Diogo Cabral- assessor jurídico da FETAEMA e CPT/MA
No último dia 15.07.2014, dezenas de trabalhadores rurais assentados da reforma agrária do P.A São Francisco, município de Bom Jesus das Selvas-MA, foram brutalmente despejados de suas casas e roças por policiais militares, que deram cumprimento à decisão judicial ilegal prolatada pelo juiz da Comarca de Buriticupu, AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA, em favor de grileiros de terra que arrendaram área pública para a Suzano Papel Celulose.
Entenda o caso:
Em 2002, após anos de luta pela terra, o INCRA criou projeto de assentamento destinando três mil hectares para 40 famílias. Passados dois anos, em 2004, o ex-deputado federal da Bahia Francistônio Pinto, já falecido, alegou ser dono de parte do P.A e ingressou com ação de reintegração de posse, que culminou com o primeiro despejo contra as famílias de trabalhadores rurais. Após várias perícias, ficou constatado que mais de mil hectares de terras foram apropriadas ilegalmente pelo fazendeiro. Contudo, apesar de todas as evidências, o INCRA pouco fez para reverter a situação de injustiça e violência. Após o primeiro despejo, mais de 20 famílias não conseguiram pagar os empréstimos contraídos juntos ao BND (Pronaf) e até hoje estão com restrição de crédito.
Apesar das inúmeras reuniões, realizadas com a Superintendência do INCRA no Maranhão e com a Ouvidoria Agrária Nacional, foi a Suzano Papel Celulose que saiu lucrando com a desgraça das famílias. Da análise documental, chega-se à conclusão que o grileiro e ex-deputado tem apenas 2.000 hectares de terra, contudo, fisicamente, ocupa 3.500 hectares, sendo 1,5 mil hectares do P.A São Francisco. De maneira ilegal, a Suzano Papel e Celulose, visando o abastecimento de sua fábrica em Imperatriz (MA), arrendou 3 mil hectares de terra, sendo destes, 1 mil de terras públicas, para o plantio de eucalipto.
Os trabalhadores, cansados de esperar, resolveram reocupar a área grilada pelo latifúndio e reerguer suas casas e plantar mandioca, milho, feijão. Contudo, tiveram que enfrentar um batalhão do Estado composto por PM, juiz e oficial de justiça. Ao invés de levarem justiça, plantaram a mais tenebrosa ilegalidade.
Uma decisão com um único sentido: pilhagem!
Apesar das diversas manifestações nos autos do processo feito pela Procuradoria Federal do INCRA no Maranhão, que requereu o ingresso na ação de reintegração de posse, realizada em 2008, com parecer favorável do Ministério Público, pela remessa do processo para a Justiça Federal, somente em junho de 2014, decidiu o juiz AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA remeter o mesmo somente em 11 de junho de 2014. Apesar de que, declinada a competência para a Justiça Federal, as decisões tomadas no curso do processo perdem o efeito, o mesmo juiz determinou a realização do despejo. Parte da decisão precisa ser aqui reproduzida, para evidenciar o poder da caneta, mesmo em situação de completa ilegalidade:
Ante o exposto, fazendo uso do poder geral de cautela no resguardo da efetividade de posterior tutela jurisdicional definitiva e, principalmente, para evitar posteriores confrontos mais intensos, DEFIRO o pedido de revigoramento do mandado de manutenção de posse, no entanto, considerando que o requerente foi esbulhado do imóvel determino a reintegração de posse do imóvel ora em litígio, em favor da parte autora, conforme dispõe o art. 928 do CPC. Fica a parte requerida, ainda, proibida de praticar quaisquer atos de turbação ou esbulho, até ulterior deliberação, sob pena de pagar a multa diária de R$ 100,00 (cinqüenta reais), por pessoa, sem prejuízo da resposta criminal à transgressão da ordem judicial. Havendo resistência ao cumprimento desta decisão, autorizo o uso da força pública. NÃO OBSTANTE, considerando que o INCRA solicita o seu ingresso no feito e, em consequência, o deslocamento do processo à Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal e artigo 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/97, nos termos da Súmula nº 150 do STJ, “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”, cumpridas as determinações possessórias indicadas ao norte, DETERMINO o envio do presente processo à Justiça Federal para que se manifeste acerca de eventual interesse da União no feito e por conseqüência, acerca da competência para processamento de julgamento da demanda. SERVE A PRESENTE DE MANDADO
O juiz AILTON GUTEMBERG CARVALHO LIMA violou, com grande fúria, normas do processo civil e da Constituição Federal. Ultrapassou seus limites de atuação, pois não poderia mais prolatar decisão no processo em que já não mais tinha competência. Mas decidiu em favor de um único fazendeiro, solapar os direitos humanos à alimentação, moradia e trabalho de dezenas de famílias de trabalhadores pobres.
Mais violências:
Durante a operação de guerra, com mais de 50 Pms, que solapou o sonho de lavradores pobres, 4 destes, incluindo uma liderança, foram presos em flagrante, sob a alegação de porte ilegal de arma. Durante boa parte do dia 15.07.14, ficaram incomunicáveis e permanecem presos na 2a Delegacia de Açailândia-Ma, onde aguardam decisão judicial que determine.
E a Suzano?
Ao passo que assiste de camarote a destruição de uma comunidade inteira, a Suzano Papel Celulose amplia suas florestas artificiais na região sudoeste do Maranhão, para abastecer sua fábrica na cidade de Imperatriz-Ma, uma das maiores do mundo, e ampliar seus lucros. Financiará várias campanhas eleitorais e cobrará a fatura em forma de acesso a terra (griladas, públicas, etc) e créditos ilimitados para ampliar seus lucros e receitas. Brevemente, pretende em São Luís, capital do Maranhão, construir um porto para escoar sua produção de celulose. Para tanto, terá que desalojar a comunidade pesqueira do Cajueiro, uma história que contaremos em outra oportunidade.
E o Sudoeste do Maranhão, como fica?
Nos últimos 30 anos, a região sudoeste do Maranhão foi palco de inúmeras chacinas, vitimando lavradores que resistiram à grilagem de terras. Há, em curso, várias operações de reintegração de posse para despejar as famílias assentadas. Na região, imperam o silêncio e a bala. Em 2012, Raimundo Cabeça, por denunciar esquemas de venda de lotes da reforma agrária, foi morto. Trinta anos antes, em 1982, Elias Zi, líder do STTR de Santa Luzia, foi morto em plena luz do dia na feira. Tanto no primeiro, quanto no segundo crime, ninguém foi punido.
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