domingo, 13 de outubro de 2013

Vale a pena se assombrar




Ele pensou na “bendita” viagem que o levaria ao Baixo Parnaiba. Deduzia-se uma ironia e um cansaço nesse “bendita”. O cansaço se apossara de seu corpo e de sua mente e não queria larga-lo tão cedo. Ele enfrentava o cansaço com a ironia. A ironia o desperta do torpor da realidade. Para ele, a palavra bendita vem antes sob qualquer aspecto da palavra maldita. Nunca pensaria ou diria “maldita” viagem por mais desgastante que fosse. Aplicar a palavra “maldita” condenaria a viagem e o projeto por muito tempo. Por isso, a palavra bendita vem em primeiro lugar e com essa palavra ele rumou para Carrancas, município de Buriti. Ele não dirigiria o carro. No máximo, passaria a maior do tempo conversando ou dormindo. Mandaram-se depois do meio-dia. Com pressa, o motorista não almoçara. Pararam em Santa Rita e comeram, cada um, um suco e um bolo. O Vicente de Paula, morador de Carrancas, não os esperava. Ele guardaria os implementos agrícolas em sua casa até que os demais participantes do projeto buscassem. A dona Maria das Dores, moradora da Bacaba, aguardava o material desde setembro e provavelmente cobraria a demora. Alguém da família de dona das Dores teria que buscar o material na casa do Vicente. Eles não entregariam os materiais, pessoalmente, porque as comunidades se dispersam pela Chapada e pelos Baixões.
A comunidade de Brejinho mora num Baixo que é cortado por um afluente do rio Munim. Para chegar a ela, atravessam-se vários mata-burros e a pessoa desce uma ladeira que não é para qualquer um. Vale a pena se assombrar com Brejinho e seus buritizeiros depois de encarar a Chapada queimada para que nasça o capim que alimentará o gado.  O Nego, morador de Brejinho, incumbiu-se sozinho da construção do galinheiro. Os seus vizinhos se desvencilharam da idéia do galinheiro. Há mais ou menos um mês atrás ele aparecera na casa do Vicente. Desde então, dedicara-se a pegar madeira na Chapada e no Baixo para construir a casinha onde os frangos serão criados. A conversa do Nego se entrecorta ou arrasta-se pelas suas agruras. Ele se surpreendera com a noticia que trouxeram os frangos caipiras e que ele deveria ir a casa de Vicente para pega-los. Algo extraordinário se desprendia da surpresa dele. O Nego alegava que não terminara o galinheiro, mas que só tardaria uns dois dias para ele terminar o serviço.
O Francisco, vizinho do Vicente, também se surpreendeu com a noticia dos frangos caipiras de manhã bem cedo. No desenrolar da conversa, ele comentou sobre o eucalipto e de como a espécie suga a água do lençol freático que pediria auxilio ao Vicente para definir os limites de sua área; e para encerrar a conversa, ele puxou o assunto em que dava conta que o André, plantador de soja da região, não obteve as licenças ambientais para desmatar um trecho que vinha da Laranjeira e que chegava até bem perto dele e do Vicente.

Mayron Régis

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