AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0054247-72.2014.4.01.0000/MA (d)
Processo Orig.: 0024390-36.2014.4.01.3700
R E L ATO R : DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE
AGRAVANTE : PORTO DA CASCA MINERACAO LTDA
ADVOGADO : ANTONIO FERNANDES CAVALCANTE JUNIOR
ADVOGADO : TESSIA VIRGINIA MARTINS REIS
AGRAVADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
DECISÃO
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão
proferida pelo juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Maranhão, nos autos
da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra MAGROPEL - MAERIAL
DE CONSTRUÇÃO E AGROPECUÁRIA LTDA (atualmente, PORTO DA CASCA MINERAÇÃO
LTDA.) e o Estado do Maranhão, em que se busca a concessão de provimento judicial, no
sentido de que seja declarada a responsabilidade civil decorrente pelo dano ambiental causado
pelo exercício irregular de atividade de extração de substância mineral.
O juízo monocrático deferiu o pedido de antecipação da tutela formulado nos aludidos autos,
nestes termos:
"Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada entre partes MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (autor)
e MAGROPEL - MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E AGROPECUÁRIA LTDA. e ESTADO DO
MARANHÃO (réus), qualificadas (fl. 03), que objetiva o reconhecimento de responsabilidade
civil decorrente de dano ambiental provocado pelo exercício de atividade de extração de
substância mineral de forma irregular.
Em síntese, sustenta a prática - pela primeira ré - de extração irregular de substância mineral,
sobretudo devido ao descumprimento de condicionantes ambientais e à falta de observância do
plano de lavra aprovado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM; a atividade
está sendo exercida no leito e nas margens do Rio Munim, no Município de Presidente
Juscelino, neste Estado, e tem resultado em diversos danos ao meio ambiente.
Pede o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicionai para determinar: 01. a
suspensão imediata de qualquer atividade de lavra ou mesmo a retirada de produtos minerais
e a circulação de veículos de transporte de areia, como caçambas pás carregadeiras, diretamente
ou por terceiros, com quem mantenha relação contratual de qualquer espécie, sob
pena de multa ou de apreensão de todos os equipamentos utilizados para o desempenho da
atividade, inclusive veículos, se a multa não for suficiente para a paralisação da exploração do
minério; 02. a suspensão das licenças ambientais concedidas pelo Estado do Maranhão em
benefício do empreendimento, ou de sua renovação.
Inicial instruída com documentos (fls. 20/88).
Resposta preliminar apresentada fora do prazo (fls. 93, 94/153 e 154).
É o relatório.
Primeiramente, cumpre esclarecer que, embora tenha sido extemporânea a apresentação da
resposta preliminar do Estado do Maranhão, os documentos juntados esclarecem aspectos
referentes à omissão atribuída à autoridade administrativa ambiental pela parte autora; podem,
portanto, ser levados em consideração no exame do pedido de antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional.
Passo à apreciação do pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
O primeiro de seus requisitos - prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações,
consistente, em linhas gerais, na aproximação entre os juízos de probabilidade (cognição
sumária) e de certeza (cognição exauriente) - está parcialmente presente, ao menos a princípio,
na medida em que parte da prova documental que instrui a inicial indica que a co-ré
MAGROPEL - MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E AGROPECUÁRIA Ltda. mantém atividade de
extração de minério em desconformidade com o título autorizativo expedido pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral -DNPM.
Nesse sentido, observo que o Relatório de Fiscalização n. 09/2014-SUP/MA aponta irregularidades
na exploração do minério, com a realização de lavra em local diferente do estabelecido
na licença de operação e fora da poligonal do título autorizativo; ficou constatado,
ainda, que a exploração ocorre com método de lavra e produções diferentes do aprovado pelo
DNMP (fls.67/72).
Diante disso, a autoridade administrativa (DNPM) lavrou o Auto de Paralisação n. 0051/2014 e
o Termo de Interdição n. 01/2014 em desfavor da primeira demandada (sociedade empresária),
além de ter expedido a Notificação n. 0008 a fim de que ela observe o plano de lavra aprovado
(fls. 75/77).
