por Alessio Saccardo, Ima Célia Guimarães Vieira e João Meirelles Filho*
A proposta de plantio de 300 mil hectares de arroz no Marajó exige amplo
debate público sobre o tema, em vista do grande impacto que esta
intervenção enseja. A chegada dos arrozeiros nos campos do Marajó se
constitui, provavelmente, na maior tragédia socioambiental desde a
expulsão da Igreja Católica da ilha no século XVIII. Quem ama o Marajó
está muito preocupado com seu futuro.
Vale lembrar que estes
arrozeiros foram expulsos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima, por decisão do Superior Tribunal Federal – STF, por plantarem
ilegalmente em terras indígenas (terras públicas federais).
É
urgente a realização de audiências publicas nos municípios impactados, a se iniciar
por Cachoeira do Arari e Salvaterra, bem como audiência
pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Entre as principais temáticas a
tratar estão:
Questões sociais e culturais
o Saúde humana – o uso de agrotóxicos em larga escala, especialmente
aqueles lançados por aviões que passam sobre o núcleo urbano de
Cachoeira do Arari, constitui-se em forte ameaça, especialmente aos mais frágeis –
crianças e idosos;
o Agravamento de risco de doenças – a presença de grandes áreas inundadas, inclusive
em períodos de seca, no
entorno do núcleo urbano de Cachoeira do Arari, poderá resultar em
aumento substancial de insetos transmissores de doenças tropicais
(dengue e malária, principalmente), o que precisa ser monitorado;
o Exclusão da participação local – A comunidade local está totalmente
excluída. Os moradores da sede de Cachoeira do Arari e entorno das
fazendas de arrozeiros são afetados diretamente pelos empreendimentos e
ninguém os ouviu!
o Acesso viário – uma comunidade como a de
Cuieira ficou rodeada, até sem a passagem para ir ao núcleo urbano. A se aumentar a
área de plantio este fato se sucederá para outras
comunidades;
o Comunidades Quilombolas – qualquer empreendimento
de grande porte precisa ouvir as comunidades quilombolas do entorno,
como a de Gurupá, em Cachoeira do Arari;
o Patrimônio imaterial –
reiteradas denúncias alertam para mudanças substantivas nas tradições
locais, como o impedimento de tradições que passavam pelas fazendas hoje em posse de
arrozeiros, especialmente da festividade do Glorioso São
Sebastião. Empreendimentos de grande porte exigem inventário do
patrimônio imaterial;
o Patrimônio arqueológico – por lei,
qualquer intervenção de grande porte precisa ser precedida de estudo
sobre a existência de patrimônio arqueológico. Ora, sabe-se muito bem,
que esta região do Marajó é considerada como uma das que possui maior
patrimônio de artefatos de cerâmica do Brasil.
Questões ambientais
o Espécies ameaçadas – inexistem estudos sobre o impacto do
empreendimento sobre espécies de plantas e animais consideradas
ameaçadas pela legislação estadual e federal. Preocupa, por exemplo, a
existência de uma espécie endêmica de arroz silvestre, que poderá ser
ameaçada pela expansão do plantio de arroz industrial;
o
Inexistência de EIA-RIMA – intervenção de tamanha magnitude deveria
contemplar Estudo de Impacto Ambiental & Relatório de Impacto
Ambiental, inclusive com audiências públicas e exaustivos estudos
socioambientais. Nada disto foi feito!
o Licenças ambientais
insuficientes – a licença ambiental concedida pela Secretaria de Meio
Ambiente de Estado em setembro de 2010, tratou apenas de um canal e não
do empreendimento como um todo. Além disto, definia o monitoramento e a
apresentação de relatórios sobre a qualidade da água, o que não foi
realizado;
o Modificação da paisagem – ainda que o búfalo e o boi
causem enorme impacto, a dimensão da intervenção do plantio de arroz
altera, completamente, a paisagem, desviando rios, encharcando vastas,
promovendo o desmatamento, com a comprovada derrubada de árvores
frutíferas entre outros;
o Acesso à água – ao criar canais
artificiais, bombear água do leito de rios em vultosos volumes (que não
são medidos) e desviar cursos d’água, a dinâmica natural dos campos do
Marajó se modifica, e o próprio acesso a água também. E isto não é
devidamente avaliado e monitorado, por meio de testes físico-químicos,
como a própria licença concedida pela SEMA exige;
o Poluição da
água – a presença de agrotóxicos, o aumento do risco de vazamento de
combustíveis e mesmo a modificação da quantidade de oxigênio e de
matéria orgânica, da mesma maneira, exige monitoramento e avaliação, uma vez que
pode afetar a água que pessoas e animais bebem, e apresentar
impacto relacionado à segurança alimentar, principalmente para a pesca
de subsistência.
