domingo, 26 de maio de 2013

Técnica da Roça sem fogo

Moisés de Souza
O Estado do Maranhão possui uma área de 331.935,5 km² e uma população estimada em 2010 de 6.474.789 habitantes  (IBGE, 2010). Com relação ao uso da terra pelos agricultores no  Maranhão, estudos conduzidos pela Embrapa Cocais a partir de dados do LSPA (IBGE, 2011), mostram que a produtividade média das principais culturas cultivadas no estado, incluindo soja, arroz, milho, feijão e cana de açúcar está abaixo da média nacional, chegando a ser 70% inferior para a cultura do arroz.
A economia do Estado baseia-se na pecuária extensiva e agricultura itinerante (lavouras anuais : arroz, milho, feijão e mandioca), com uso de técnicas rudimentares, tais como o uso do fogo como forma de preparo das áreas para plantio. Os agricultores familiares sobrevivem da roça e da criação de pequenos animais (aves, suínos, caprinos e ovinos) e do extrativismo (babaçu e pesca artesanal). Esse sistema nem sempre gera excedente de produção, fazendo com que a renda monetária desses agricultores, seja insignificante.
Por intermédio do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) houve contratação de quatro empresas especializadas para prestação de serviços de assistência técnica para as famílias selecionadas pelo Plano Brasil Sem Miséria (PBSM). Nesse processo, foram selecionadas quatro empresas para atuarem em dois territórios maranhenses que são o Baixo Parnaíba e dos Cocais e beneficiará em torno de 4.000 famílias, distribuídas em 24 municípios.
No território do Baixo Parnaíba três empresas se habilitaram que são: Centro de Desenvolvimento Tecnológico (Cedet), a Cooperativa dos Profissionais Autônomos do Maranhão (Cooprama) e Agência Estadual de Pesquisa e Extensão Rural (AGERP). No território dos Cocais a responsabilidade ficou a cargo da Empresa Agrícola e Pecuária Ltda (Empagri).
Visando incrementar e apresentar soluções alternativas para reduzir o uso do fogo no Maranhão os centros de pesquisa da Embrapa Cocais, sediado em São Luis e Embrapa Amazônia Oriental, com sede em Belém, realizaram por intermédio do programa governamental Brasil Sem Miséria, dois cursos de capacitação no mês novembro de 2012, sobre Roça Sem Fogo e Trio da Produtividade para cultivo de mandioca intercalada com milho, arroz e feijão.  No território do Baixo Parnaiba houve capacitação de  21 técnicos multiplicadores e 7 agricultores familares  e no território dos Cocais foram treindos 11 técnicos e 4 agricultores. O segundo curso foi realizado no município de Amarantes com a participação de 7 técnicos e 13 agricultores.
A técnica da Roça Sem Fogo consiste no preparo de área sem uso do fogo com corte da vegetação de capoeira de até 10 anos de idade rente ao solo, com ferramentas manuais, seguido do inventário das espécies de valor econômico, como fruteiras e essências florestais, para preservação no roçado e posterior retirada do material lenhoso, finalizando com o picotamento da vegetação na superfície do solo e aceiro para plantio de mandioca ou espécies perenes (ALVES; MODESTO JÚNIOR, 2009).
Como a mandioca é a principal cultura dos agricultores dos municípios envolvidos foi difundida a técnica do Trio da Produtividade da Mandioca que se trata de uma marca criada para facilitar o entendimento pelos agricultores e consiste na síntese de três processos que mais impactam a produtividade da mandioca, com redução de custos: seleção de manivas-sementes, plantio em espaçamento de 1m x 1m e capina manual durante os cinco meses iniciais do ciclo da mandioca (ALVES; MODESTO JÚNIOR; ANDRADE, 2008).
Durante os eventos de capacitação foram levantadas informações com os participantes dos cursos sobre os principais problemas dos agricultores, alguns aspectos relacionados à vida social, à infraestrutura disponível, as atividades econômicas referentes ao sistema de produção adotado e as barreiras que poderiam dificultar a adoção da agricultura sem fogo. Adotou-se na pesquisa as técnicas do diagnóstico participativo e de entrevista de grupo focal segundo  (THIOLLENT, 1986; PATIÑO et al., 1999).
As principais dificuldades relatadas pelos técnicos foram: agricultura de subsistência com uso do fogo descontrolado no preparo de área, baixa produtividade das culturas, arranjo espacial inapropriado envolvendo plantio misturado de mandioca, milho e arroz com baixo número de plantas por unidade de área, falta de regularização fundiária de área obrigando os agricultores arrendarem terra, pouco acesso ao crédito rural devido a elevada taxa de inadimplência e falta de terra, baixo investimento do Estado em políticas para financiamento da assistência técnica, entre outras.