As irregularidades apontadas pelo DNPM, longe de se restringirem ao dano financeiro à União
(CF, art. 20 inc. IX), demonstram a existência de impacto ambiental negativo resultante do
empreendimento, pois, conquanto a petição inicial esteja acompanhada de cópia das licenças
ambientais e do registro de licença, há indicação de que a atividade de exploração de minério
é exercida em desconformidade com o que foi autorizado.
Reforça essa conclusão o relatório técnico elaborado pelo Ministério Público Federal, que
indica a existência de riscos à integridade ambiental decorrentes da extração de minério em
área de preservação permanente - margens do Rio Munim. De acordo com o analista pericial,
com base nos dados de localização geográfica apresentados pelas autoridades administrativas
(SEMA e DNMP), é possível concluir que alguns pontos referentes à lavra mineral estão em
Área de Preservação Permanente - APP, a exemplo da frente de lavra identificada na figura
como PT 40 (fI, 81), que está fora do polígono autorizado pelo DNMP; a exploração é prejudicial
ao ecossistema, por remover a cobertura vegetal, que funciona como barreira natural
contra erosão do solo e posterior assoreamento do rio (fls. 80/82).
Noutro giro, apesar de a entidade responsável pelo licenciamento ambiental ter se manifestado
tardiamente, ela apresentou o Relatório de Vistoria/Fiscalização (fls. 116/120) - em atendimento
à Recomendação n. 05/2014 elaborada pelo Ministério Público (Federal e o Estadual) -, no qual
ficou constatado que a primeira ré não estava respeitando o limite da área de preservação
permanente, tampouco a condicionante n. 11 da Licença de Operação n. 448; em conseqüência,
foram lavrados o Auto de Infração n. 301/A (fI. 114) e o Termo de Embargo n. 1219
(fI. 113).
Posteriormente, foi celebrado entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos
Naturais e a pessoa jurídica MAGROPEL o Termo de Compromisso Ambiental n. 01/2014, com
o objetivo de desembargar a atividade de mineração (fls. 146/152).
Em 14.05.2014, foi expedido o Termo de Desembargo n. 01/2014 (fI. 153)
Nesse contexto, para além de o Estado do Maranhão (SEMA) ter apresentado elementos a
indicar o exercício do seu dever poder de polícia - ainda que provocado pelo Ministério Público
-, a continuidade da fiscalização do empreendimento é medida que se impõe, de modo que
compete ao ente estatal o seu efetivo monitoramento, sob pena de eventual reexame do pedido
de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e suspensão dos efeitos das licenças ambientais,
Sobreleva enfatizar, contudo, que a não suspensão dos efeitos das licenças expedidas pela
autoridade ambiental (SEMA) não permite a continuidade da exploração da área pela co-ré
MAGROPEL, na medida em que a atividade foi realizada em descompasso com o título
autorizativo - expedido pelo DNMP - o que acarretou, inclusive, a lavratura do Auto de Paralisação
n. 0051/2014 (fl. 75).
Já a urgência se justifica pelo fato de que a continuidade da atividade de exploração representa
grave e fundado risco de danos de difícil ou impossível reparação ao aspecto natural do meio
ambiente diante da extração irregular e clandestina de minério.
Com tais considerações, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional para DETERMINAR a suspensão de quaisquer atividades de lavra ou mesmo
retirada de produtos minerais por MAGROPEL MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E AGROPECUÁRIA
LTDA, bem como de circulação de veículos de transporte de areia - por si ou por
terceiros sob sua direção ou orientação.
FICA, portanto, proibida qualquer forma de atividade de lavra, retirada ou beneficiamento de
minério.
FIXO multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento.
A multa fixada não impede a adoção das medidas indispensáveis a garantir o cumprimento
desta decisão (busca e apreensão, prisão remoção e apreensão de pessoas e coisas, impedimento
de atividades nocivas, indisponibilidade de bens e valores), se necessário, com
requisição de força policial.
Poderão o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA
e o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM se manifestar sobre eventual interesse
em integrar a relação processual (Lei 7.347/85, art. 5º, p. 2º).
Encaminhe-se cópia dos autos ao Departamento de Polícia Federal - DPF para apuração de
eventual responsabilidade criminal à vista da possibilidade de ter havido autorização de lavra
em área sob regime de especial proteção ambiental e em desacordo com o plano de lavra
concebido, conforme se observa de parte do Relatório de Fiscalização n. 09/2014-SUP/MA - ("a
concepção do Plano de Lavra foi toda baseada para executar uma lavra no leto (sic) do Rio
Munim, porém a poligonal do título autorizativo está na margem do referido rio, além disso
parte da área está em APP" - fl. 68)".