o APA do Marajó – ainda que sem seu plano de
manejo, a Área de Proteção Ambiental do Marajó, como determina o SNUC –
Sistema Nacional de Unidades de Conservação, exige o licenciamento dos
empreendimentos de grande porte;
Questão fundiária
o Cidade sitiada – o núcleo urbano de Cachoeira de Arari está cercado, o
que impede a sua expansão natural. Cachoeira já estava encurralada, e
hoje, praticamente, é uma cidade entre uma fazenda e o rio, é como o
homem com as algemas, não pode se mexer.
o Terras públicas x
privadas – numa região do Marajó em que a titularidade das terras não
está definida, por se tratar de áreas inundáveis, é preciso primeiro
definir a propriedade das terras, bem como realizar o zoneamento
econômico-ecológico para determinar que áreas podem ser utilizadas e sob que
condições.
Questões econômicas
o
Geração de emprego e migração – o plantio de arroz gera poucos empregos. Atualmente,
a maioria é ocupada por migrantes trazidos pelos
empreendedores de fora. Com a expansão da rizicultura haverá forte
migração para a região, como ocorre em outros grandes empreendimentos na Amazônia.
De que maneira isto agravará a exclusão do marajoara do
emprego formal oferecido?
o Distribuição de renda – o modelo de
negócio apresentado pelos arrozeiros pouco contribui ao processo de
inclusão dos mais pobres da região, ou seja, a maioria dos marajoaras;
o Impacto na infraestrutura viária – as precárias estradas entre
Cachoeira do Arari e os portos em uso recebem um tráfego crescente de
caminhões articulados de grande porte, afetando a qualidade das
estradas, especialmente de suas pontes e passagens, bem como o uso das
balsas e prejudicando ainda mais a população, que dispõe de um acesso
precário;
o Geração de impostos locais – o produto sai in natura,
para ser processado em outras localidades, o que significa baixa
capacidade de geração de tributos para a localidade. Além disto, se os
ônus relacionados aos arrozeiros estão claros, os benefícios tributários para a
receita municipal não o estão;
o Promoção dos produtos
locais – diferentemente de outros empreendimentos, os arrozeiros pouco
adquirem ou gastam no mercado local, impossibilitando que a economia
local se beneficie de sua presença;
O que nos preocupa, mais que
tudo, é que os Maroajaras não estão sendo ouvidos, não participam das
decisões sobre sua própria vida e território. Mais uma vez, são os
outros que decidem sobre a vida do Marajoara. Até agora o que se vê são
empreendedores de fora, a cercar tudo, numa postura arrogante, crendo
que o dinheiro tudo compra, como se o Marajó fosse terra sem lei ou rei. Pior, não
se preocupam em informar a população sobre o que se propõem a realizar, que
benefícios acreditam serem capazes de propiciar.
Simplesmente, estão desfrutando de um território favorável,
desprotegido, e tirando todo o benefício sem que a população dele
participe.
O Arroz do planeta inteiro não vale a saúde de uma
pessoa.É neste sentido que reiteramos a urgência de promover debates
públicos em Cachoeira do Arari e nos municípios vizinhos, bem como
realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do
Pará, para discutir o impacto do plantio de arroz na vida dos
Marajoaras.
* Alessio Saccardo, SJ, Bispo da
Prelazia de Ponta de Pedras Assunção Novaes (Cacau), coordenador do
Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó – CODETEM. Ima Célia Guimarães
Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi. João Meirelles Filho, Diretor,
Instituto Peabiru, Programa Viva Marajó.
(O Autor)
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