sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Plantas medicinais do Cerrado são experimentadas na produção animal


03/10/2014 - Jornal da Ciência (SBPC)
O objetivo da pesquisa é contribuir para a diminuição do uso de antibióticos em animais de produção

O efeito antimicrobiano de muitas plantas do Cerrado, já conhecidas como terapêuticas, pode ser utilizado na nutrição de animais ruminantes.  Algumas dessas plantas estão sendo estudadas por pesquisadores da área de Produção Animal das cinco universidades federais da região Centro-Oeste, sob coordenação da Universidade Federal de Goiás (UFG).  Com o apoio da Faculdade de Farmácia (FF), responsável pela extração e identificação das espécies e dos seus princípios ativos, bioprodutos da sucupira (Pterodon emarginatus Vogel), da copaíba (Copaifera langsdorffii Desf), do barbatimão (Stryphnodendron adstringens (martius) Coville) e do pacari ( Lafoensia pacari A. St.-Hill) estão sendo testados na alimentação de bovinos, frangos, ovinos e suínos, na Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ).

Trata-se de uma importante ação de valorização da flora do Cerrado com o seu potencial fitoterápico.  Também participam dos estudos pesquisadores das Universidades Federais de Mato Grosso (UFMT), de Mato Grosso do Sul (UFMS), da Grande Dourados (UFGD) e da Universidade de Brasília (UnB).

As pesquisas, algumas já concluídas e outras em fase de experimentação de campo, devem contribuir com alternativas ao uso de medicamentos sintéticos na produção animal.  O conjunto de 12 projetos constitui a rede Produção Animal Sustentável financiada pela Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Rede Pró-Centro-Oeste).  A coordenação da rede Produção Animal Sustentável é da UFG, sob responsabilidade do professor Juliano José de Resende Fernandes, da EVZ, tendo como subcoordenador o professor Gumercindo Loriano Franco, da UFMS.

As pesquisas da rede Produção Animal Sustentável tiveram início em 2011 e devem ser concluídas em 2015.  Os recursos aprovados para todos os projetos somam mais de R$ 3,2 milhões e são oriundos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), pela Rede Pró- Centro-Oeste.  Além de financiar diretamente os projetos, os recursos contribuem para ampliar e melhorar a estrutura de pesquisa da UFG e das demais Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) do Centro-Oeste.

Os projetos congregam 42 pesquisadores, docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, e já geraram muitos trabalhos acadêmicos, como artigos, dissertações e teses.  Estão envolvidos 17 pós-graduandos e mais de 20 bolsistas da graduação.  Diversas oportunidades de parceria surgiram, com a realização desses experimentos, entre diferentes unidades e institutos da UFG, e também com outras instituições.

Estrutura laboratorial

Os recursos da Rede possibilitaram a criação de importantes laboratórios na EVZ.  O Laboratório Multiusuário da Rede de Produção Animal Sustentável (Lamupas) envolveu a construção de 10 fermentadores de fluxo contínuo que simulam o trato gástrico de animais ruminantes, o que possibilita minimizar o número de experimentos com a utilização de animais canulados.  O conjunto de fermentadores permite a simulação das condições ambientais do rúmen com controle computadorizado da movimentação, da acidez (pH) e da temperatura.  O equipamento, desenvolvido pela equipe do professor Juliano Fernandes, é único no Brasil e encontra-se em processo de patente.

Além desses equipamentos o Lamupas possui estrutura para análises de minerais, aminoácidos, ácidos graxos e outros.  O conjunto de equipamentos de ponta permite análises por meio de absorção atômica, de cromatografia gasosa e de cromatografia líquida.  Também foi possível a instalação de uma câmara fria, importante na manutenção de reagentes e amostras experimentais.  Outros laboratórios da UFG também são utilizados, como os de Histologia e Patologia Animal, da EVZ, de Parasitologia e de Produtos Naturais, da FF, e outros do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP).

Propriedades terapêuticas e bioprodutos

A volorização da flora do Cerrado é um dos objetivos da Rede Pró-Centro-Oeste.  As quatro plantas escolhidas para as pesquisas com animais são conhecidas por suas propriedades antimicrobiana e anti-inflamatória.  Em humanos, a sucupira é usada ainda como analgésica e antirreumática, a copaíba como antitumoral, cercaricida e, juntamente ao barbatimão e ao pacari, antiulcerogênica e cicatrizante.

Tais plantas, na natureza, produzem substancias secundárias (não essenciais às suas funções fisiológicas) capazes de inibir o ataque de predadores, como bactérias, fungos e protozoários.  Esses compostos, utilizados na nutrição ou no tratamento tópico, podem apresentar efeitos antimicrobianos desejáveis.  Entre os possíveis princípios ativos que podem estar presentes nos extratos, há os taninos, as saponinas e os beta-carofilenos.  A escolha dessas espécies se deu também pela alta atividade biológica, ou seja, são largamente encontradas.

A partir do óleo da semente de sucupira e do óleo-resina da copaíba, obteve-se os óleos essenciais.  Das cascas do barbatimão e do pacari, obteve-se o pó, ou extrato seco.  Esses constituem os bioprodutos processados no Laboratório de Produtos Naturais que viabilizaram os experimentos dos projetos da rede Produção Animal Sustentável da Rede Pró-Centro-Oeste.