Em suas razões recursais, sustenta a recorrente, em resumo, a regularidade da extração
mineral em referência, na medida em que seria detentora de regular autorização e licenciamento
ambiental pelos órgãos competentes; a exploração mineral em referência estaria
dentro da poligonal autorizada pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, em área
própria para mineração, conforme licenciamento ambiental e Plano de Recuperação de Área
Degradada - PRAD por ela apresentado, em cumprimento ao que restou acordado em Termo
de Compromisso Ambiental - TCA. Acrescenta, ainda, que, na espécie, por se tratar de
atividade de utilidade pública e de interesse social, nos termos da legislação de regência, não
poderia ser paralisada, eis que é essencial ao desenvolvimento da região e estaria de acordo
com o princípio da função social da propriedade mineral e do livre acesso aos recursos
minerais.
***
Não obstante os fundamentos deduzidos pela recorrente, não vejo presentes, na espécie, os
pressupostos do art. 558 do CPC, a autorizar a concessão da almejada antecipação da tutela
recursal, na medida em que não conseguem infirmar as lúcidas razões em que se amparou a
decisão agravada, as quais se afinam com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art.
225, § 1º, V e respectivo § 3º, da Constituição Federal, na linha auto-aplicável de imposição ao
poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, para as presentes e gerações futuras (CF, art. 225, caput), tudo em harmonia com o
princípio da precaução.
Há de ver-se, porém, que, em homenagem à tutela ambiental acima referida, ações agressoras
do meio ambiente, como a noticiada nos autos de origem, devem ser rechaçadas e inibidas,
com vistas na preservação ambiental, em referência. Na espécie dos autos, contudo, a ação
agressora, que já se operou, e o conseqüente dano ambiental, que já se materializou, não
afastam as medidas de cautelas necessárias, a fim de evitar-se o agravamento desse dano
ambiental, sem descurar-se das medidas de total remoção do ilícito ambiental, na espécie, bem
assim, da tutela de precaução, para inibir outras práticas agressoras do meio ambiente, mormente
em se tratado de área de proteção permanente, como no caso.
Há que se ressaltar, ainda, que a área descrita nos autos encontra-se situada nos limites da
Amazônia Legal, patrimônio nacional, nos termos do art. 225, § 4º, da Constituição Federal,
inserida, assim, em área de especial proteção ambiental, competindo ao Poder Legislativo,
dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, estabelecer
normas, limitando ou proibindo o exercício de atividades que ameacem extinguir, em
área legalmente protegida, as espécies raras da biota regional, sujeitando-se o infrator ao
embargo das iniciativas irregulares, tais como a medida cautelar de apreensão do material e
das máquinas usadas nessas atividades, com a obrigação de reposição e reconstituição, tanto
quanto possível, da situação anterior e a imposição de multas (Lei nº 6.902/81, art. 9, d, e
respectivo § 2º), sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal, eis que tal fato
constitui, em tese, os ilícitos ambientais previstos nos arts. 48 e 50-A da Lei nº 9.605/98, que
assim dispõe:
Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em
terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Não cabe invocar-se, aqui, categorias jurídicas de direito privado, para impor a tutela egoística
da propriedade privada, a descurar-se de sua determinante função social e da supremacia do
interesse público, na espécie, em total agressão ao meio ambiente, que há de ser preservado,
a qualquer custo, de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações,
em dimensão difusa, na força determinante dos princípios da prevenção e da participação
democrática (CF, art. 225, caput).
Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida
por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente
econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a
disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele
que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e
abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente
artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento
sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte
legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa
fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia,
subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito
entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não
comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais:
o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da
generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações"
(ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006)".
Com estas considerações, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal formulado na inicial.
Intime-se o agravado, nos termos e para as finalidades do art. 527, V, do CPC, abrindo-se
vistas, após, à douta Procuradoria Regional da República, na forma regimental.
Publique-se.
Brasília, 25 de setembro de 2014.
Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE
Relator
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