De acordo com Cosmo Nunes da Paixão, representante da comunidade, cerca de 19 famílias moram em 43 alqueires, o que dá cerca de 190 hectares. Seus produtos, frutos de um laboratório de experimentação a céu aberto, são vendidos na feira da cidade e nos mercados institucionais. Cerca de 80% das famílias da região sobrevive praticamente da renda do babaçu, cujo coco é 100% aproveitado: artesanato, mesocarpo (farinha), óleo, azeite artesanal, cosméticos, etc. Sua melhor safra é de maio a novembro. Sua mãe, Dona Augustinha da Paixão, de 88 anos, é a matriarca da comunidade, onde teve 18 filhos.
“É importante a representatividade do consórcio, a forma da nossa convivência com a mata, cada árvore dessa tem um tempo e uma necessidade para a gente. Cada morador tem o seu quintal, mas tem um local comum. A gente não coloca veneno e adubo químico. Papai dizia que nessa terra nunca colocaríamos agrotóxicos, cerca de 14 anos ele morreu mas não acabou. Assim preservamos a água também com suas nascentes”, disse o agricultor.
O trabalho das mulheres também é muito forte na comunidade. A Associação Regional de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip), que trabalha com o Babaçu, tem cerca de 300 sócias na região. Formam as mulheres sobre seus direitos em 12 municípios, sua sede fica em Augustinópolis e possui núcleos na base. Azeite artesanal, mesocarpo, brincos e colares são alguns dos seus produtos. Recebem apoio de assessoria e técnicos de forma voluntária.
“Criar essa associação foi um ponto muito positivo, porque na época tinha muita derrubada do babaçu. Também criamos as cantinas de compras para ajudar as companheiras. Fazíamos troca do produto pela amendoa, foi um grande salto porque reduzimos a derrubada. Com a associação avançamos na formação e conscientização das mulheres, trabalhamos o protagonismo delas. Precisamos das políticas públicas, nunca chega nos pequenos essa burocracia”, disse Luzanira, coordenadora geral da ASMUBIP.
Segundo o agrônomo Fabio Pacheco, da ONG Tijupá e representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a caravana faz parte da preparação do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). “Em 2002 ocorreu o primeiro ENA, no Rio de Janeiro, ocasião em que discutimos a criação da ANA. O segundo foi em Recife, em 2006, e de 26 a 30 de maio será o III ENA, em Juazeiro (BA). Para chegar nesse encontro há o processo de preparação nos estados e regiões, e essa caravana é uma das etapas na Amazônia. Antes não tinha essas visitas nas comunidades, tudo faz parte das experiências. Então, houve a primeira na zona da mata mineira e estão ocorrendo outras. Servem para compreender melhor como as experiências acontecem e refleti-las no encontro”, explicou.
A experiência dessa comunidade é fruto de uma história de muita luta. Buscaram terras devolutas na região para habitar em 1958, após muitos conflitos com os fazendeiros. Foi preciso mais de dez anos de resistência para conquistar a titulação da terra. A lavoura era tradicional, mas com as dificuldades diversificaram o sistema. As lutas sindicais começaram em 1982, defendendo os trabalhadores no meio de pistoleiros. Nesse processo outras entidades foram criadas, como a APA-TO, a Asmubip e a federação dos trabalhadores. A preservação do meio ambiente foi se desenvolvendo nesse contexto.
Além dos frutos, leguminosas, hortas, criação de galinha e porcos, também tem muita planta medicinal no terreno, além de outros recursos naturais. “Só com as sementes crioula vai segurar, sem o tradicional estamos perdidos. Trazemos pouca comida de fora, hoje a fruta tem se destacado por conta de um período ruim para o babaçu. É preciso diversificar a produção porque o dia que alguma estiver sem valor a outra ajuda”, disse seu Cosmo.
Com o sistema de consórcio agroflorestal eles potencializam o plantio. Usam também algumas plantas para recuperação do solo, geralmente leguminosas nativas da região, que ajudam com adubo e sementes: fertilidade mais rápida que o processo natural, disse um agrônomo. Fizeram quatro tanques naturais para cultivar peixes, mas ainda estão desativados. Trabalham a roça durante um ano e deixam a terra descansando por cinco. Testam consórcios, atualmente tem cheiro verde com pimentão, pepino com macaxeira, tabaco para espantar pragas, etc. “Testo para ver se presta, você tem que ter fé no que está fazendo”, afirma Paixão.
