelo solo e pelo ar, bem como pelos tecidos vivos, não poderiam
acontecer sem essas microplantas. Sem as bactérias fixadoras do
nitrogênio, por exemplo, as plantas morreriam por falta de nitrogênio,
ainda que cercadas por um oceano de ar contendo esse gás.(…)Ainda outros
micróbios do solo efetuam diversas oxidações e reduções por meio das
quais minerais como o ferro, o manganês e o enxofre são transformados e
se tornam disponíveis para as plantas. (…) Além de toda essa horda de
criaturas minúsculas, mas que trabalham incessantemente, existem, é
claro, muitas formas maiores, pois a vida que reside no solo vai das
bactérias até os mamíferos. Alguns são moradores permanentes das camadas
escuras abaixo da superfície; outros hibernam ou passam etapas bem
definidas de seus ciclos de vida em câmaras subterrâneas; outros se
deslocam livremente de suas tocas até o mundo da superfície. Em geral o
efeito de toda essa ocupação do solo consiste em arejá-lo e melhorar sua
drenagem quanto a penetração de água através das camadas onde as
plantas crescem. Entre todos os maiores habitantes do solo,
provavelmente nenhum é mais importante do que a minhoca. Mais de três
quartos de século atrás, Charles Darwin publicou um livro chamado ‘The
Formation of Vegetable Mould, Througth the Action of Worms, wth
Observations on Their Habits’ (A formação do húmus por meio da ação dos
vermes, com observação sobre os hábitos destes). Nesse livro, Darwin
forneceu ao mundo a sua primeira compreensão do papel fundamental
exercido pelas minhocas como agentes geológicos do transporte do solo –
um quadro que mostrava as rochas de superfície sendo gradualmente
cobertas pelo solo que as minhocas traziam das camadas de baixo, em
quantidades que chegavam a várias toneladas ao ano por acre. (…) E isso
não é, de modo algum, tudo o que elas fazem: seus túneis arejam o solo,
conservam-no drenado e ajudam a penetração das raízes das plantas. A
presença das minhocas eleva o poder nitrificante das bactérias do solo e
diminui a putrefação do solo. A matéria orgânica é decomposta ao passar
pelo aparelho digestivo dos vermes, e o solo é enriquecido por seus
produtos excretados. Essa comunidade do solo consiste, então, em uma
teia de vidas entrelaçadas, cada uma relacionada de alguma forma com as
outras. (…) O problema que nos preocupa aqui é um desses que têm
recebido pouca atenção: o que acontece a esses incrivelmente numerosos e
vitalmente necessários habitantes do solo quando substâncias químicas
venenosas são introduzidas em seu mundo? Será razoável supor que
possamos aplicar um inseticida de amplo espectro para matar os estágios
larvares subterrâneos de um inseto destruidor de plantações, por
exemplo, sem também matar os insetos ‘bons’, cuja função pode ser a
essencial decomposição da matéria orgânica? Ou então, será que poderemos
usar um fungicida não específico sem também matar os fungos que moram
nas raízes de muitas árvores em uma associação benéfica, que ajuda a
árvore a extrair nutrientes?
Não sem razão, portanto, que no interior
dos vastos eucaliptais triunfa o silêncio, a ausência de vida, a
arenização da terra, a inexistência de sub-bosques e o aprofundamento
dos processos erosivos também insuflados pela construção, sem qualquer
monitoramento ou controle pelos Poderes Públicos, de milhares de
quilômetros de estradas de rodagem clandestinas, para facilitar o corte e
transporte dos milhões de toretes que são transferidos, todos os dias,
das áreas de implantes dos monocultivos para as industrias produtoras de
pasta de celulose e papel.
Como observa Winnie Overbeek
um primeiro alerta é sobre a
linguagem utilizada pelas empresas de eucalipto e celulose quando
cheguem numa região escolhida por elas e começam a apresentar sua
proposta à opinião pública. Estas empresas costumam falar que vão
implantar ‘florestas plantadas’, ou seja, vão plantar florestas.
Pergunto: tem como plantar uma floresta? É claro que não, a única coisa
que podemos plantar são as árvores. Uma floresta como conhecemos no
Brasil é muito mais do que um conjunto de árvores da mesma espécie. As
florestas no país contam com uma rica biodiversidade de árvores, plantas
e animais, uma capacidade de manter e proteger recursos hídricos e
abrigar comunidades para as quais as florestas representam uma casa”.
