No dia 11 de setembro de 2012 um
compromisso rotineiro me leva, mais uma vez, ao gerais de Formosa do Rio Preto.
Saio cedo da cidade, acompanhado por dois homens criados e conviventes no
cerrado. No carro, lamentam a carência da água na sua comunidade. “Faz pouco,
nosso riacho levou muita água ao Rio Preto até no pique da seca. Hoje, suas
águas não chegam nem na metade do caminho”. Passamos pela estrada que liga a BR
135 com a região da Coaceral. “Olhe este desmatamento aqui”, apontam os homens
para o lado esquerdo. “Vai acabar com o restinho de água que o nosso riacho
tem”. Combinamos uma olhada de perto. Beirando a área desmatada, seguimos quilômetros
rumo à cabeceira da “Batalha”. Toda área é queimada; vimos um grupo de catadores,
encarregado com a coleta braçal do material lenhoso restante. “Devem ser do
Piauí. Ganham oito reais por hectare. Dá uma média de vinte reais por dia, as
despesas aos custos deles.” Verificamos que a área desmatada estende-se da
cabeceira do riacho do “Arroz” (outras vezes chamada cabeceira da “Batalha”)
para o oeste. Entre a escarpa do chapadão – no lado sul – e a estrada acima
citado – no lado norte – nada ficou em pé.
São quilômetros por quilômetros
desmatados. “Falam de um projeto de dois mil hectares. Mas pelo visto, são ao
menos vinte mil”, estima um dos acompanhantes. Voltamos à estrada e seguimos
até o “Portal do Jalapão”. Ali, viramos para o lado do rio “Sapão”. Chegando na
– bem precária – descida para o vale, reparamos a mata queimada no lado
esquerdo. “Foi o fogo daquela queimada do desmatamento que vimos”, comentam os
dois amigos que conhecem cada palma da região. As chamas tinham saltado,
avançando pelas matas que beiram a borda do chapadão, queimando as cabeceiras
dos rios “São José” e “Livramento” até chegar ao Rio Sapão. O fogo deixou um
rasto cinzento de uns oitenta quilômetros. A quantidade de viventes mortos é
incalculável.
Uma triste constatação, todavia
um pouco arbitrária: Entre tantos desmatamentos recentes no cerrado do oeste
baiano, às vezes de maior extensão ainda, por que citar justamente este? O
motivo é simples e desolador: Colhi as observações citadas no dia 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado.
O desmatamento (chamada
“supressão de cobertura vegetal”) está fora do controle no Oeste Baiano. Em
2009, o Ministério de Meio Ambiente publicou o “Relatório Técnico de
Monitoramento do Desmatamento no Bioma Cerrado de 2002 a 2008”. Formosa do Rio Preto,
São Desidério e Correntina lideram a escala dos municípios com as maiores taxas
de desmatamento no cerrado brasileiro. O (leve) abalo durou pouco. Logo o agro-empresariado
sobrepôs-se mais uma vez e conseguiu pautar o estrangulamento administrativo no
âmbito das licenças ambientais como principal mal na agenda ambiental no oeste
baiano.
Nesta lógica, o controle de
desmatamento, a perda da biodiversidade, o rebaixamento e a poluição das águas,
o esgotamento dos solos etc. vêm em segundo plano. É chocante como os governos
acabam adotando tal ótica. Sabem dos eminentes problemas ambientais, mas
satisfazem-se com o apaziguamento com o setor agroempresarial. .
Como ilustração disto, cito o
seguinte descaso. A fim de burlar a aquisição de licenças ambientais, cada vez
mais produtores – assistidos por consultores expertos – assinam a chamada “Dispensa de Autorização para Supressão
Vegetal - DASV” que, uma vez protocolado no INEMA (órgão ambiental do
Estado), coloca o produtor em adimplência com a regulamentação ambiental. O
próprio requerente da DASV declara que a área a ser desmatada já tinha sido cultivada
anteriormente, a atividade fora abandonada e não se encontrava quantidade de
lenha superior a quinze metros cúbicos por hectare na área a ser desmatada. – Na sua recente fiscalização no cerrado
regional, o IBAMA constatou que tais DASV estão sendo aplicadas em áreas
absolutamente naturais, intactas, onde nunca ninguém tinha cultivado nada.
Pior: Sem medo de serem fiscalizados (com razão pois há tempo não há notícias
de uma fiscalização ambiental do Estado no cerrado), os desmatadores aplicam as
DASVs até em áreas com grandes quantidades de madeira. Pelo levantamento do IBAMA, somente neste ano
de 2012 já foram desmatados 48.000 hectares de cerrado natural, na base da
tal de DASV. No município de Formosa do Rio Preto, a moda pegou mais firme
ainda: Nada menos do que 90% dos desmatamentos fiscalizados está sendo baseados
em DASVs. Muito provável que o desmatamento acima citado se enquadre neste
esquema (talvez o presente grito sirva para uma verificação da legalidade deste
desmatamento).
Depois de levar suas verificações
ao conhecimento do Estado da Bahia, o IBAMA esperava que todas as DASVs fossem
anuladas até que for providenciado mais controle sobre o uso deste instrumento.
Qual é! Parece que o Estado se dê
satisfeito com o ganho de agilidade burocrático que as DASVs proporcionam aos processos
de licenciamento. Pelo visto, dá pra desconfiar que a subserviência aos
interesses econômicos fale mais alto do que a preocupação com a conservação do
bioma, mais uma vez. Pelas previsões do IBAMA, os próximos índices de
desmatamento nos municípios do oeste baiano serão ainda mais chocantes do que
os até então verificados.
Finalizo meu grito com mais uma
fotografia tirada no dia 11 de setembro de 2012, Dia Nacional do Cerrado, no
gerais de Formosa do Rio Preto:
Considero o retrato como
expressão do cinismo frente à questão ambiental no cerrado, correspondendo à
seguinte mensagem: Eliminamos tudo o que
tinha antes. Mas alertamos a todos que não mexam com o nada que ficou.
Martin Mayr
Agência 10envolvimento – Barreiras – BA
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