O projeto Avança Brasil, idealizado, discutido e posto em prática
durante o governo FHC e que abrangia áreas de energia, transporte e
agricultura, estava correlacionado com os altos índices de crescimento
que a economia norte-americana desenvolveu entre os anos de 1995 e 2001.
Em um artigo recente, na carta capital, o economista Luiz Gonzaga
Belluzzo cita uma afirmação do economista Stephen Roach, do Morgan
Stanley: "Nos sete anos, encerrados em 2001, a economia americana foi
responsável por cerca de 63% do crescimento acumulado do PIB mundial."
Em um outro trecho, com suas próprias palavras, Belluzzo coloca que a
expansão da economia global, nos anos 80 e 90, se deveu a duas
polaridades: os Estados Unidos que, por possuírem a moeda-base de troca
da economia, expandiram de forma quase ilimitada as suas capacidades de
emissão de moeda e de endividamento externo e a China que, graças a
investimentos externos e estratégias de crescimento mercantilistas, vem
desenvolvendo a sua indústria de maneira acentuada, ano após ano.
Entre essas duas polaridades, o Brasil foi inserido por carregar, dentro
de si, vasto material de biodiversidade, material humano e material
econômico que poderia alimentar os fornos da economia mundial. Só foi
preciso, então, investir em infra-estrutura para poder sustentar e
expandir os setores voltados para exportação. Para isso contaram com
apoio do BID, Banco Mundial e outros bancos de investimento que, por que
tinham acesso ao dólar por um baixo custo, fizeram muitos empréstimos
para países como o Brasil. Contudo, essa lógica foi montada em cima da
crise financeira do estado brasileiro, que, mesmo com apoio externo, se
mostrou, e ainda se mostra, permanente.
Em uma entrevista, para a mesma Carta Capital, a economista Maria da
Conceição Tavares chega a afirmar que "os EUA não puxam ninguém, a não
ser o comércio asiático", mas, durante o boom da economia americana
(1995-2001), se tinha a firme certeza de que a economia brasileira
atingiria um crescimento de 4% ao ano, o que nos levaria a investir cada
vez mais em infra-estrutura, no caso hidrelétricas, termelétricas e
gasodutos, para suprir as demandas de consumo interno e as demandas para
exportar cada vez mais, quer seja eletro-intensivos, quer seja soja.
Muitos achavam e ainda acham que a expansão desses setores infinitamente
é sinal de pujança, que suas conseqüências mais imediatas são o impulso
da economia, como se houvesse uma relação de causa e efeito nas
relações estruturais da economia, e que há espaços e recursos para mais
investimentos e para serem criadas áreas de reserva e de proteção
ambientais e indígenas, que seriam e são pensadas como formas seguras,
nem tanto, às vezes, para que sejam preservadas a biodiversidade e as
riquezas minerais que lá se encontram. No entanto, a lógica dos setores
exportadores, citados anteriormente, não é dar impulsão à economia de
maneira geral e sim gerar divisas para cobrir déficits no balanço de
pagamentos, pois são setores que não agregam valor e nem geram muitos
empregos.
Para Eliézer Batista, figura-chave e referência do pensamento nacional
desenvolvimentista nas últimas décadas, o Avança Brasil foi a melhor
inovação na área de gestão de recursos públicos, mas que se perdeu por
tentar conciliar na sua prática a lógica econômica, da onde se originou o
projeto, com várias outras lógicas, tipo fatores sociais, econômicos e
tecnológicos. Em outra vertente, essas interligações, que, na ótica de
Eliézer, eram um sinal de distanciamento das intenções originais do
Avança, motivaram severas críticas das ONG’s, movimentos sociais,
entidades representativas de classe, nações indígenas e pesquisadores
por levarem em consideração tudo, menos, os impactos diretos e indiretos
que tais projetos ocasionam antes, durante e depois de sua
implantação.
A crítica das ONG’s ao Avança era em relação ao modelo e as várias
formas que ele se apresentava dentro da e perante a realidade e à
sociedade brasileiras. Uma dessas formas em que o Avança se apresentava,
e que ainda continua permeando o processo de implantação dos grandes
projetos no Brasil, era a da não-discussão com a sociedade civil
organizada e a sonegação de informações, como se não fosse de direito o
acesso às informações que o projeto tem, só pelo simples fato de que ele
é privado ou é público. O ano de 2002 é um dos pontos altos na
construção de um modelo teórico-crítico e de articulações que se
contraponham a essas práticas, sendo um dos marcos iniciais o encontro
da Rede Cerrado, em Goiânia, quando se reuniram organizações
não-governamentais "...para discutir estratégias da sociedade civil para
as bacias dos rios Araguaia e Tocantins".
