sexta-feira, 26 de setembro de 2014

PPA: Planejamento como farsa


O projeto Avança Brasil, idealizado, discutido e posto em prática durante o governo FHC e que abrangia áreas de energia, transporte e agricultura, estava correlacionado com os altos índices de crescimento que a economia norte-americana desenvolveu entre os anos de 1995 e 2001. Em um artigo recente, na carta capital, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo cita uma afirmação do economista Stephen Roach, do Morgan Stanley: "Nos sete anos, encerrados em 2001, a economia americana foi responsável por cerca de 63% do crescimento acumulado do PIB mundial." Em um outro trecho, com suas próprias palavras, Belluzzo coloca que a expansão da economia global, nos anos 80 e 90, se deveu a duas polaridades: os Estados Unidos que, por possuírem a moeda-base de troca da economia, expandiram de forma quase ilimitada as suas capacidades de emissão de moeda e de endividamento externo e a China que, graças a investimentos externos e estratégias de crescimento mercantilistas, vem desenvolvendo a sua indústria de maneira acentuada, ano após ano. Entre essas duas polaridades, o Brasil foi inserido por carregar, dentro de si, vasto material de biodiversidade, material humano e material econômico que poderia alimentar os fornos da economia mundial. Só foi preciso, então, investir em infra-estrutura para poder sustentar e expandir os setores voltados para exportação. Para isso contaram com apoio do BID, Banco Mundial e outros bancos de investimento que, por que tinham acesso ao dólar por um baixo custo, fizeram muitos empréstimos para países como o Brasil. Contudo, essa lógica foi montada em cima da crise financeira do estado brasileiro, que, mesmo com apoio externo, se mostrou, e ainda se mostra, permanente. Em uma entrevista, para a mesma Carta Capital, a economista Maria da Conceição Tavares chega a afirmar que "os EUA não puxam ninguém, a não ser o comércio asiático", mas, durante o boom da economia americana (1995-2001), se tinha a firme certeza de que a economia brasileira atingiria um crescimento de 4% ao ano, o que nos levaria a investir cada vez mais em infra-estrutura, no caso hidrelétricas, termelétricas e gasodutos, para suprir as demandas de consumo interno e as demandas para exportar cada vez mais, quer seja eletro-intensivos, quer seja soja. Muitos achavam e ainda acham que a expansão desses setores infinitamente é sinal de pujança, que suas conseqüências mais imediatas são o impulso da economia, como se houvesse uma relação de causa e efeito nas relações estruturais da economia, e que há espaços e recursos para mais investimentos e para serem criadas áreas de reserva e de proteção ambientais e indígenas, que seriam e são pensadas como formas seguras, nem tanto, às vezes, para que sejam preservadas a biodiversidade e as riquezas minerais que lá se encontram. No entanto, a lógica dos setores exportadores, citados anteriormente, não é dar impulsão à economia de maneira geral e sim gerar divisas para cobrir déficits no balanço de pagamentos, pois são setores que não agregam valor e nem geram muitos empregos. Para Eliézer Batista, figura-chave e referência do pensamento nacional desenvolvimentista nas últimas décadas, o Avança Brasil foi a melhor inovação na área de gestão de recursos públicos, mas que se perdeu por tentar conciliar na sua prática a lógica econômica, da onde se originou o projeto, com várias outras lógicas, tipo fatores sociais, econômicos e tecnológicos. Em outra vertente, essas interligações, que, na ótica de Eliézer, eram um sinal de distanciamento das intenções originais do Avança, motivaram severas críticas das ONG’s, movimentos sociais, entidades representativas de classe, nações indígenas e pesquisadores por levarem em consideração tudo, menos, os impactos diretos e indiretos que tais projetos ocasionam antes, durante e depois de sua implantação. A crítica das ONG’s ao Avança era em relação ao modelo e as várias formas que ele se apresentava dentro da e perante a realidade e à sociedade brasileiras. Uma dessas formas em que o Avança se apresentava, e que ainda continua permeando o processo de implantação dos grandes projetos no Brasil, era a da não-discussão com a sociedade civil organizada e a sonegação de informações, como se não fosse de direito o acesso às informações que o projeto tem, só pelo simples fato de que ele é privado ou é público. O ano de 2002 é um dos pontos altos na construção