A produção do Coco Babaçu
Tudo no babaçu é aproveitado. Até a casca que sobra é utilizada para fazer carvão, cuja saca custa R$ 18,00. No caso da comunidade Olho d’Água falta investimento do governo para água encanada, uma das dificuldades de infraestrutura. Para o brejo sobreviver, de onde eles pegam sua água, é preciso deixar a mata crescer.
Os moradores alertam que várias cooperativas estão fechando, é preciso não cair na política eleitoreira ou partidária por causa da cooptação. A safra é de maio a novembro, tudo de forma artesanal. A associação têm um caminhão para escoar a produção. Elas têm uma forma tradicional de quebrar o coco.
Visitamos a Fabriqueta de Mesocarpo, em São Miguel (TO), onde é beneficiado o coco em temperatura de até 200°. O desafio, segundo as quebradeiras de coco, é que a sociedade não conhece o produto. Estão tentando entrar agora no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A sede da Associação fica em Augustinópolis (TO) e as unidades de beneficiamento em São Miguel.
Em seguida fomos a Reserva Extrativista do Extremo Norte do Estado de Tocantins, onde há uma unidade de beneficiamento de coco babaçu, localizada em Carrasco Bonito (TO). Produz óleo de babaçu para a indústria dos cosméticos. São 275 famílias cadastradas, mas nenhuma vive dentro da reserva pois seu acesso é limitado pelos fazendeiros e a empresa Tobasa. Vendem o litro do óleo por R$ 6,00. A reserva foi decretada em 1992, mas ainda nenhuma fazenda foi desapropriada. Embora exista no estado a Lei do Babaçu Livre, que garante o livro acesso às quebradeiras, ainda enfrentam as derrubadas e intransigências dos fazendeiros das propriedades particulares.
“É só moto serra, trator e a gente sendo ameaçado. Um grupo de fazendeiro criou uma associação. São 21 anos de sonho por essa reserva extrativista, um embate grande com os proprietários pela conquista da terra. Já fui ameaçado três vezes”, diz Raimundo Nonato, liderança local presidente do sindicato dos(as) trabalhadores(as) rurais de Carrasco Bonito.
Desde 1999 existe o sindicato na região, e a Associação foi criada em 2001. O governo alega, ainda segundo ele, que não tem grana para indenizar os fazendeiros. Nonato critica a lógica de higienização exagerada da vigilância do governo, que não favorece os pequenos empreendimentos. “O governo não é sensível às demandas dos movimentos. Falta apoio municipal, estadual e federal, só investem na soja, pecuária e eucalipto”, desabafou.
Os agricultores lutam para juntar as três Reservas Extrativistas do Bico do Papagaio: Extremo Norte, Mata Grande e Ciriaco. Mas a Associação dos Fazendeiros possui quatro advogados, e alega que vai quebrar economicamente o município de Carrasco Bonito.
A luta de Padre Josimo
No município de Buriti (TO) foi construído um memorial em homenagem ao Padre Josimo Moraes Tavares para relembrar sua luta junto ao povo do Bico do Papagaio. Ele chegou em 1983 na região e três anos depois foi assassinado, aos 33 anos, representando um marco na luta pela terra local. Católico, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Padre Josimo fez história.
Quando chegou ao Tocantins já havia muitos pequenos agricultores em terras devolutas, mas depois chegaram diversos rendeiros com documentos de cartórios e fazendeiros. Toda a elite, juízes, gestores públicos e a polícia, segundo os moradores, expulsavam os camponeses de suas terras. Nesse contexto que Josimo ajudou a fundar os primeiros sindicatos, informar as leis e realizar reuniões. Despertou a ira da elite de toda a região, e se tornou um ser político ao procurar os mais humildes.
“Era negro, tentaram matar ele algumas vezes. Hoje, após a sua luta, tem 84 assentamentos com 5.000 famílias na região. Nunca mais vamos tirar seu aprendizado da gente, ele deixou sua sementinha”, lembrou Dona Francisca, agricultora.
A cada dois anos tem uma romaria em sua homenagem. No memorial há um painel de um pintor peruano chamado Cerezo, com imagens lembrando a luta dos trabalhadores rurais naqueles territórios. A elite tentou derrubar a obra com a construção da nova igreja em 2012, mas o povo não permitiu.
www.agroecologia.org.br
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