Os eufemismos urdidos pela indústria
agroexportadora da pasta de celulose para escamotear os severos e
desmedidos impactos dessa lucrativa atividade industrial sobre o meio
ambiente não podem ser recebidos pela sociedade sem qualquer senso
crítico, não obstante a notória dissimulação em intitular um monocultivo
sem vida com o rótulo de “floresta plantada”
Em aprofundado trabalho de pesquisa
científica que produziu perante o Departamento de Geografia da USP e que
lhe valeu o título de mestre nessa universidade pública, o professor
GERSON DE FREITAS JUNIOR, considerando todos os elementos
geomorfológicos e biotécnicos inerentes ao manejo do monocultivo do
eucalipto no Vale do Paraíba Paulista, para fins de produção e
exportação de pasta de celulose, sustentou, nestes precisos termos, que
não há como aceitar-se o aforismo mercantilista de serem, tais
monoculturas, “florestas plantadas”:
(…)Assim, em um primeiro momento,
considerando apenas o aspecto fisionômico, a predominância de árvores, a
extensão e a altura das árvores, um cultivo agrícola de eucaliptos
poderia ser classificado como floresta. Além disso, escolhendo-se a
definição mais adequada, pode-se facilmente inserir os plantios de
eucaliptos com fins comerciais na condição de florestas. Entretanto, a
argumentação contrária, presente neste item, baseou-se em critérios
diferentes das definições, de forma que para que uma formação florestal
possa ser designada como tal, seja necessário considerar parâmetros mais
amplos, menos relacionados com a fisionomia das formações vegetais e
mais relacionados às relações ecológicas entre biota e o ambiente.
Por isso, nos parágrafos a seguir,
foram considerados outros parâmetros para defender a tese de que
cultivos de eucaliptos não constituem florestas. Os plantios de
eucaliptos para fins comerciais têm semelhança muito maior com outros
tipos de cultivos agrícolas do que com formações florestais.
Embora existam grandes florestas de
eucaliptos na natureza, elas são muito diferentes dos cultivos para fins
comerciais existentes no Brasil. Ao contrário de florestas, os cultivos
de eucaliptos para fins comerciais fora da área natural de
distribuição, apresentam as seguintes características:
I dependência da supervisão e manutenção humanas para manutenção dos processos ecológicos.
II Distribuição linear dos espécimes arbóreos.
III Mesma idade dos espécimes arbóreos, principalmente quando os indivíduos são clones.
IV Incapacidade de se reproduzir.
V Ausência de história evolutiva integrada ao sistema geoecológico ao qual está relacionada.
VI Ausência de regeneração natural.
VII Não ocorrência de predomínio de espécies nativas do local de ocorrência do conjunto arbóreo em questão.
Apenas a existência de um extenso
agrupamento de árvores, com altura mínima determinada, não é suficiente
para configurar um sistema florestal. Floresta é um tipo de formação
arbórea complexa e variada, com flora, estrutura e fisionomia adaptadas
ao relevo e ao clima, capaz de se reproduzir e se manter por meios
naturais (inclusive interagindo com a fauna), com distribuição irregular
e aleatória dos espécimes arbóreos, apresentando sucessão ecológica
natural.’(…)uma floresta pode se regenerar naturalmente, se houver
fontes de sementes viáveis (o que não ocorre com cultivos agrícolas),
como aquelas que permanecem dormentes no solo (bancos de sementes) ou
produzidas por árvores remanescentes (chuvas de sementes)’ (ADLARD,
1993, in LEÃO, 2000, pag. 84).
Esses parâmetros não são encontrados
em cultivos agrícolas de eucaliptos ou de outras árvores. Por isso,
considera-se incorreto e enganoso, utilizar o termo florestas plantadas
para designar plantios de eucaliptos. Os partidários do termo florestas
plantadas como forma de designar cultivos de eucaliptos utilizam essa
denominação com o intuito de esconder a natureza agrícola destes
empreendimentos, tentando relacioná-los a práticas ecologicamente
corretas e conservacionistas, sob a justificativa de que estão
‘plantando florestas’, mas na verdade, os cultivos de eucaliptos são
agronegócios.
Além disso, afirmam, de forma
reducionista, que uma floresta se define pelos serviços ambientais que
ela proporciona, como captação de CO2, minimização de processos erosivos
e interceptação das chuvas, além dos produtos que pode fornecer, como a
madeira, por exemplo. Contudo, este pensamento relaciona a condição de
existência de uma floresta a uma simples questão de funcionalidade.
Os serviços ambientais
proporcionados por uma floresta estão relacionados à sua existência e
não a existência da floresta aos serviços ambientais que ela presta!
Ao contrário dos cultivos agrícolas
de eucaliptos, pode-se citar um exemplo real de floresta plantada, que é
a Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro-RJ. Mesmo contando com espécies
exóticas em seu conjunto, embora não sejam predominantes, e tenha sido
alvo de um grande projeto de reflorestamento no século XIX, esta
floresta apresenta as características anteriormente citadas. Após os
replantios, a flora da Floresta da Tijuca continuou a realizar os
processos ecológicos naturais, como a reprodução, independentemente da
intervenção humana direta. A gestão da floresta na forma de Unidade de
Conservação é diferente da manutenção de característica agrícola. (…)
Quando o eucalipto é plantado com objetivo comercial, geralmente em
grande escala e de forma intensiva, para fornecer matéria-prima para as
indústrias de papel e celulose, construção civil ou siderurgia, trata-se
de silvicultura.
Resta evidenciado que a falácia
fomentada pela indústria de papel e celulose de que seus monocultivos
comerciais são “florestas plantadas” não possui fundamento algum nos
contextos científico e, principalmente, ecológico, cingidos à questão,
não passando de mais uma propaganda enganosa, fruto do conhecido greenwashing
tão comum no meio industrial, em específico, na seara capitalista do
agronegócio, que semeia lucros estratosféricos às custas do exaurimento,
impune, dos mais variados ecossistemas.
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