de um modelo teórico-crítico e de articulações que se contraponham a essas práticas, sendo um dos marcos iniciais o encontro da Rede Cerrado, em Goiânia, quando se reuniram organizações não-governamentais "...para discutir estratégias da sociedade civil para as bacias dos rios Araguaia e Tocantins". Em documento da Rede Cerrado, articulação de ONG’s, sindicatos e associações que trabalham pelo bioma Cerrado, justificou-se o motivo dessa reunião pela "...constatação de que os processos de degradação social e ambiental causados pelo atual modelo de desenvolvimento podem ser agravados...". O agravamento levaria a mais perda de solo que está em torno de 4,5 bilhões de dólares, mais perdas das famílias, como as que moram em Balsas, das suas terras para a expansão da soja e o aumento de bancos de areia no canal fluvial do rio Araguaia. A dona Raimunda Martins, artesã da cidade de Araguacema, situada à beira do rio Araguaia, inicia o seu testemunho, também para o encontro da Rede Cerrado, com uma pequena frase sobre como ela e os outros compreendiam e sentiam esse rio: "O Araguaia era fonte de vida...". Quer dizer, não é mais o local onde as pessoas podem coletar os seus alimentos, pois no máximo você pode encontrar uma ou outra espécie de peixe. Podemos dizer que as discussões estabelecidas durante o encontro da Rede Cerrado, uma pena que, no encontro de 2003, a rede não pôde manter a seqüência de discussões sobre grandes projetos, e, logo após, durante os outros encontros que vieram a acontecer, como a dos Rios Vivos, também em Goiânia, desembocaram no encontro da bacia Araguaia-Tocantins, na cidade de Imperatriz, no começo de dezembro de 2002. Dando uma olhada nas deliberações de cada encontro, podemos observar que eles estavam muito próximos uns dos outros. Só citando algumas estratégias construídas durante o encontro da Rede Cerrado: Promover a participação de atores na construção de modelos alternativos; cuidar para que instrumentos legais de participação não sejam utilizados para validar empreendimentos de impacto ambiental; priorizar a informação como instrumento para preparar as pessoas; conter a exportação de produtos eletro-intensivos e desenvolver campanhas na área de energia alternativa. Esses são elementos que as ONG’s priorizaram como forma de iniciar uma discussão que venha estabelecer novos pressupostos para um possível modelo de desenvolvimento para o Brasil. A apresentação desses elementos também seria uma forma de influir no planejamento que o antigo governo tinha e no planejamento que o atual governo teria, dentro da idéia de que os erros do passado não deveriam ser repetidos no futuro. Sim, passado o Avança, o presente agora é o PPA (Plano Plurianual), que foi apresentado, defendido e que se pretende ser um modelo mais "avançado" frente ao anterior, pois a sociedade civil, o setor produtivo e o setor governamental foram convocados a se sentar na mesma mesa para defender suas propostas. Em tese e na prática, o que se viu foi exatamente essa mesa redonda entre os diversos setores, contudo, analisando a sua filosofia, veremos que o PPA é apenas uma cópia mal-feita ou um arremedo do que era o Avança. O próprio Eliézer Batista afirma que o modelo de antes foi estendido para o atual, mas, ao nosso ver, sem a mesma conjuntura econômica que permitia ao governo FHC vender uma imagem de Brasil desbravador e em crescimento. O setor de energia é exemplar nessa sensação de algo que já foi visto e que voltou sem muita razão aparente. Citando dois casos específicos e mais próximos: as hidrelétricas de Estreito e Peixe Angical, no rio Tocantins. Lendo o roteiro do Ministério do Planejamento, vemos que as duas UHE’s estão inseridas nos projetos parceria público-privado e que pleiteiam empréstimos ao BNDES para darem início ou prosseguimento às obras. O problema é que nenhuma das duas tem licenças ambientais asseguradas e os pedidos de empréstimos vão ter que esperar na fila, pois a expansão de Tucuruí tem prioridade. Com relação a UHE de Peixe Angical, a EDP, empresa portuguesa de geração de energia, que é uma das controladoras, junto com o grupo Rede, vem tentando uma parceria com a empresa Furnas. Então, que planejamento é esse que não leva em consideração os problemas ambientais, os limites orçamentários do estado e os próprios interesses imediatos de setores importantes do governo brasileiro? 
24 de setembro de 2003
Mayron régis 

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