segunda-feira, 6 de julho de 2015

Duas siderúrgicas de Açailândia estão na nova lista suja do trabalho escravo


segunda-feira 6 de julho de 2015
As siderúrgicas Viena S/A e Ferro Gusa do Maranhão Ltda (Fergumar), que operam no município de Açailândia (MA), estão na nova “lista suja” do trabalho escravo produzida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgada em 2015. As empresas foram flagradas explorando mão de obra análoga a de escravo em suas fazendas produtoras de carvão, situadas no Estado do Tocantins.
Essas siderúrgicas foram incluídas no cadastro “lista suja” no ano de 2012 e, de acordo com as normas estabelecidas pelo MTE, as empresas permanecem, obrigatoriamente, cadastradas por dois anos, período em que devem se ajustar as normas do Ministério e quitar os débitos com o poder público. A lista é atualizada semestralmente e tem edição completa publicada a cada dois anos.
As condições degradantes de trabalho foram constatadas nas fazendas produtoras de carvão vegetal “Vale do Canoa III” e “Retiro”, ambas de propriedade da empresa Viena Siderúrgica S/A, situadas na zona rural de Darcinópolis (TO). E também, na fazenda “Água Amarela”, que está localizada na zona rural de Araguatins (TO), e pertence à siderúrgica Ferro Gusa do Maranhão Ltda. (Fergumar).
Com sedes no município de Açailândia, Viena S/A e Fergumar Ltda. estão localizadas ao lado da comunidade de Piquiá de Baixo, onde aproximadamente 380 famílias convivem desde os anos 80, com os problemas ambientais e sociais provocados pela poluição gerada por essas empresas e outras três, também do ramo de siderurgia (Siderúrgica Maranhão S/A (SIMASA), Siderúrgica Vale do Pindaré e Gusa Nordeste S/A).
De acordo com o relatório técnico da equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho, foram resgatados 56 trabalhadores da fazenda “Água Amarela”, entre eles, quatro mulheres e um adolescente que estavam sendo submetidos a trabalho escravo. Nesse estabelecimento, os trabalhadores realizavam atividades de corte e empilhamento de eucalipto, e produziam carvão vegetal destinado à Fergumar Ltda.
Após a constatação dos crimes, a siderúrgica Ferro Gusa do Maranhão Ltda (Fergumar), proprietária das fazendas, foi obrigada a pagar mais de R$ 72 mil reais de rescisões contratuais e recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores explorados. Atualmente, a empresa está respondendo a processo criminal na justiça do trabalho.
Já nas fazendas de propriedade da Siderúrgica Viena S/A (“Vale do Canoa III” e “Retiro”) foram encontrados e resgatados 89 trabalhadores, que também realizavam atividade de corte de eucalipto e produção de carvão vegetal, e se encontravam em situação análoga a de escravo. Nesse caso, a siderúrgica foi condenada a pagar mais de R$ 180 mil em rescisões de contratos e também responde a processo na justiça.
Durante a fiscalização, as fazendas foram autuadas por cometerem mais de vinte (20) infrações, previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foram constatadas as seguintes irregularidades:
• Terceirização ilegal de mão de obra;
• Condições degradantes nas frentes de serviços e nos alojamentos;
• Não reposição de água potável para consumo dos trabalhadores;
• Não fornecimento de equipamentos de proteção individual;
• Falta de material necessário a prestação dos primeiros socorros no alojamento e nas frentes de trabalhos;
• Transporte irregular de trabalhadores;
• Jornada exaustiva de trabalho;
• Manutenção de sistema de barracão no alojamento;
• Pagamentos de salários fora do prazo legal;
• Retenção de documentos;
• Empregado sem registro em Carteira de Trabalho recebendo Seguro-Desemprego;
• Empregados atuando como operador de motosserra sem a comprovação do respectivo treinamento;
• Não existência do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO);
• Exploração de trabalho de menor de 18 anos em atividade insalubre, definida pelo decreto nº 6.481/2008;
• Não recolhimento de FGTS;
• Não implementação de ações de segurança e saúde em benefício dos trabalhadores;
• Moradia coletiva;
• Pagamentos de salários por fora;
Para Brígida Rocha, Coordenadora de Atendimentos Comunitários do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, de Açailândia, que atende trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao escravo, as empresas submetem os trabalhadores a esse regime desumano de trabalho considerando—o apenas uma “irregularidade trabalhista que é convencional para aquele trabalhador, porque na sua vida e na sua realidade ele vive situações piores que as do trabalho”.
Brígida explica também que as empresas priorizam o lucro e entendem que estão pagando ao trabalhador o valor salarial que lhes cabe por obrigação. “Ele [empregador] não se vê na obrigatoriedade de dar alimentação adequada, alojamento adequado, de cumprir com outras obrigações que a legislação prevê para o trabalhador”, afirma.
O relatório dos fiscais do Ministério do Trabalho apresenta a situação da sede da fazenda Vale do Canoa III, onde trabalhavam mais de 60 (sessenta) trabalhadores: “possui área de vivência subdimensionada, incapaz de atender a todos os empregados. O local para refeições comporta no máximo vinte pessoas, obrigando muitos trabalhadores a comerem em pé, debaixo do sol, haja vista que não há sequer uma outra área coberta destinada ao descaso dos trabalhadores, assim, da mesma forma, as instalações sanitárias não tinham quantidade suficiente para atingir a demanda, não havia chuveiros suficientes. A fazenda sequer possui energia elétrica, e a água existente não estava em local adequado, e não era potável. Estava em recipientes inadequados”.
A “Lista Suja”
O cadastro “lista suja” funciona com um sistema de dados públicos a serviço das empresas nacionais e internacionais, bancos públicos e privados que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Esses atores podem realizar consultas do histórico de quem solicita financiamento, podendo negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários em cujas atividades foram detectadas formas de trabalho análogo ao escravo.
De acordo com o Código Penal brasileiro em vigor, o trabalho análogo ao escravo apresenta algumas características, que podem ser comprovadas juntas ou separadamente pelos fiscalizadores: condições degradantes de trabalho; jornada exaustiva; trabalho forçado; servidão por dívida, situação em que a pessoa é forçada a contrair ilegalmente uma dívida que o obriga a trabalhar para pagá-la.
A lista do trabalho escravo é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) um modelo de combate à escravidão contemporânea em todo o mundo. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no Brasil atualmente existem mais de 150 mil trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão.
Suspensão da “Lista suja”
A lista atualizada com os nomes das empresas flagradas explorando trabalhadores em regime similar à escravidão, que seria divulgada no dia 30 de dezembro de 2014, foi suspensa sete dias antes (23/12) por determinação do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, atendendo ao pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que reúne as principais construtoras do país.
No entanto, a ONG Repórter Brasil, amparada pela Lei de Acesso à Informação (LAI-12.527/2012), que obriga o governo a fornecer informações públicas, conseguiu junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) acesso à lista completa com os nomes dos empregadores que exploram mão de obra escrava.
A relação traz os dados detalhados dos empregadores autuados por explorar trabalho escravo, no período da fiscalização que ocorreu entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. O cadastro que foi criado em 2003 é um dos principais instrumentos de combate a esse crime e é tido como referência por outros países.
Impedidos de publicar oficialmente a “lista suja” em 2014, com os cadastros atualizados, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) assinaram uma nova Portaria Interministerial no dia 31 de março, que atualiza as regras para a publicação da lista, o que impede os questionamentos sobre a sua legalidade.
Domingos de Almeida

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