segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Um futuro para o cerrado, artigo de Michael Becker




Cerrado

[Correio Braziliense] Principal fronteira por onde avança a agropecuária desde os anos 1960, o cerrado tem poucas chances de seguir existindo nas próximas décadas sem ações emergenciais que ampliem sua área protegida e que levem à adoção, em larga escala, de práticas produtivas menos danosas ao meio ambiente.
Consolidar as áreas já protegidas é fundamental, inclusive porque menos de 3% do cerrado estão hoje efetivamente resguardados pelo poder público. A última unidade de conservação federal criada na região foi a Reserva Extrativista da Chapada Limpa (MA), em 2007. Novas metas internacionais chanceladas pelo Brasil recomendam a conservação de pelo menos 17% de cada bioma, até 2020.
Enquanto isso, projeções mostram que a área plantada com soja pode saltar de 21 para 30 milhões de hectares na próxima década, sempre com foco nas “terras baratas” do cerrado. E o alvo pode ser justamente os maiores remanescentes da savana brasileira, no Maranhão, no Piauí e em Tocantins. Além disso, a demanda interna e global por carnes cresce com as necessárias melhorias socioeconômicas.
Como soja e pecuária são os principais motores da destruição do cerrado, respeitar a legislação e melhorar a eficiência da produção são atitudes indispensáveis. A integração de lavouras, pecuária e florestas plantadas, por exemplo, ajudaria a evitar a abertura de novas áreas e seria um sinal de que o país realmente quer fornecer itens produzidos com mais sustentabilidade aos mercados globalizados de commodities.
Afinal, se antecipar a possíveis barreiras comerciais é sempre estratégico. Inclusive porque mais de 40% dos grãos, metade do farelo e um terço do óleo de soja produzidos no Brasil são exportados. Sete em cada 10 países já compraram esses itens na última década.
Estimativas oficiais indicam que até 140 milhões de hectares estão degradados no país, principalmente no cerrado e na transição deste para a Amazônia. A área é duas vezes maior que a da França. Na maioria dos casos, são terras que foram desmatadas para lavouras e acabaram abandonadas pela baixa produtividade. Em seguida, viraram pastos para rebanhos até o solo se tornar imprestável economicamente pela falta de manejo adequado.
Tornar essa imensidão de terras novamente produtivas ajudaria no combate ao aquecimento do planeta, aliviaria a pressão para o desmatamento de florestas nativas e serviria à produção de commodities e alimentos.
Outra preocupação recai sobre as mudanças na legislação florestal brasileira. A destruição do cerrado já pesa tanto quanto a da Amazônia nas emissões nacionais de gases de efeito estufa. E o bioma pode ser um dos mais prejudicados com as mudanças que setores atrasados do ruralismo tentam impor ao Código Florestal, como admitiu o Ministério do Meio Ambiente.
Se a margem para desmatamento for ampliada, a caixa d”água do país ficará seriamente comprometida. No cerrado nascem águas que abastecem aquíferos subterrâneos e as bacias hidrográficas Amazônica, do Tocantins, do Atlântico Norte/Nordeste, do São Francisco, do Atlântico Leste e do Paraná/Paraguai. Dessa última depende a sobrevivência do Pantanal, a maior planície inundável do planeta.
Além de insumo econômico, a água que escorre por rios, córregos e veredas de beleza incomum alimenta culturas regionais muitas vezes fundadas no extrativismo sustentável, uma atividade que perpetua e valoriza a vegetação e outros recursos nativos pelas mãos de valorosos e inúmeros povos tradicionais do cerrado.
Os índices atuais de degradação e planos desenvolvimentistas carentes de sustentabilidade ambiental projetam um futuro nada animador para um bioma que já perdeu metade da vegetação nativa, ainda não é reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição e que sofre desnecessariamente com incêndios e queimadas cada vez mais intensos.
Mas com majestosa resistência, o cerrado ainda segue encantando quem se atreve a conhecer esse abrigo de vida e de paisagens únicas no mundo. Manter esse patrimônio inigualável é o desafio que se impõe ao Brasil.
Michael Becker é Superintendente de Conservação do WWF-Brasil.
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.
EcoDebate, 24/09/2012

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