De acordo com os técnicos cerca de 90% da produção familiar é utilizada para o consumo próprio. Apenas a farinha de mandioca é produzida e comercializada como excedente de produção. Os principais produtos dos agricultores familiares são obtidos do extrativismo do babaçu, cultivo de subsistência de mandioca, milho, arroz e feijão-caupi. Uma pequena parte de agricultores também cultivam abóbora, melancia e maxixe. Também existem criações de subsistência de galinha caipira, suíno, pato, caprino e galinha de angola. O carvão vegetal é outra fonte de renda utilizada para comercialização e uso próprio para cocção de seus alimentos.
Informações obtidas de dois técnicos da COOPRAMA que realizaram Diagnósticos Rápidos Participativos, por meio de entrevista pessoal com 160 agricultores de mais de 20 comunidades do município da Chapadinha (MA), indicaram que a produtividade de mandioca situou-se entre 3 e 5 t.ha-1, a presença do analfabetismo ainda é muito elevada com 40 % dos agricultores e 60% com apenas ensino fundamental incompleto. Com relação à infraestrutura quase a totalidade possui TV com antena parabólica, 75 % possuem geladeira e fogão a gás, 30 % possuem motocicleta. Porém não tem acesso a água encanada e a telefonia celular está presente em apenas 5% das residências por meio da antena rural.
Com relação às barreiras que poderiam dificultar a adoção das técnicas de cultivo sem uso do fogo pelos agricultores familiares, os técnicos informaram a estiagem prolongada, o excesso de fogo descontrolado que prejudica a renovação da biomassa. A falta de terra dos agricultores familiares também foi uma dificuldade relatada.
De fato somente a existência de um processo tecnológico, validado com relação custo benefício positivo não basta para quebrar esse paradigma. O uso do fogo é um costume, um hábito, uma herança repassada pelos nossos ancestrais desde a pré-história e até hoje adotado pelos ancestrais, por seus vizinhos e amigos. Existem diversas tecnologias, porém elas precisam chegar ao campo. É preciso investir em mecanismos para facilitar o entendimento e a adoção das tecnologias, por meio da difusão e comunicação com recomendações técnicas em linguagem e canais adequados aos agricultores familiares, com a produção de material de divulgação impresso, vídeo e áudio, porém fartamente ilustrado, dirigido a esse público específico, associando ao texto objetivo algumas ilustrações que possam sintetizar as recomendações técnicas, pois é baixo o nível educacional das comunidades familiares. Os fatores de produção também interferem. Os agricultores não possuem terra, o êxodo rural é grande, falta mão de obra no campo e quase todos estão inadimplentes e descapitalizados. Cada vez mais os agricultores familiares se distanciam dos grandes centros urbanos elevando os custos de transporte, dificultando o escoamento da produção e reduzindo cada vez mais seus rendimentos. Praticamente não existem na região Norte do Brasil, estudos sobre os canais de comercialização de produtos da agricultura familiar para servirem como tomada de decisão para a escolha da melhor opção ao agricultor. Por isso os parcos ganhos acabam sendo perdidos no momento da venda da produção. Será preciso um investimento muito grande em pesquisa e difusão de tecnologias com estudos que subsidiem o estado para elaboração políticas públicas que incentivem a agricultura sem uso do fogo.
Finalmente destacam-se entre as principais atividades a serem conduzidas de forma participativa com os agricultores:
• Ajustes nos arranjos espaciais produtivos envolvendo mandioca intercalada com arroz, milho e feijão-caupi em roça sem fogo.
• Manejo da palhada do babaçu como cobertura morta para cultivo de espécies alimentares e implantação de SAF’s sequenciados ou simultâneos.
• Enriquerimento de capoeiras com leguminosas para cultivo de espécies alimentares.
• Capacitação sobre criação de galinha caipira.
• Aproveitamento de folhas de mandioca para alimentação de aves.
• Capacitação em processamento da mandioca para fabricação de farinha.
• Capacitação em saneamento rural com implantação de fossas sépticas.
• Capacitação sobre cultivo de hortaliças.
• Fornecimento de publicações diversas para montagem de minibibliotecas em escolas públicas.
Referências
ALVES, R. N. B.; MODESTO JÚNIOR, M. de S.; ANDRADE, A. C. da S. O trio da produtividade na cultura da mandioca: estudo de caso de adoção de tecnologias na região no Baixo Tocantins, Estado do Pará. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INSTITUIÇÕES DE PESQUISA TECNOLÓGICA, 2008, Campina Grande. Os desníveis regionais e a inovação no Brasil: os desafios para as instituições de pesquisa tecnológica. Brasília, DF: ABIPTI, 2008. 1 CD-ROM.
ALVES, R.N.B.; MODESTO JÚNIOR, M. de S. ROÇA SEM FOGO: alternativa agroecológica para o cultivo de mandioca na Amazônia. In: XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE MANDIOCA. Botucatu, SP, CERAT/NESP, 14 a 16 de julho, 2009.
IBGE. Produção Agrícola Municipal: culturas temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 18 de abr/2012.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1986. 108p.

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