segunda-feira, 6 de agosto de 2012

ADI em tramitação no STF não impede desapropriações em favor de quilombolas


No mês de junho, foi aberto um importante precedente para as ações de desapropriação em favor de comunidades quilombolas propostas pela Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra (PFE/Incra). O desembargador federal José Marcos Lunardelli, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, afastou temporariamente decisão da Justiça Federal de Campinas (SP) que suspendia processo de desapropriação ajuizado pelo Incra em favor de uma comunidade descendente de quilombolas da região.

Na primeira instância, a Vara Federal de Campinas pediu a suspensão do processo, alegando a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 no Supremo Tribunal Federal (STF). Esta ADI foi impetrada pelo partido Democratas (DEM) no ano de 2004, contra o decreto presidencial 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e disciplina os procedimentos para reconhecimento, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes de quilombos.

O artigo 68 do ADCT diz: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

A partir disso, o Incra entende que o decreto permite à autarquia propor ações de desapropriação em favor dos descendentes de quilombolas. Por outro lado, o DEM afirma que essa interpretação é deturpada, pois o ADCT dá aos quilombolas a propriedade sobre as terras que ocupavam em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada, e não fala de desapropriações.

O julgamento da ADI no STF começou em abril, mas teve sua decisão adiada por tempo indeterminado após o pedido de vista da ministra Rosa Weber. Na ocasião, o único voto foi o de Cezar Peluso (então presidente do STF), que se posicionou a favor da inconstitucionalidade do decreto, porém contra seu efeito retroativo – medida que traria prejuízos tanto aos beneficiados pelas desapropriações quanto aos que já receberam as indenizações.

O voto do ministro Cezar Peluso na ADI deu razão ao Democratas ao afirmar que o artigo do ADCT deve ser regulamentado por lei formal, e não por decreto. O Executivo, disse o ministro, não pode usar de um decreto para impor obrigações a terceiros, por mais louvável que seja a intenção de proteger as comunidades descendentes de quilombolas. Na compreensão do ministro, as desapropriações levam em conta argumentos levantados por historiadores e antropólogos, e portanto carregam conceitos “metajurídicos”.

No caso da Justiça Federal de São Paulo, a Vara Federal de Campinas decidiu que, como o único voto no julgamento da ADI foi pela inconstitucionalidade do decreto, a ação de desapropriação não poderia continuar. O Incra deveria, portanto, esperar a decisão definitiva do STF.

Ao reformar a decisão, o desembargador federal José Lunardelli afirmou que não se pode presumir a inconstitucionalidade de uma lei, ou decreto, só pela existência de uma ADI no Supremo. “Inexistente um posicionamento expresso da Corte no sentido de que o referido decreto é inconstitucional, não há de assim ser considerado, pois no ordenamento jurídico brasileiro, as normas jurídicas gozam de ‘presunção de constitucionalidade’”.

E continuou: “A tese da inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003 deve ser rechaçada, sob o fundamento de que o artigo 68 do ADCT deve ser tomado como norma de eficácia plena, a traduzir um direito dos quilombolas e um dever do Poder Público. É dizer: o artigo da Constituição a que se remete o referido decreto não exige lei que o regulamente”.

De acordo com o procurador chefe da PFE/Incra, Junior Fideles a decisão de Lunardelli abre um precedente “muito importante” para a AGU e para o Incra. Enquanto não houver decisão definitiva do Supremo, “existe a presunção de constitucionalidade do decreto”, diz Fideles. “Nós da AGU temos orientado o Incra a continuar com essas ações, justamente por conta dessa presunção. E é aí que está a importância desse precedente do TRF-3.”

Agravo de Instrumento Nº 0017014-55.2012.4.03.0000/SP
*Com informações da Revista Consultor Jurídico

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