No
mês de junho, foi aberto um importante precedente para as ações de
desapropriação em favor de comunidades quilombolas propostas pela
Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra (PFE/Incra). O
desembargador federal José Marcos Lunardelli, do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, afastou temporariamente decisão da Justiça Federal
de Campinas (SP) que suspendia processo de desapropriação ajuizado pelo
Incra em favor de uma comunidade descendente de quilombolas da região.
Na
primeira instância, a Vara Federal de Campinas pediu a suspensão do
processo, alegando a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.239 no Supremo Tribunal Federal (STF). Esta ADI foi impetrada pelo partido Democratas (DEM) no ano de 2004, contra o decreto presidencial 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e disciplina os procedimentos para reconhecimento, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes de quilombos.
O
artigo 68 do ADCT diz: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
A
partir disso, o Incra entende que o decreto permite à autarquia propor
ações de desapropriação em favor dos descendentes de quilombolas. Por
outro lado, o DEM afirma que essa interpretação é deturpada, pois o ADCT
dá aos quilombolas a propriedade sobre as terras que ocupavam em 1988,
quando a Constituição Federal foi promulgada, e não fala de
desapropriações.
O
julgamento da ADI no STF começou em abril, mas teve sua decisão adiada
por tempo indeterminado após o pedido de vista da ministra Rosa Weber.
Na ocasião, o único voto foi o de Cezar Peluso (então presidente do
STF), que se posicionou a favor da inconstitucionalidade do decreto,
porém contra seu efeito retroativo – medida que traria prejuízos tanto
aos beneficiados pelas desapropriações quanto aos que já receberam as
indenizações.
O
voto do ministro Cezar Peluso na ADI deu razão ao Democratas ao afirmar
que o artigo do ADCT deve ser regulamentado por lei formal, e não por
decreto. O Executivo, disse o ministro, não pode usar de um decreto para
impor obrigações a terceiros, por mais louvável que seja a intenção de
proteger as comunidades descendentes de quilombolas. Na
compreensão do ministro, as desapropriações levam em conta argumentos
levantados por historiadores e antropólogos, e portanto carregam
conceitos “metajurídicos”.
No
caso da Justiça Federal de São Paulo, a Vara Federal de Campinas
decidiu que, como o único voto no julgamento da ADI foi pela
inconstitucionalidade do decreto, a ação de desapropriação não poderia
continuar. O Incra deveria, portanto, esperar a decisão definitiva do
STF.
Ao
reformar a decisão, o desembargador federal José Lunardelli afirmou que
não se pode presumir a inconstitucionalidade de uma lei, ou decreto, só
pela existência de uma ADI no Supremo. “Inexistente um posicionamento
expresso da Corte no sentido de que o referido decreto é
inconstitucional, não há de assim ser considerado, pois no ordenamento
jurídico brasileiro, as normas jurídicas gozam de ‘presunção de
constitucionalidade’”.
E
continuou: “A tese da inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003 deve
ser rechaçada, sob o fundamento de que o artigo 68 do ADCT deve ser
tomado como norma de eficácia plena, a traduzir um direito dos
quilombolas e um dever do Poder Público. É dizer: o artigo da
Constituição a que se remete o referido decreto não exige lei que o
regulamente”.
De acordo com o procurador chefe da PFE/Incra, Junior Fideles a decisão de Lunardelli abre um precedente “muito importante” para a AGU e para o Incra. Enquanto
não houver decisão definitiva do Supremo, “existe a presunção de
constitucionalidade do decreto”, diz Fideles. “Nós da AGU temos
orientado o Incra a continuar com essas ações, justamente por conta
dessa presunção. E é aí que está a importância desse precedente do
TRF-3.”
Agravo de Instrumento Nº 0017014-55.2012.4.03.0000/SP
*Com informações da Revista Consultor Jurídico
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