domingo, 26 de fevereiro de 2012

A grilagem e produção de arroz no Maranhão


Adalberto Franklin*

Final da década de 1960. O Maranhão tornara-se o segundo maior produtor de arroz do país, graças às safras recordes de Imperatriz e das regiões do Mearim e Pindaré. Arroz cultivado no velho sistema sertanejo do “toco” e da queimada, por dezenas de milhares de famílias nordestinas que se estabeleceram no Maranhão, fugitivas das inclementes secas da primeira metade do século XX.
O sudoeste maranhense era o paraíso dos migrantes. Além de incontáveis rios perenes, como em todo o Estado, havia um vastíssimo território de terras devolutas. Aí, em menos de dez anos, se estabeleceram mais de trinta mil agricultores nordestinos, exímios plantadores de arroz, feijão, milho e mandioca.
Em 1969, a produção de arroz na região teria superado a barreira de um milhão de sacas. Chegara-se ao final da década com mais de duas dezenas de usinas de beneficiamento de arroz no município.
A predominância da cultura do arroz na economia de Imperatriz se deu até os primeiros anos da década de 70, quando as grandes fazendas de gado foram tomando o espaço das roças, muitas vezes através do esbulho possessório e do poder da grilagem, ou mesmo da pistolagem. Centenas de famílias que há mais de uma década ocupavam áreas devolutas se viam, de repente, obrigadas a abandonar suas posses sob a coação de um documento forjado ou do cano de uma arma. Era o poder da grilagem, no caso imperatrizense, ativa por mais de duas décadas, contribuindo com a gradativa redução da área destinada à agricultura, que cedia espaço ao gado, forçando o despovoamento do campo e o inchaço das áreas suburbanas da cidade.
A fragilidade dos posseiros se dava, principalmente, porque a quase totalidade dos que imigraram para o sudoeste maranhense era formada por camponeses analfabetos ou por pessoas de pouca instrução, sem noção legal de posse ou propriedade; para quem a terra devoluta, sem produção e sem reclamante, era território de quem nele se atrevesse a derrubar, queimar, plantar e colher; que tivesse disposição e coragem para a lida da roça. Documentação de terra não era objeto de sua preocupação.
Essa mentalidade típica do sertanejo nordestino, porém, entrou em choque com outras culturas que se cruzaram nos territórios do Bico do Papagaio, na região do Tocantins e do Pindaré, onde surgiu cruel e violentamente a figura do grileiro, com documentos forjados em conluio com cartorários, políticos e autoridades, expropriando-os de suas posses.
A mesma situação vinha se verificando na região maranhense do Pindaré, contígua ao território de Imperatriz, onde surgiram violentos conflitos no processo de resistência dos lavradores que, a partir da década de 1950, ocuparam aquelas matas com grandes plantações de arroz, abrindo novas fronteiras produtivas e formando povoações, o que deu origem à criação do município de Santa Luzia.
O desmantelamento desse ciclo produtivo foi, principalmente, resultante do embate e da concepção de propriedade da terra, em que o pequeno agricultor tinha larga desvantagem. Para este, a terra em si mesmo não era vista como mercadoria, mas como meio de produção de sua sobrevivência, raciocínio que o levava a um sistema de cultivo em áreas abertas, sem cercas ou demarcações, a “terra liberta”, variando sua extensão de acordo com a necessidade, ano a ano, conforme sua capacidade de cultivá-la. Nesse universo cultural não se enquadra a titulação.
No início deste ano, tive acesso a um registro do modus operandi da grilagem na área conhecida como “Estrada do Arroz”, município de Imperatriz, formada por mais de uma dezena de povoados então maiores produtores de arroz na região. O texto, datado de 14 de setembro de 1975, é da Irmã Gertrudes, uma missionária católica que na primeira metade dos anos 70 dava assistência às famílias daquelas comunidades.

Nova e triste notícia do Pequizeiro. Os homens de Raimundo Fogoió queimaram as terras perto do povoado, atingindo também algumas casas. [...]
Três famílias, não aguentando a pressão e sabendo inútil o seu esforço em procurar seus direitos, resolveram vender por Cr$ 2.000,00 suas terras, suas casas e seus ricos quintais e foram morar em Imperatriz.
Os outros estão sem saber o que fazer, pois sentem que estão ficando sem forças, sem coragem de lutar. Sabem que o mais forte e o que tem mais dinheiro é quem vai vencer.”

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*Adalberto Franklin é jornalista e historiador. Autor de “Breve história de Imperatriz”, “Apontamentos e fontes para a história econômica de Imperatriz”, dentre outros.


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