Essas espécies são reconhecidas também por outras qualidades, como exemplo a madeira, requerida na marcenaria e na construção civil, e a pouca exigência de solo, algumas são recomendadas para compor reflorestamentos mistos em áreas degradadas.

Resultados apontam boas perspectivas

Os pesquisadores da rede Produção Animal Sustentável procuram apresentar alternativas e desenvolver produtos a partir do uso de plantas do Cerrado, com a finalidade de reduzir gastos na produção animal e promover o aumento da eficiência de utilização dos alimentos e a preservação do bioma Cerrado, pela valorização e pelo estímulo ao uso sustentável dos seus recursos.  Além disso, a busca por produtos fitogênicos na produção animal é algo novo e de extrema relevância.  O professor Marcos Barcellos Café, que testa as plantas do Cerrado no combate à Escherichia coli patogênica em frangos de corte, explicou que “embora não hajam evidências científicas de que os antibióticos utilizados na produção animal causem problemas à saúde humana, há tendência à proibição dessas substâncias, como já ocorre na maioria dos países europeus”.

A maior parte dos experimentos é voltada à influência dos bioprodutos estudados sobre a digestibilidade dos alimentos, buscando as dosagens corretas de acordo com os objetivos propostos em cada pesquisa.  No caso dos ruminantes – bovinos de corte e de leite, mantidos em regime de confinamento ou de pastejo – o uso dessas plantas é para controlar a fermentação ruminal, inibindo seletivamente grupos de microrganismos menos eficientes no trato gástrico desses animais, conforme explica o professor Victor Rezende Moreira Couto.  Um experimento, envolvendo 115 bovinos confinados, está em andamento na EVZ, avaliando efeito do extrato de barbatimão sobre o desempenho produtivo desses animais.  Estudos prévios in vitro no Lamupas, já desmonstraram o efeito antibiótico do óleo da semente de sucupira, do óleo de copaíba e do extrato de barbatimão.  Dos extratos inseridos na ração, o óleo de sucupira apresentou baixa aceitação por parte dos animais.

No caso dos frangos, três frentes de pesquisa foram realizadas na EVZ.  Além de verificar o desempenho geral dos animais tratados com os bioprodutos do Cerrado, os estudos tiveram focos específicos quanto à avaliação nutricional e metabólica, sob coordenação do professor José Henrique Stringhini, à saúde intestinal, pela professora Nadja Susana Mogyca Leandro, e ao aumento da imunidade contra patógenos no intestino, pelo professor Marcos Barcellos Café.  Marcos Café informa que, em seus experimentos, o barbatimão e o pacari possibilitaram melhoria na conversão alimentar.  Já com a copaíba e a sucupira, a digestibilidade dos nutrientes foi semelhante ao chamado controle positivo, quando são usados produtos sintéticos.  Na avaliação imunológica, os resultados sugerem que o óleo de copaíba tem efeito modulador da imunidade.

Para poedeiras, a inclusão do extrato de barbatimão resultou em maior peso do ovo, semelhantes ao tratamento com antibióticos.  Em relação à qualidade da casca, com a inclusão do extrato de pacari, ocorreu melhora na qualidade e com o barbatimão, essa qualidade chegou a superar os resultados obtidos com a inclusão de antibióticos sintéticos.

Em suínos, a pesquisa avaliou o potencial antiparasitário do pacari e da sucupira no controle da sarna sarcóptica, com efeitos bastante positivos.  De acordo com a professora Moema Pacheco Chediak Matos (EVZ), uma das responsáveis pela pesquisa, constatou-se que há “um grande potencial acaricida de algumas substâncias frente ao parasito causador da sarna sarcóptica, sendo verificada uma grande melhora na resposta em nível inflamatório e de cicatrização nos suínos que foram tratados com os bioprodutos específicos”.  Em todas essas pesquisas, são sugeridos mais testes para melhor definir formulações e dosagens dos extratos das plantas, a fim de tornar viável sua utilização pelos produtores.

Rede de pesquisa para o Centro-Oeste

Estruturada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com o apoio dos Estados, de suas respectivas Fundações de Amparo à Pesquisa e das universidades federais, a Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação objetiva fortalecer e consolidar a formação de recursos humanos e a produção de conhecimento para o desenvolvimento sustentável da região.

No primeiro edital da Rede, em 2010, foram contemplados 16 projetos multidisciplinares em diferentes áreas.  Cinco deles estão sob coordenação da UFG e concentram nela seus experimentos.  No segundo edital, lançado em 2013, outros cinco grandes projetos envolvendo profissionais da UFG foram aprovados pela Rede Pró-Centro-Oeste.

O Jornal UFG levará a público as pesquisas da Rede Pró-Centro-Oeste realizadas na universidade.  Começamos, nesta edição, pela rede Produção Animal Sustentável, cujos projetos envolvem o uso de bioprodutos de plantas medicinais do Cerrado na alimentação e tratamento de animais.

(Silvânia Lima/ Jornal UFG)

http://www.jornalufgonline.ufg.br/pages/73925-plantas-medicinais-do-cerrado-sao-experimentadas-na-producao-animal

Edições / 5035, 2 de outubro de 2014

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