Em documento da Rede Cerrado, articulação de ONG’s, sindicatos e
associações que trabalham pelo bioma Cerrado, justificou-se o motivo
dessa reunião pela "...constatação de que os processos de degradação
social e ambiental causados pelo atual modelo de desenvolvimento podem
ser agravados...". O agravamento levaria a mais perda de solo que está
em torno de 4,5 bilhões de dólares, mais perdas das famílias, como as
que moram em Balsas, das suas terras para a expansão da soja e o aumento
de bancos de areia no canal fluvial do rio Araguaia.
A dona Raimunda Martins, artesã da cidade de Araguacema, situada à beira
do rio Araguaia, inicia o seu testemunho, também para o encontro da
Rede Cerrado, com uma pequena frase sobre como ela e os outros
compreendiam e sentiam esse rio: "O Araguaia era fonte de vida...".
Quer dizer, não é mais o local onde as pessoas podem coletar os seus
alimentos, pois no máximo você pode encontrar uma ou outra espécie de
peixe.
Podemos dizer que as discussões estabelecidas durante o encontro da Rede
Cerrado, uma pena que, no encontro de 2003, a rede não pôde manter a
seqüência de discussões sobre grandes projetos, e, logo após, durante os
outros encontros que vieram a acontecer, como a dos Rios Vivos, também
em Goiânia, desembocaram no encontro da bacia Araguaia-Tocantins, na
cidade de Imperatriz, no começo de dezembro de 2002. Dando uma olhada
nas deliberações de cada encontro, podemos observar que eles estavam
muito próximos uns dos outros. Só citando algumas estratégias
construídas durante o encontro da Rede Cerrado: Promover a participação
de atores na construção de modelos alternativos; cuidar para que
instrumentos legais de participação não sejam utilizados para validar
empreendimentos de impacto ambiental; priorizar a informação como
instrumento para preparar as pessoas; conter a exportação de produtos
eletro-intensivos e desenvolver campanhas na área de energia
alternativa. Esses são elementos que as ONG’s priorizaram como forma de
iniciar uma discussão que venha estabelecer novos pressupostos para um
possível modelo de desenvolvimento para o Brasil.
A apresentação desses elementos também seria uma forma de influir no
planejamento que o antigo governo tinha e no planejamento que o atual
governo teria, dentro da idéia de que os erros do passado não deveriam
ser repetidos no futuro. Sim, passado o Avança, o presente agora é o PPA
(Plano Plurianual), que foi apresentado, defendido e que se pretende
ser um modelo mais "avançado" frente ao anterior, pois a sociedade
civil, o setor produtivo e o setor governamental foram convocados a se
sentar na mesma mesa para defender suas propostas. Em tese e na prática,
o que se viu foi exatamente essa mesa redonda entre os diversos
setores, contudo, analisando a sua filosofia, veremos que o PPA é apenas
uma cópia mal-feita ou um arremedo do que era o Avança. O próprio
Eliézer Batista afirma que o modelo de antes foi estendido para o atual,
mas, ao nosso ver, sem a mesma conjuntura econômica que permitia ao
governo FHC vender uma imagem de Brasil desbravador e em crescimento.
O setor de energia é exemplar nessa sensação de algo que já foi visto e
que voltou sem muita razão aparente. Citando dois casos específicos e
mais próximos: as hidrelétricas de Estreito e Peixe Angical, no rio
Tocantins. Lendo o roteiro do Ministério do Planejamento, vemos que as
duas UHE’s estão inseridas nos projetos parceria público-privado e que
pleiteiam empréstimos ao BNDES para darem início ou prosseguimento às
obras. O problema é que nenhuma das duas tem licenças ambientais
asseguradas e os pedidos de empréstimos vão ter que esperar na fila,
pois a expansão de Tucuruí tem prioridade. Com relação a UHE de Peixe
Angical, a EDP, empresa portuguesa de geração de energia, que é uma das
controladoras, junto com o grupo Rede, vem tentando uma parceria com a
empresa Furnas.
Então, que planejamento é esse que não leva em consideração os problemas
ambientais, os limites orçamentários do estado e os próprios interesses
imediatos de setores importantes do governo brasileiro?
24 de setembro de 2003
Mayron régis
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